A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PELO PODER LEGISLATIVO
Por Íris De Luca Linhares – Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IASC*
O controle jurisdicional de constitucionalidade, como a expressão já indica, é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Mas a supremacia da Constituição também conferiu aos Poderes Executivo e Legislativo atribuições para que exerçam, nos respectivos âmbitos de atuação, um controle de constitucionalidade. Referido controle, no sentido amplo da expressão, é preventivo, incide sobre projetos, e tem como objetivo evitar que proposições legislativas inconstitucionais ingressem na ordem jurídica.
No Poder Legislativo, esta verificação prévia da constitucionalidade é feita, especificamente, pela Comissão de Constituição e Justiça, onde se deve examinar os aspectos de constitucionalidade, legalidade e regimentalidade da proposição. No Poder Executivo, esse controle preventivo é exercido através do veto.
Em resumo, pode-se dizer que cabe às Casas Legislativas a função legiferante dentro da separação dos poderes. Sua missão é criar leis, e, para tanto, deve procurar adequar os atos legislativos à lei maior, sem o quê pode incorrer em excesso de poder, configurado pelo vício de inconstitucionalidade.
Sobre o assunto, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes[1] adverte que, apesar de o papel do Poder Legislativo envolver uma certa discricionariedade, ela deverá estar “dentro de limites estabelecidos pela Constituição”, vedando-se o excesso de poder.
No Brasil, este sistema é uma forma de controle político, só que preventivo, ocorrido durante a elaboração da proposição, por meio do qual não se realiza um controle de constitucionalidade de lei, mas um procedimento em que se tenta evitar que a lei seja incompatível com a Constituição. Assim sendo, o projeto sofre, ou deveria sofrer, profundo exame das Comissões de Constituição e Justiça das Casas Legislativas.
Ou seja, exercer o controle preventivo de constitucionalidade significa barrar o ingresso de atos jurídicos pré-normativos ou projetos legislativos ou propostas de emenda à Constituição, no sistema jurídico de determinado ordenamento territorial, que não estejam em conformidade com a Constituição Federal, bem como com a Constituição Estadual ou com as leis infraconsticucionais, já que o Direito não admite normas incompatíveis entre si.
Sobre o assunto, MICHEL TEMER[2] diz que:
“a Constituição vigente permite a identificação de controle preventivo e repressivo. O primeiro é localizável quando se pensa em controle lato da constitucionalidade: destina-se a impedir o ingresso, no sistema, de normas que, em seu projeto, já revelam desconformidade com a Constituição. Esse controle é exercido tanto pelo Legislativo quanto pelo Executivo. Aquele é estruturado em Comissões, como decorre do art. 58, da CF. Tais Comissões, permanentes, destinam-se, basicamente, a emitir pareceres sobre projetos de lei. Uma delas se incumbe do exame prévio da constitucionalidade. E nada impede que durante a discussão e votação se argúa a inconstitucionalide, podendo provir, desse argumento, a rejeição (…) O controle prévio se refere a projetos. Portanto, atos inacabados.
ALEXANDRE DE MORAIS[3] ensina ainda que: compete à Comissão de Constituição e Justiça – e aqui pode-se dar caráter de generalidade às demais Casas Legislativas brasileiras – manifestar-se, via parecer, sobre a constitucionalidade e juridicidade das matérias que lhe são apresentadas como decorrência da tramitação interna do processo legislativo. Esse parecer, apoiado em interpretações subjetivas decorrentes do confronto entre os textos constitucionais e os textos dos projetos legislativos, tem caráter essencialmente político e procura atender à demanda social encartada no espírito do projeto. Além do mais, imunes que estão pelo artigo 53 da CF, poderão os parlamentares declinar qualquer razão para admitir ou vedar a viabilidade de qualquer proposição.
Todavia, apesar de a doutrina colocar em segundo plano o controle preventivo de constitucionalidade, por entender que não se trata de normas prontas, mas de projetos de normas e, por conta disso, meras ameaças ao sistema, acredita-se que subestimá-lo, além de errôneo, é juridicamente e politicamente problemático.
Isso porque, segundo Paulo Massi Dallari[4], “O poder devastador que pode ter uma norma inconstitucional no tocante à violação de direitos protegidos pela Carta Magna é evidente. A partir desta ótica, o controle preventivo ganha relevância extra já que, apesar de não ser o último mecanismo de controle, é o único capaz de agir antes que uma norma passe a gerar efeitos”.
Assim, uma lei pode ser materialmente constitucional, mas estar fulminada por inconstitucionalidade formal, na medida em que forem desobedecidos os ritos próprios para sua elaboração. Noutra hipótese, a lei pode ser formalmente constitucional, pois o processo legislativo foi fielmente seguido, mas apresentar-se substancialmente inconstitucional, porque, no mérito, há latente incompatibilidade com a Constituição.
Essas dificuldades mecânicas, no entanto, não devem esconder um problema estrutural ao qual se submete nosso sistema de controle de constitucionalidade, que é a quantidade despropositada de agressões ao texto constitucional. Não haveria sobrecarga de demanda de nossa jurisdição constitucional, se não houvesse excesso de produção de medidas inconstitucionais. Conforme estatísticas, pode-se dizer que a sobrecarga do Poder Judiciário é, assim, em primeiro lugar, decorrência direta da grande quantidade de atos inconstitucionais produzidos pelos Poderes Legislativos e Executivos estaduais e federais.
Por sua vez, não se pode desprezar o fato de que, ainda que não se faça um bom juízo da capacidade técnica do Poder Legislativo em geral, uma lei, para que seja aprovada, passa por um longo processo de depuração, em que muitos dos vícios originais são detectados, antes da aprovação.
Para isso, o trabalho das Comissões é fundamental no aperfeiçoamento dos projetos, assim como o próprio poder de veto do Poder Executivo, que muitas vezes detecta violações à Constituição que seriam previamente controladas. Assim, as diversas etapas procedimentais pelas quais passa o projeto de lei, somadas ao confronto dos diversos partidos presentes na etapa de discussão e deliberação, tende a corrigir erros e reduzir inconstitucionalidades. Afinal, há no parlamento uma representação democrática pluralista.
No tocante às normas estaduais, matéria jornalística aponta que:
O Estado de S. Paulo (RECONDO, Felipe, 82,4% das leis dos Estados são inconstitucionais. O Estado de S. Paulo 28/10/2007, cad. 1, “nacional”) traz matéria apontando para o alto número de declarações de inconstitucionalidade de normas estaduais, 82,4%. Por se tratar de matéria jornalística deve-se ter algum cuidado ao considerar os números. Primeiramente, o índice de 82,4% refere-se apenas às normas que tenham sido questionadas no STF, e não da totalidade das normas produzidas nos Estados. Além disto, esta proporção considera apenas os dados dos julgamentos de 2006. Feitas as ressalvas quanto aos números, podem-se ressaltar as opiniões colhidas pela reportagem acerca dos possíveis motivos para esta situação, as quais estão em sintonia com as conclusões do presente estudo: “STF, juristas e parlamentares apontam três razões para o problema. A primeira é a ignorância – a maioria dos deputados não conhece todos os artigos da Constituição. Mas isso, admitem os deputados, não é desculpa para os erros, porque todo parlamentar pode contratar assessores jurídicos ou acionar a consultoria da Assembleia. A segunda razão seria a tentativa de alguns deputados de extrapolar suas competências. “Alguns usam esse instrumento essencial, que é a lei, como instrumento eleitoreiro. Isso é negativo”, afirma o deputado Chico Leite (PT-DF), promotor e vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Legislativa do DF. Isso explicaria por que deputados apresentam projetos para aumentar o salário de várias categorias do funcionalismo, atribuição exclusiva do Executivo. Há uma terceira razão, aponta Lewandowski: a legislação que define as competências da União, de Estados e municípios é complicada e muitas vezes provoca divergência até mesmo no STF. “Trata-se de um sistema de distribuição de competência entre os entes federados altamente complexo, em que muitas vezes as competências se superpõem. Nem sempre fica claro onde começa a competência de um e termina a dos outros.” Essa definição de competências esvaziou os poderes de Estados e municípios, centralizando o poder na União. “Os deputados não têm espaço para nada”, reclama Chico Leite. De fato, a disputa por competências é responsável pela maioria das contestações nop STF. Das leis julgadas neste ano, mais da metade foi derrubada por invadir a competência alheia.”
O que se percebe, no entanto, tanto do ponto de vista prático, quanto teórico, é que o Poder Legislativo, em geral, não realiza de forma metódica e satisfatória o controle de constitucionalidade, submetendo-o, não raras vezes, a interesses políticos. Isso não significa falta de capacidade técnica para realizar tal controle, muito pelo contrário, já que em alguns “votos em separado” ou “votos vista” já se encontravam as inconstitucionalidades apontadas posteriormente pelo Poder Judiciário mas, porém, sem qualquer efeito sobre a posição da maioria parlamentar, externada nos pareceres vencedores.
Conclui-se, desta forma, que o Poder Legislativo, em geral, possui como uma de suas mais importantes funções institucionais, o controle preventivo de constitucionalidade das leis, devendo, por isso, apesar de ser uma casa política, ter maior responsabilidade com a vontade da maioria da população, os quais representam.
Assim sendo, nenhuma proposta legislativa, sem exceções, poderia deixar de tramitar primeiramente na Comissão de Constituição e Justiça da respectiva Casa Legislativa, pois a mesma é a responsável pelo controle preventivo de constitucionalidade, onde é feita a análise técnica da proposição no que diz respeito a sua constitucionalidade, legalidade e regimentalidade. Isso, por si só, já evitaria a sobrecarga do Poder Judiciário, que poderia ocupar-se com questões mais urgentes da vida em sociedade, bem como daria um aumento positivo de produtividade ao legislativo, já que em média somente 30% do que é aprovado pelo Legislativo entra em vigor na forma de lei, tendo em vista as questões constitucionais propriamente ditas.
Referências Bibliográficas
DALLARI, Paulo Massi. Aspectos Políticos e Jurídicos da Prática do Controle Preventivo de Constitucionalidade no Brasil. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2007.
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade – Aspectos Jurídicos e Políticos. São Paulo: Saraiva, 1990.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10º ed. São Paulo: Atlas, 2001.
TEMER, Michel. Elementos do Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
*Íris De Luca Linhares é advogada, Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IASC, especialista em Direito do Estado pela UFSC e foi assessora jurídica parlamentar por 10 anos.
[1] MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade – Aspectos Jurídicos e Políticos. São Paulo: Saraiva, 1990.
[2] TEMER, Michel. Elementos do Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p.40-41.
[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10º ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.571.
[4] DALLARI, Paulo Massi. Aspectos Políticos e Jurídicos da Prática do Controle Preventivo de Constitucionalidade no Brasil. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2007, p.24.