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A Criminalização do Negacionismo Climático: um caminho para o Direito Penal Verde no Brasil rumo à COP 30?

Por Thiago de Miranda Coutinho* –  Membro Efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC.

Novembro de 2024 foi marcado pela realização da COP29, no Azerbaijão. Apesar das severas críticas quanto à eficácia dos acordos firmados, a edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas reuniu representantes de quase todos os países para discutir e implementar ações contra as mudanças climáticas.

Como destaque, a necessidade de fontes inovadoras de financiamento, como impostos sobre o transporte internacional, e o compromisso dos países desenvolvidos em fornecer, pelo menos, US$ 300 bilhões anuais até 2035, visando auxiliar na transição energética e na adaptação dos países em desenvolvimento à pauta.

Notadamente, a crise climática deixou de ser “apenas” uma pauta ambiental para se tornar uma questão de sobrevivência da humanidade nas últimas décadas. A urgência na adoção de medidas eficazes sobre o tema levou muitos países a reformularem legislações e políticas públicas, visando não apenas a mitigação dos danos ambientais, mas também a responsabilização de condutas que agravem o problema.

Nesse contexto, emerge um debate instigante: seria possível criminalizar o negacionismo climático?

O ponto de partida é entender que “negacionismo climático” são condutas que negam, distorcem ou minimizam deliberadamente as evidências científicas sobre as mudanças climáticas, com o objetivo de influenciar decisões públicas ou privadas.

Nocivamente, tal comportamento é comumente filiado a interesses econômicos que se beneficiam com a manutenção de atividades poluentes; fora o uso político desse discurso.

Desta feita, cabe sopesar que, enquanto a liberdade de expressão é um direito fundamental protegido constitucionalmente, é preciso discutir até que ponto ela pode ser invocada para justificar condutas que atentam contra o meio ambiente e, por consequencia, contra a própria coletividade; já que esse direito não é absoluto! Explicação enquadrada numa espécie de “mais do mesmo à brasileira”.

Bem verdade, vale ressaltar que o Brasil conta com um dos arcabouços legais mais avançados do mundo em termos de proteção ambiental. A Constituição Federal de 1988 dedicou um capítulo inteiro ao meio ambiente (artigo 225), destacando o dever de todos – Estado e Sociedade – em preservar o equilíbrio ecológico.

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

  • 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;     

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; 

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.         

VIII – manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às contribuições de que tratam o art. 195, I, “b”, IV e V, e o art. 239 e aos impostos a que se referem os arts. 155, II, e 156-A.

  • 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
  • 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
  • 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.      
  • 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
  • 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
  • 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos ”. 

 

Não obstante, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) estabelece sanções penais e administrativas para condutas que atentem contra o meio ambiente. Contudo, essa legislação é mais voltada para práticas físicas e concretas, como desmatamento e poluição, não abordando especificamente a disseminação de desinformação climática.

Assim, a criminalização do negacionismo climático poderia ser enquadrada como uma forma de Direito Penal simbólico ou pedagógico, que busca reafirmar valores essenciais à sociedade, como a proteção ao meio ambiente.

Frisa-se que essa abordagem tem ganhado força em outros países, mormente na Europa, onde há discussões avançadas sobre a inclusão de condutas climáticas prejudiciais no rol de crimes internacionais, no âmbito do Estatuto de Roma.

No Brasil, essa possibilidade encontra respaldo no próprio princípio da solidariedade intergeracional, expresso no art. 225 da Constituição, que determina o dever de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Ainda assim, há desafios. Afinal, como criminalizar uma conduta que, muitas vezes, é subjetiva e de difícil comprovação? Seria necessário diferenciar o negacionismo intencional, com dolo evidente, da mera ignorância ou crença pessoal?

Neste sentido, a disseminação deliberada de informações falsas ou enganosas sobre as mudanças climáticas poderia ser considerada uma violação ao direito coletivo de um meio ambiente equilibrado. Além disso, os reflexos desse tipo de conduta – como a obstrução de políticas públicas ambientais ou o incentivo ao consumo de combustíveis fósseis –, reforçam a necessidade de responsabilização.

Realidade essa que já é vista e punida em alguns países. Na Alemanha, por exemplo, negar o Holocausto é crime. Por isso que essa lógica de proteger valores essenciais à sociedade tem sido aplicada também a temas ambientais. Na França, o governo discute a introdução de sanções penais contra práticas que neguem a crise climática ou incentivem atividades prejudiciais ao meio ambiente.

Já no Brasil, a implementação de uma norma desse tipo esbarra na polarização política e na resistência de setores econômicos que seriam diretamente impactados. Novamente, “mais do mesmo à brasileira”.

Sem dúvidas, a criminalização do negacionismo climático é um tema controverso que precisa ser debatido no contexto de emergência ambiental. Bem verdade que o Direito Penal não deve ser a primeira nem a única solução para problemas complexos como as mudanças climáticas. No entanto, ele pode ter um papel importante como ferramenta de proteção a bens jurídicos fundamentais como o meio ambiente.

E o Brasil, como um dos países mais impactados pela crise climática, não pode ignorar o papel central do Direito na construção de um futuro sustentável.

Portanto, o combate ao negacionismo climático, seja por meio de sanções penais ou outras ferramentas legais, deve estar no centro dessa discussão. Afinal, o tempo da inação já passou. É hora de agir rumo à COP 30 em solo verde amarelo. Seria “mais do mesmo à brasileira”? Esperamos que não!

 

*Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo, Direito e pós-graduado em Inteligência Criminal. Escritor e co-autor de livros é articulista nos principais veículos jurídicos do país, integrante do corpo docente de Academia da Polícia Civil de SC (Acadepol), palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc). No ano de 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz e, em 2023, recebeu Moção de Aplauso da Alesc. Recentemente, ganhou destaque nacional por ser o autor da sugestão legislativa de propositura de Projeto de Lei (apoiada pelo Conselho Federal da OAB em 2022), que visa incluir no Código Penal, qualificadoras a crimes praticados contra Advogados no exercício da função (PL 212/2024). Instagram: @miranda.coutinho_

 

Referências:

 BECK, Ulrich. A metamorfose do mundo: novos conceitos para uma nova realidade. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010.

TEIXEIRA, Gabriel Hadad. O Tribunal Penal Internacional como um instrumento complementar na proteção dos bens jurídicos internacionais. Revista de Direito Internacional, v. 9, n. 1, p. 27-39, 2012.

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