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Frentista x autosserviço: lei antiga não pode impedir inovação e sua revogação foi reconhecida por decisão judicial.

Por GUSTAVO PACHER, advogado e consultor, ativista da inovação e da solução de problemas empresariais, com especialidade em Direito Tributário, Direito da Economia da Empresa; Presidente do INOVA Jaraguá do Sul/SC; Conselheiro Federal da OAB.


Mesmo estando em
2022, onde existem veículos elétricos circulando e abastecendo livremente, carros, utilitários e caminhões não tripulados, UBER e outros aplicativos operando,até notícia de robôsabastecendo veículos na sem qualquer intervenção humana (China), os brasileiros ainda abastecem seus veículos da mesma forma como faziam no século passado, “olhando pelo retrovisor”.

E isso se dá devido ao excesso de regulação, à burocracia e uma vedação imposta por uma leiabsolutamente antiquada.

Existem vários casos de leis obsoletas que barraminovações tecnológicas, desenvolvimento econômico e social, mas o melhor exemplo do momento, por ser grotesco, pode ser encontrado no setor de venda de combustíveis à varejo, onde art. 1º da Lei nº 9.956/2000estabelece que: “Fica proibido o funcionamento de bombas de auto-serviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de abastecimento de combustíveis, em todo o território nacional..

E esta proibição afronta a Constituição Federal, que consagra e protege a inovação como instrumento de desenvolvimento econômico e socialdevendo serincentivada e garantida pelo Estado em seus diversosníveis (desde a EC nº 85/2015), e também contraria outras normas, como a Lei de Inovação Tecnológica e a Lei da Declaração do Direito à liberdade Econômica.

Vale destacar que inovação não é um conceito aberto, vez que foi pelo art. 64, inc. I, da Lei Complementar nº 123/2006, e abrange produtos e/ou processos que impliquem melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade e produtividade.

Logo, temos que o art. 1º da lei nº 9.956/2000 completamente incompatível com a Constituição, e também com as demais legislações mencionadas, todas posteriores, impondo-se reconhecer a revogação (ou ‘inconstitucionalidade superveniente’), para que prejuízos ainda maiores serão suportados pela nossa sociedade.

O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a relevância da proteção à inovação, ponderandoque “o Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas”, vez que “o apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite que a abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis” em voto do ministro Gilmar Mendes, na ADI-MC 1945, Pleno, 26/5/2011).

O mesmo STF ao enfrentar a discussão relacionada ao UBER (RE 1054110. Repercussão Geral – Mérito (Tema 967) Órgão julgador: Tribunal Pleno, Julgamento: 09/05/2019 e Publicação: 06/09/2019), em processo da relatoria do Min. ROBERTO BARROSO, de forma primorosa assentou que:

“…é inócuo tentar proibir a inovação ou preservar o status quo, assim como, com a destruição das máquinas de tear, no início do século XIX, por trabalhadores ingleses ou, pouco depois, na França, quando se começaram a vender roupas prêtà-porter, em que os alfaiates também invadiram as grandes lojas, não foi possível frear a revolução industrial.

O desafio do Estado está em como acomodar a inovação com os mercados pré-existentes, e penso que a proibição da atividade na tentativa de contenção do processo de mudança, evidentemente, não é o caminho, até porque acho que seria como tentar aparar vento com as mãos. (…)

A minha crença profunda hoje, analisando o Brasil, é de que nós precisamos é de mais sociedade civil, mais livre iniciativa, mais movimento social, e menos Estado; um capitalismo com risco privado, concorrência, empresários honestos, regras claras e estáveis, propiciadoras de um bom ambiente de negócios. Nesse contexto que eu acabo de retratar é que se situa, em primeiro lugar, a ideia de livre iniciativa, que é, como nós sabemos, um dos fundamentos do Estado brasileiro. Logo na abertura da Constituição, lá está a livre iniciativa, ao lado do valor social do trabalho. (…) A lei não pode arbitrariamente retirar uma determinada atividade econômica da liberdade de empreender das pessoas, salvo se houver um fundamento constitucional que autorize aquela restrição. E eu constato que não há regra nem princípio constitucional que prescreva a manutenção de um modelo específico de transporte individual de passageiros. Não há uma linha na Constituição sobre esse assunto.

Portanto, a edição de leis ou atos normativos proibitivos pautada em uma inexistente exclusividade do modelo de exploração por táxis não se conforma ao regime constitucional da livre iniciativa. Penso que este é o primeiro fundamento e por si só seria suficiente.”

Defender esses comandos constitucionais e legais é fundamental para que compreendamos que sem inovação não haverá desenvolvimento econômico e social no ritmo necessário, que são objetivos fundamentais da República (art. 3o, inc. II, CF), e, evidentemente, com essa indevida intervenção estatal haverá prejuízo ao desenvolvimento e obstáculos ao progresso (art. 4o, inc. IV e inc. IX, CF).

Com efeito, o art. 1º da Lei nº 9.956/2000 expressamente proíbe o consumidor de optar peloautosserviço nos postos de abastecimento, cerceando o direito de escolha, e impondo à população um ônus financeiro desnecessário, pois o produto/combustível,na bomba de abastecimento, acaba tendo seu preço majorado pelo impacto da ineficiência e atraso tecnológico.

O principal custo é representado pela folha de salários e encargos sociais/tributários dos frentistas, que poderiam ou não estar ali (dependendo do modelo de negócio a ser seguido por cada empreendimento), em mais dessas situações absurdas de intervenção estatal na economia, que não se sabe como foram criadas, e por qual razão ainda subsistem.

Em regiões onde há pleno emprego, como é o caso dos estados do Sul do país, por exemplo, inclusive, há relatos de dificuldade das empresas na contrataçãodesses profissionais, que preferem optam por outras carreiras, que lhes garantam outras perspectivas, como a oportunidade de qualificação técnica e remuneraçãomais atrativa.  

Com o avanço tecnológico oportunizado pela inovação, a criação de novos modelos de negócios para os postos, e o surgimento de demanda por equipamentose softwares, serão criados novos postos de trabalho/emprego, com maior remuneração e qualificação, fazendo com que um ciclo virtuoso de desenvolvimento se concretize. Esse é o objetivo!

Estima-se que o impacto financeiro deste “atraso” gire em torno de 0,10 a 0,15, por litro, dependendo da estrutura e volume comercializado por cada posto (há um estudo do DIEESE/2019 que aponta o valor médio de R$ 0,12), e isso impacta não apenas o bolso dosproprietários de veículos, mas chega a alcançar toda a sociedade que adquire bens de consumo em geral que são preponderantemente transportados através de rodovias – com a utilização desses combustíveis(abastecidos de maneira mais onerosa).

Entretanto, o dano causado à nação é maior, indo além para violentar o exercício do direito/liberdade de escolha dos consumidores, para impedir o avanço da inovação do setor, cercear o desenvolvimento de novas tecnologia, empresas e negócios em território nacional (fornecimento de equipamentos, software, consultorias,etc), desestimular o desenvolvimento de novas funções/atividades profissionais de maior remuneração e qualificação (técnicos dos equipamentos, programadores, consultores de atendimentos dentre outros), e, também, deixar de viabilizar novos modelos de negócios inovadores e seguros.

Na prática, aqueles cidadãos que têm condições de adquirir veículos elétricos, ou híbridos, possuem liberdade para fazer o autosserviço de abastecimento, em suas residências ou em locais públicos (Resolução nº 819/2018 da ANEEL), sem qualquer restrição legalou custo adicional, enquanto a esmagadora maioria da população brasileira é obrigada a optar pelo modelo que existe desde o século passado, mais caro e ineficiente, sem que haja qualquer argumento plausível para que assim continue (e até mesmo em lei de vigência duvidosa).

O descompasso é tão absurdo, entre o abastecimentoatual/antiquado e o dos veículos elétricos, que aResolução nº 819/2018 da ANEEL chega a permitir a recarga de veículos elétricos de propriedade distinta do titular da unidade consumidora, inclusive para fins de exploração comercial a preços livremente negociados(art. 9º).

Qual o motivo que justifica tamanha diferença de tratamento?

E mais, o pagador de impostos brasileiro ainda suporta o custo previdenciário decorrente da aposentadoria especial desses profissionais (frentistas) em condições mais vantajosas que os trabalhadores em geral, por exposição frequente e constante ao benzeno (existente em pequena proporção na composição da gasolina),impondo um novo custo para o sistema, que novamente é pago pelo cidadão através de seus tributos, e pelas empresas através da majoração do Fator Acidentário dePrevenção (FAP/NTEP), dentre outras consequências de natureza trabalhista e tributária.

E tudo isso, vale destacar, no fim das contas, é pago pelo consumidor vez que tais custos são integralmente repassados para o preço do produto.

A inovação gera novas oportunidades, avanços, conforme pôde ser acompanhado no setor bancário, ou alguém questiona os benefícios trazidos pelos terminais de autoatendimento ou caixas eletrônicos? Supermercados estão automatizando os caixas, empresas de transporte estão implantando bilhetagem eletrônica, as polícias estão se valendo da tecnologia para monitoramento das cidades, dentre outros tantos avanços observados em outras áreas da vida moderna.

Cabe registrar também que o sistema de autosserviço é amplamente utilizado por países desenvolvidos, estando a tecnologia totalmente disponível para implementação imediata, de forma segura, confiável e funcional. Nos EUA, por exemplo, existem registros de sua utilização desde a década de 1950, portanto, há mais de meio século, com eficiência e confiabilidade.

Victor Hugo, renomado inventor, buscando motivar a perseguir o novo, com destemor e obstinação, disse que “Nada é mais poderoso do que a ideia cujo tempo chegou”. E o tempo da inovação neste setor chegou muito tempo… E não devemos ignorá-lo em nome do descaso, de interesses obscuros ou até mesquinhos.

Outro fator a considerar é a recomendação do próprio Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que divulgou um estudo com nove propostas para aumentar a concorrência no setor de combustíveis e por consequência, reduzir os preços ao consumidor final, listando o autosserviço, com uma das mais relevantes.

Essa prática, indiscutivelmente dota o consumidor de maior poder de escolha entre abastecer (pessoalmente), ou optar por posto com serviço de frentistas (direito de escolha).

Qual o motivo, portanto, para impedir que o autosserviço possa ser oferecido como alternativa à população brasileira, com preços mais vantajosos e tecnologia? Repita-se, seria uma opção, uma alternativa ao atual modelo, fazendo com que o mercado defina o que prefere (preço menor e agilidade, ou a comodidade do serviço tradicional).

Diante desses argumentos, dentre outros, o Exclentíssimo Juiz Federal Substituto da 1a Vara Federal de Jaraguá do Sul (SC), Sr. Joseano Maciel Cordeiro, nos autos da AÇÃO ORDINÁRIA Nº 5000179-29.2022.4.04.7209/SC, afastou os efeitos do art. 1º da Lei nº 9.956/2000, gravando a parte dispositiva da decisão nos seguintes termos:

DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para declarar o direito de a parte autora oferecer o sistema de autosserviço aos seus clientes em seus postos de combustíveis.

Diante de julgamento de procedência, DEFIRO a tutela de urgência requerida, a fim de que a parte autora possa oferecer desde logo o sistema de autosserviço aos seus clientes.

Condeno a ré ao ressarcimento das custas adiantadas pela parte autora, bem como ao pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador da demandante, os quais fixo em 20% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. A atualização do valor da causa será pela SELIC (art. 3º da EC nº 113/2021).

Na hipótese de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos termos do art. 1.010 do CPC.

Sentença sujeita à remessa necessária (art. 496, I, do CPC).

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

JOSEANO MACIEL CORDEIRO, Juiz Federal Substituto”

Como visto, portanto, o direito à inovação é garantido pela Constituição Federal para proteção e evolução da geração presente e futuras, e a sua concretização deve ser priorizada e perseguida incessantemente por todos para que possamos, assim, amenizar as diferenças de um País ainda tão desigual, e, por consequência, toda legislação antiquada que a impeça, ou crie embaraços irrazoáveis, merece ser declarada revogada ou inconstitucional.

Por fim, destacamos que o presente artigo não esgota o tema, mas apenas busca apresentar alguns elementos capazes de ensejar a avaliação do público, assim como o reconhecimento judicial de que a vedação ao autosserviço estabelecida pelo art. 1º da Lei n. 9.956/2000 não subsiste (revogada) após as alterações legislativas promovidas pela Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004art. 2º, inc. IV, art. 3º e Parágrafo Único e art. 19) e pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.974/2019 – art. 1º, §2º e §4º, art. 3º, inc. IV, art. 4º, inc. I, IV, V e VI), e especialmente, pela edição da Emenda Complementar n 85/2015 (art. 23, inc. V, art. 24, inc. IX, art. 213, § 2º, art. 218, art. 219 e art. 219-A),além de outros dispositivos da Constituição Federal (art. 1º, inc. IV, art. 170 e art. 174).

Sigamos trabalhando e olhando para o futuro com inspiração e coragem. Avante!

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