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Dolo Eventual e Culpa (in)consciente: da Responsabilidade Penal às explicações de Freud.

Por Thiago de Miranda Coutinho – Membro efetivo do IASC.

Uma análise criminal por meio da interseção à Psicanálise

No Direito Penal, os conceitos de “Dolo” e “Culpa” são fundamentais para a caracterização da responsabilidade criminal. Matérias que acompanham os estudos ao longo de toda jornada acadêmica, perpassando a vida profissional do operador do Direito que orbita na esfera penal.

Inicialmente, destaca-se que o dolo é a vontade consciente de realizar uma conduta típica (leia-se: aquela cuja ação ou omissão está expressamente descrita e caracterizada como crime no Código Penal ou em legislação especial).

Salienta-se, ainda, que o dolo pode ser tanto “direto” – quando o agente deseja o resultado –, como “eventual”, quando ele aceita o risco de produzi-lo.

Em termos práticos, Mirabete ensina que “há dolo direto quando o agente, mediante sua conduta, quer diretamente produzir o resultado ilícito”, a exemplo de um indivíduo que dispara sua arma de fogo contra outro na intenção de matá-lo.

Já Rogério Greco ressalta que “o dolo eventual ocorre quando o agente, embora não queira diretamente o resultado, assume o risco de produzi-lo, conformando-se com sua ocorrência”, como um motorista que participa de um racha em via pública e, assim, aceita a possibilidade de causar um acidente, mas, por ímpeto próprio, segue em frente aceitando o risco. Assim, se do acidente ocorre o resultado morte, o condutor pode ser acusado de homicídio doloso na modalidade de dolo eventual.

Agora no que concerne à “Culpa”, esta caracteriza-se pela ausência de intenção; porém, com a ocorrência do resultado lesivo por imprudência, negligência ou imperícia. Ou seja, na culpa, o agente não deseja nem assume o risco do resultado, mas age de forma descuidada.

Nessa linha, há que se falar de duas intercorrências da “Culpa”: a “Consciente” e a “Inconsciente”. São terrenos limítrofes de um processo penal cada vez mais decidido no detalhe, onde a acurácia do operador jurídico não admite ignorâncias oriundas da miopia intelectual.

Visando o cotejo prático, Capez explica que “há culpa consciente quando o agente prevê o resultado, mas, por acreditar na sua habilidade, age confiando que ele não ocorrerá”, como o artista circense que atira facas contra um espectador na crença de que não feriria o voluntário diante de sua habilidade; entretanto, acaba acertando a pessoa.

Descrevendo a Culpa Inconsciente, o grande doutrinador Cézar Roberto Bitencourt a aduz como “aquela em que o agente, por imprudência ou negligência, não prevê o resultado que era previsível”. Cuida-se de uma modalidade de culpa no Direito Penal, caracterizada pela ausência de previsão do resultado ilícito por parte do agente; embora ele pudesse e devesse tê-lo previsto.

Em outras palavras, na culpa inconsciente o agente não antevê a possibilidade de que sua conduta possa gerar um resultado lesivo, mas esse resultado ocorre por falta de atenção, descuido ou imperícia; e poderia ter sido evitado com a devida diligência.

Diferencia-se da culpa consciente, onde o agente prevê o resultado, mas acredita, equivocadamente, que ele não ocorrerá. Aqui, na culpa inconsciente, a falha está na completa ausência dessa previsão; ainda que o agente estivesse em uma posição em que deveria prever o resultado.

Como no clássico exemplo de culpa inconsciente residente nos crimes de trânsito, onde um motorista que – ao dirigir normalmente em uma área residencial –, não percebe a presença de uma criança atravessando a rua. Ele não previu a possibilidade de atropelar alguém, mas, devido à sua negligência, o acidente acontece. Embora não tenha desejado ou previsto o resultado, ele deveria (e poderia) ter agido com mais cuidado, evitando o acidente.

Notadamente, como dito, a culpa inconsciente é comumente aplicada em casos de homicídio culposo no trânsito, onde o agente não prevê o resultado, mas atua com negligência ou imprudência. A responsabilidade penal nesses casos não decorre de um desejo ou aceitação do resultado (como no dolo eventual), mas da falta de atenção e cuidado que se espera em determinadas situações.

Essa modalidade de culpa é fundamental para distinguir condutas culposas de dolosas, onde a intenção ou a aceitação do risco são elementos-chave. Aqui, a previsão do resultado, ou a falta dela, é o critério que diferencia a culpa consciente da inconsciente.

Diante desses conceitos jurídicos, é interessante considerar a análise de Freud sobre o “sentimento de culpa”. Aquele intimamente ligado à angústia e ao desejo compondo uma parte essencial da estrutura psíquica humana, cujas contextualizações relacionam-se com o Direito.

Freud associa o fenômeno da culpa ao “Complexo de Édipo” – teoria psicanalítica que descreve as relações que uma criança estabelece com os pais durante a primeira infância –, onde o conflito entre desejos inconscientes e normas morais internalizadas pelo superego gera angústia e culpa futura. Frisa-se: uma vez iniciando de forma inconsciente, se torna consciente, levando o superego a criticar o eu, gerando “autodestruição”.

Esse sentimento, segundo Freud, é inevitável e se manifesta de formas variadas, desde o remorso até a neurose, sendo uma expressão do conflito interno entre impulsos destrutivos e a necessidade de viver em sociedade.

No ponto convergente ao Direito, Freud distingue três tipos de culpa: a consciente, a inconsciente e o sentimento inconsciente de culpa; cada qual afetando o sujeito de maneiras diferentes.

Sentimentos que são uma espécie de “força interna” que pode influenciar significativamente o comportamento humano e o desenvolvimento psíquico, segundo Freud. Não apenas moldando a vida emocional do indivíduo, mas também afetando suas interações sociais e sua capacidade de viver em harmonia com as normas morais da sociedade; paralelo com quem enfrenta as agruras de um Processo Penal.

Além disso, a culpa pode ser vista tanto como um produto do conflito psíquico, quanto como um fator que intensifica esse mesmo conflito, criando um ciclo de repressão e desejo que é difícil de romper. Desta feita, a análise freudiana sugere que o manejo inadequado da culpa pode levar a estados patológicos, onde a angústia se torna dominante, perturbando o equilíbrio psíquico do agente; ou do réu no paralelo com a figura típica praticada no palco processual penal.

Nesse sentido, o texto de Freud esclarece que:

“O sadismo do superego e o masoquismo do ego suplementam-se mutuamente e se unem para produzir os mesmos efeitos. Só assim, podemos compreender como a supressão de um instinto pode, com frequência ou muito geralmente, resultar em um sentimento de culpa, e como a consciência de uma pessoa se torna mais severa e mais sensível, quanto mais se abstém da agressão contra os outros.”

 Para Freud, o sentimento de culpa está ligado à percepção de se fazer algo considerado “mal”. No entanto, a definição do que é “mal” e como identificá-lo é complexa, por isso, tal abordagem se mostra essencial para entender como Freud concebe a culpa como um fenômeno central na vida psíquica.

Portanto, resta importante destacar que, diante da mínima chance de eliminar a culpa relacionada à própria identidade, pode iniciar-se um processo que Freud denominou “reação terapêutica negativa”. Processo que envolve a substituição do sentimento de culpa pelo desenvolvimento de uma doença.

Nas palavras de Freud:

“Há certas pessoas que se comportam de maneira muito peculiar durante o trabalho de análise. Quando se lhes fala esperançosamente ou se expressa satisfação pelo progresso do tratamento, elas mostram sinais de descontentamento e seu estado invariavelmente se torna pior [. . .]. Toda solução parcial, que deveria resultar, e noutras pessoas realmente resulta, numa melhoria ou suspensão temporária de sintomas, produz nelas, por algum tempo, uma exacerbação de suas moléstias; ficam piores durante o tratamento, ao invés de ficarem melhores. Exibem o que é conhecido como ‘reação terapêutica negativa’. [. . .] Ao final, percebemos que estamos tratando com o que pode ser chamado de fator ‘moral’, um sentimento de culpa, que está encontrando sua satisfação na doença e se recusa a abandonar a punição do sofrimento.”

Seja com “Dolo” ou “Culpa”, culpado ou inocentado – exatamente como ao final de um traumático Processo Penal –, Freud explica.

Responsabilidade Penal, com duplo sentido!

 

*Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo e Direito, e pós-graduado em Inteligência Criminal. Escritor e coautor de livros, é articulista nos principais veículos jurídicos do país, integrante do corpo docente de Academia da Polícia Civil de SC (Acadepol), palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc). No ano de 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz pelos serviços prestados à comunidade de Inteligência. Em 2023, recebeu Moção de Aplauso da Alesc. Recentemente, ganhou destaque nacional por ser o autor da sugestão legislativa de propositura de Projeto de Lei (apoiada pelo Conselho Federal da OAB em 2022), que visa incluir no Código Penal, qualificadoras a crimes praticados contra Advogados no exercício da função (PL 212/2024). Instagram: @miranda.coutinho_

 

 

Referências:

BRASIL. Código penal. Decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. . Diário  Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 7 dez. 1940.  Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

FREUD, Sigmund. (1923). O ego e o id. In J. Salomão (Trad.), Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 14). Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Publicado originalmente em 1923).

FREUD, Sigmund. (1930). O mal-estar na civilização. In P. C. de Souza (Trad.), Obras completas. (Vol. 18). São Paulo: Cia. das Letras, 2010. (Publicado originalmente em 1930).

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 20ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2011.

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. Editora Revista dos Tribuna

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