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Novidades no CPP: um Habeas Corpus ao som de Milton Nascimento.

Por Thiago Miranda Coutinho* – Membro Efetivo do IASC.

Quando o “in dubio pro reo” está no tom da presunção de inocência

 

Sabe aquele ditado popular “quando a esmola é demais, o santo desconfia”?! Pois foi este o sentimento de boa parte dos advogados criminalistas brasileiros nesta terça-feira (9/4), por ocasião da importante alteração no Código de Processo Penal.

Agora, com a sanção da lei 14.836/24, quando houver empate nos julgamentos em sede de matéria Penal ou Processual Penal submetidos a Tribunais Superiores, prevalecerá a decisão mais benéfica ao réu; mesmo com a eventual ausência de algum membro do órgão colegiado.

Art. 2º O art. 41-A da Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 41-A. A decisão de Turma, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, será tomada pelo voto da maioria absoluta de seus membros.

Parágrafo único. Em todos os julgamentos em matéria penal ou processual penal em órgãos colegiados, havendo empate, prevalecerá a decisão mais favorável ao indivíduo imputado, proclamando-se de imediato esse resultado, ainda que, nas hipóteses de vaga aberta a ser preenchida, de impedimento, de suspeição ou de ausência, tenha sido o julgamento tomado sem a totalidade dos integrantes do colegiado.” (NR)

Art. 3º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 615…

  • Em todos os julgamentos em matéria penal ou processual penal em órgãos colegiados, havendo empate, prevalecerá a decisão mais favorável ao indivíduo imputado, proclamando-se de imediato esse resultado, ainda que, nas hipóteses de vaga aberta a ser preenchida, de impedimento, de suspeição ou de ausência, tenha sido o julgamento tomado sem a totalidade dos integrantes do colegiado… ” (NR)

 

Com a devida vênia, é como se fosse preciso erguer no Código de Processo Penal aquela enorme pilastra constitucional chamada de presunção de inocência, prevista no artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal que assegura: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Trata-se da expressão mais genuína, visceral e ascendente do chamado “in dubio pro reo”, outro princípio que paira quando em situações de dúvida, deverá vencer a decisão mais benéfica ao acusado (em dúvida, para o réu).

É como sempre protagonizou o jurista Tourinho Filho, ao proclamar que “no conflito entre o jus puniendi do Estado, por um lado, e o jus libertatis do acusado, por outro lado, a balança deve inclinar-se a favor deste último se se quiser assistir ao triunfo da liberdade.”

Embora sejam conceitos amplamente conhecidos no Direito, trazidos aos ouvidos dos alunos desde o início da graduação acadêmica, infelizmente tais canções constitucionais insistem em, ainda, não compor a “playlist” de alguns magistrados brasileiros.

Não obstante essa breve consideração, inegavelmente a nova redação legal – que apregoou tais procedimentos junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) –, também aportou relevantes mudanças quanto ao habeas corpus, consagrado remédio constitucional tido como a medida judicial mais importante para a proteção da liberdade de um indivíduo.

Assim, essa outra novidade perante o CPP trouxe a possibilidade de expedição de habeas corpus de ofício, por juiz ou tribunal; inclusive, quando a ameaça de violência ou coação da liberdade de locomoção for individual ou coletiva. Surpreendentemente, uma significativa e positiva mudança que estende o que já era previsto no artigo 654, §2, CPP.

“Art. 647-A. No âmbito de sua competência jurisdicional, qualquer autoridade judicial poderá expedir de ofício ordem de habeas corpus, individual ou coletivo, quando, no curso de qualquer processo judicial, verificar que, por violação ao ordenamento jurídico, alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção.

Parágrafo único. A ordem de habeas corpus poderá ser concedida de ofício pelo juiz ou pelo tribunal em processo de competência originária ou recursal, ainda que não conhecidos a ação ou o recurso em que veiculado o pedido de cessação de coação ilegal.”

 

Finalmente, boas notícias àqueles abnegados e incansáveis defensores do fiel cumprimento das garantias constitucionais, das leis penais e, sobretudo, da justa e perfeita forma processual penal brasileira; são “Maria, Maria”, de Milton Nascimento:

“Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria”

 

*Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo e Direito, e pós-graduado em Inteligência Criminal. Escritor e coautor de livros, é articulista nos principais veículos jurídicos do país, palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC). Atualmente, é Agente de Polícia Civil e integrante do corpo docente da Acadepol (PCSC). No ano de 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz e, em 2023, recebeu Moção de Aplauso da ALESC. Recentemente, ganhou destaque nacional por ser o autor da sugestão legislativa de propositura de Projeto de Lei (apoiada pelo Conselho Federal da OAB), que visa incluir no Código Penal, qualificadoras a crimes praticados contra Advogados no exercício da função (PL 212/2024). Instagram: @miranda.coutinho_

Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.

BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.

BRASIL. Lei n. 14.836, de 8 de abril de 2024. Altera a Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para dispor sobre o resultado de julgamento em matéria penal ou processual penal em órgãos colegiados e sobre a concessão de habeas corpus de ofício. Diário Oficial da União, Brasília, 9 abr. 2024. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14836.htm>. Acesso em: 09 de abril de 2024.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.

NIKITENKO, V. G. Aspectos do princípio da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo. Curitiba: Juruá, 2003.

MILTON NASCIMENTO. Maria, Maria. Clube da esquina 1 e 2. 1978.

 

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