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BETS e a Venda de Contas em plataformas de apostas: o jogo arriscado da lavagem de dinheiro.

Por Thiago de Miranda Coutinho – Membro Efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC.

Desde que entrou em vigor, a Lei nº 14.790/2023 vem redesenhando o mercado de apostas esportivas no Brasil. O que antes era uma atividade atravessada por informalidade, insegurança jurídica e lacunas regulatórias, hoje se encontra sob um arcabouço normativo robusto e em sintonia com exigências internacionais de compliance, prevenção à lavagem de dinheiro, rastreabilidade das transações financeiras e responsabilidade empresarial.

Mas nem tudo é “fairplay”. No subterrâneo das apostas reguladas, vem ganhando corpo uma prática que preocupa investigadores, operadoras e operadores do Direito: a compra e venda de contas de apostas, inclusive por estrangeiros.

Inicialmente, o que pode aparentar uma simples infração contratual, na verdade, guarda potencial de gravidade penal significativa.

Em resumo, trata-se da cessão de cadastros em plataformas legalizadas a terceiros, permitindo que estes movimentem grandes somas de dinheiro sem se identificarem formalmente. Um terreno fértil para a dissimulação da origem de valores, no clássico enredo da lavagem de dinheiro com atuação de “laranjas”.

O modelo é simples, mas perigoso: um indivíduo comercializa sua conta em uma plataforma de apostas legalizada a um terceiro, que passa a utilizá-la para movimentar grandes quantias, apostando ou transferindo valores.

A partir daí, essa conta criada com dados válidos e verificação biométrica, funciona como “barreira de identidade”. Subterfúgio daqueles que desejam ocultar a origem de recursos provenientes de atividades criminosas, como tráfico de drogas, corrupção ou fraudes digitais.

Notadamente, tal prática é vedada do ponto de vista legal. Isso, porque a Portaria SPA/MF nº 1.143/2024 determina, em seu art. 16, que os cadastros devem ser pessoais, intransferíveis, vinculados ao CPF e verificados por ferramentas como a biometria facial.

Art. 16. Os agentes operadores de apostas devem adotar procedimentos que permitam qualificar os apostadores ou usuários da plataforma por meio de coleta, verificação e validação de informações, compatíveis com o seu perfil de risco.

Parágrafo único. Os procedimentos de qualificação devem abranger providências voltadas à:

I – avaliação da compatibilidade entre a capacidade econômico-financeira do apostador e as operações a ele associadas;

II – verificação da condição do apostador ou usuário da plataforma como pessoa exposta politicamente (PEP), familiar até o segundo grau, representante ou estreito colaborador de pessoa nessa condição, nos termos da norma editada a respeito pelo Coaf; e

III – obtenção das informações do apostador ou usuário da plataforma necessárias à composição do conjunto mínimo de dados cadastrais, conforme definido nas normas da Secretaria de Prêmios e Apostas.

Parágrafo único. A condição de PEP perdura por cinco anos contados da data em que a pessoa deixa de figurar em posição que a enquadre nessa condição.

Não obstante, o artigo 26 da Lei nº 14.790/2023 veda expressamente a criação de contas por “interpostas pessoas” ou os ditos “laranjas”:

Art. 26. É vedada a participação, direta ou indireta, inclusive por interposta pessoa, na condição de apostador

Por isso, a prática de cessão ou venda da conta configura violação dos termos estipulados na esfera cível e acende alertas nas cercanias criminais, a exemplo da falsidade ideológica (art. 299, Código Penal), associação criminosa (art. 288, CP), estelionato (art. 171 e 171-A, CP) e lavagem de dinheiro (art 1º da Lei 9.613/1998).

Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.

Art. 288.  Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único.  A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis

Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

  • 1oIncorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:

I – os converte em ativos lícitos;

II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

Ademais, como resposta, o legislador imprimiu obrigações às operadoras, que passaram a adotar programas de integridade e medidas anti-fraude que reforça este cerco; inclusive com análise de padrões atípicos de apostas. Também são exigidos relatórios periódicos e sistemas de alerta para as autoridades, com a imposição de cooperação com entidades esportivas e órgãos reguladores, facilitando investigações de manipulações de resultados em tempo real.

Já no que tange a lavagem de dinheiro, as operadoras devem implementar mecanismos eficazes de due diligence, análise de perfil do usuário, identificação de movimentações atípicas e comunicação imediata ao COAF, além da proibição do uso de boletos, cartões de crédito e contas de terceiros; justamente a fim de dificultar uma eventual ocultação da origem dos recursos.

Inegavelmente, a Lei das Bets trouxe avanços, mas também impôs desafios, onde um dos principais é impedir que a estrutura legal seja usada para dar aparência de licitude a dinheiro sujo.

Realidade essa que exigirá ainda mais protagonismo das autoridades da persecução penal e dos legisladores. Afinal, o objetivo é manter um “jogo limpo” sob regras legais.

 

Referências:

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 maio 2025.

BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria de Prêmios e Apostas. Portaria SPA/MF nº 1.143, de 11 de julho de 2024. Estabelece requisitos e procedimentos para a exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=461891. Acesso em: 23 maio 2025.

BRASIL. Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023. Dispõe sobre a tributação das apostas de quota fixa, altera as Leis nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, nº 9.613, de 3 de março de 1998, e nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm. Acesso em: 23 maio 2025.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 23 maio 2025.

BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro e cria mecanismos de prevenção e repressão. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm. Acesso em: 23 maio 2025.

 

Autor:

Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo e Direito, com pós-graduação em Inteligência Criminal. Escritor e coautor de livros, atua como articulista em importantes veículos jurídicos nacionais, integra o corpo docente da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina (Acadepol), é palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC).

Em 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz por sua contribuição à comunidade de Inteligência. Já em 2023, recebeu uma Moção de Aplauso da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).

Recentemente, Miranda Coutinho ganhou destaque nacional como autor da sugestão legislativa que resultou no Projeto de Lei 212/2024, apoiado pelo Conselho Federal da OAB, propondo a inclusão de qualificadoras no Código Penal para crimes cometidos contra advogados no exercício da função.

Instagram: @miranda.coutinho_

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