Uma intervenção na UFSC: o “não” do Marechal
Por Rodrigo A. Sartoti, Professor de Direito da UFSC e Membro efetivo do IASC
No último dia 26 de abril, a comunidade acadêmica da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC escolheu democraticamente o novo reitor e a nova vice-reitora. No entanto, essa eleição é apenas uma consulta, não vinculando a eleição que ocorre no Conselho Universitário para escolha do reitor. Historicamente, o Conselho Universitário da UFSC chancela a escolha democrática da comunidade acadêmica feita na consulta, o que, infelizmente, não impede que novas candidaturas surjam apenas na etapa de votação do Conselho Universitário e, assim, que a lista tríplice a ser enviada à Presidência da República seja composta por alguém que não se submeteu ao processo de escolha democrática.
A legislação que regulamenta a escolha para reitorias de universidades federais está em desacordo com a autonomia universitária garantida pelo art. 207 da Constituição da República. A lei, inclusive, dá margem para que o Presidente da República não escolha o mais votado pelo órgão máximo da universidade, desrespeitando a escolha democrática. Pela lei, é o Conselho Universitário que deve votar e formar uma lista tríplice que será enviada ao Ministério da Educação para escolha do novo reitor a ser feita pelo Presidente da República, permitindo, assim, intervenções nas universidades federais.
Em 1966, houve uma intervenção direta feita Presidência da República numa eleição interna da UFSC. Até 1968, as faculdades que compunham a UFSC possuíam autonomia, o que lhes permitia eleger seus próprios diretores sem ingerência da reitoria. Mas, naquela época, tal como ocorre hoje em dia na escolha para reitor, a Congregação da Faculdade de Direito (o que hoje chamamos de Conselho da Unidade) deveria elaborar uma lista tríplice para escolha do seu diretor e submete-la ao Presidente da República para nomeação, vez que a Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 4.024/1961) e o Estatuto do Magistério Superior (Lei 4.881-A/1965), vigentes à época, determinavam que a nomeação de diretor de unidade federal de ensino caberia ao Presidente da República após parecer do Ministro da Educação.
Naquele ano de 1966, a Congregação da Faculdade de Direito da UFSC (hoje Centro de Ciências Jurídicas) se reuniu para escolher seu novo diretor, elegendo o Prof. Waldemiro Cascaes, catedrático de Direito Judiciário Civil, como primeiro nome, seguido dos Profes. Henrique Stodieck e Aldo Ávila da Luz, respectivamente catedráticos de Direito do Trabalho e de Direito Civil. Entretanto, esses professores eram alvos de perseguição por conta de suas filiações partidárias e opções políticas e ideológicas, em inquéritos sumários, o que acabou gerando uma intervenção direta na UFSC, especificamente na Faculdade de Direito.
O então Presidente Castelo Branco, de próprio punho, despachou no ofício da lista tríplice da Faculdade de Direito da UFSC com os seguintes dizeres: “Nas circunstâncias atuais, julgo inaceitáveis os nomes constantes da lista apresentada. Em 22 julho 66”. O arquivo no qual se encontra tal despacho de Castelo Branco é um ofício confidencial, de n. 37, enviado pelo Reitor João David Ferreira Lima ao general Carlos Alberto da Fontoura, então Chefe do SNI, datado de 27 de outubro de 1969, no qual pedia a demissão do Prof. Henrique Stodieck.
A lista tríplice com o “não” do Marechal acabou voltando à Faculdade de Direito da UFSC. A Congregação da Faculdade, então, desafiou Castelo Branco deliberando que o Prof. Cascaes ficaria na direção, interinamente, até a elaboração de uma nova lista tríplice. Enquanto não era possível contornar o “não”, a Congregação nomeou interinamente como diretor o professor e desembargador Eugênio Trompowsky Taulois Filho, que lecionava Direito Comercial. O Prof. Eugênio era alguém de confiança do grupo político que dirigia a Faculdade, além de ser um nome considerado neutro entre o corpo docente. Posteriormente, Stodieck voltaria à direção da Faculdade.
Esperamos que esse episódio de intervenção da Presidência da República na UFSC fique na História e não aconteça novamente, para que se mantenha a autonomia e a democracia da Universidade, tão duramente conquistadas nas últimas décadas.
Fontes:
Arquivo Nacional, Fundo SNI, referência AC-ACE-SEC 17199-69.
César Pasold, entrevista concedida ao autor em 09 de março de 2016.
SARTOTI, Rodrigo. Juristas e ditadura – repressão e resistência na Faculdade de Direito da UFSC. Florianópolis: Insular, 2019.