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A “desinformação” como arma de guerra.

Quando a difusão da informação deve ser tratada sob o viés de Contrainteligência.

Por Thiago de Miranda Coutinho – Membro Efetivo do IASC.*

A guerra entre Israel e o Hamas vem se intensificando e ganhando novos contornos vis desde o dia 7/10. Tamanha ofensiva terrorista do Hamas – que recebe apoio de outras facções extremistas –, já é apontada como a ação mais grave desde a criação democrática do Estado judeu em 1948.

Ao vivo, as agências de notícias veiculam cenas trágicas e cruéis que, por sua vez, são objeto de desejo daqueles que anseiam por consumir informação. Informação?

Justamente paralela à esteira ansiosa e frenética por novos acontecimentos, fatos e/ou “furos de reportagem”, que emerge a nociva arma de guerra: a desinformação!

Arma eficiente que – ao ser municiada por ruídos, boatos ou informações incompletas –, é disparada como um tiro que aliena e visa dominar pessoas, governos e a opinião pública.

Quanto à conceituação, o dicionário Michaelis traz que desinformação é o “estado de uma pessoa ou grupo de pessoas não informadas ou mal informadas a respeito de determinada coisa”.[1]

No que tange às consequências disso, a pesquisadora em ciências da informação, Mírian Aquino, traz à discussão a chamada “marginalização informacional”, onde segundo ela,

“No Brasil, as múltiplas interações que os sujeitos mantêm com o mundo e com os outros sujeitos mostram que eles estão, quase sempre, submetidos à desinformação ou pouca informação”.[2]

Neste sentido, a autora avança ao refletir que “nas interações dos sujeitos, algumas zonas de sombra informacional produzem ruídos e redundâncias e operam para que não se saiba o que acontece em determinados lugares”.

Assim, tem-se que a maior parte da população alvo da desinformação é justamente aquela que mais carece de ser informada, no sentido de “competência informacional” ou “amplitude cultural do sujeito”, como apontam os pesquisadores César Augusto Castro e Maria Solange Pereira Ribeiro ao defender que:

“Compreende­-se, assim, que ao lado da sociedade da informação, figura uma outra de maior proporção que é a sociedade da desinformação, do analfabetismo tecnológico, dos excluídos do acesso aos diferentes bens culturais, cuja competência profissional está em situar­-se entre ambas, procurando buscar a superação da segunda em relação à primeira, a fim de que num futuro próximo o hiato entre ambas deixe de existir”. [3]

Destarte, um estudo realizado em 2022 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apontou que a desinformação tem estrutura permanente e complexa, de modo que, por vezes, a repetição de mentiras disseminadas, ultrapassam as barreiras das redes sociais.

Conforme a coordenadora da pesquisa e Doutora em Ciência da Informação, Marie Santini:

“Antes de ser disseminada para um número maior de pessoas, as ‘fakes’ são testadas em grupos fechados e de nicho. A repetição da narrativa também é capaz de atingir as pessoas além das ‘bolhas’ das redes sociais”.[4]

A coordenadora complementa, ainda, que:

“A desinformação hoje funciona através de uma campanha permanente, onde você vai reduzindo a resistência das pessoas a determinadas narrativas e aumentando a resistência à checagem. A pessoa começa a ser bombardeada por diferentes fontes. Uma narrativa repetida muitas vezes tem o efeito de começar a gerar dúvida em outro público que não seria o segmento principal de uma estratégia de desinformação”. [5]

No plano estratégico de uma guerra, por exemplo, toda essa desordem de informações é facilmente ludibriada por potenciais desinformações. Ou seja, conteúdos falsos, enganosos, manipulados, cuja fabricação se destina a disseminar ações de ódio, ganham difusão nas redes sociais e aplicativos de mensagem; quando não da própria imprensa.

Como exemplo, pode-se citar o recente ataque a um hospital em Gaza (17/10), onde, inicialmente, boa parte da imprensa global noticiou que a autoria teria sido Israelense, que por sua vez desmentiu e imputou tamanha atrocidade – que matou centenas de pessoas –, à organização terrorista Jihad Islâmica; que também negou tal ação.

Aqui paira uma séria reflexão: qual a intenção de atribuir tamanha atrocidade a Israel?

A resposta pode ser compreendida nos escritos do sociólogo brasileiro Pedro Demo, ao dizer que:

“O poder, como bem diria Foucault, se esgueira pelas beiradas, busca não ser percebido para influir tanto mais, procura a obediência do outro sem que este a perceba, inventa privilégio que a vítima pensa ser mérito, usa o melhor conhecimento para imbecilizar. Não seria diferente com a informação: desinformar pode ser seu projeto principal. Não se trata apenas de nos entupir com informação de tal forma que já não a saibamos manejar, mas sobretudo de usá-­la para seu oposto, no sentido mais preciso de cultivo da ignorância”.[6]

Desta feita, embora muitos acreditem que a desinformação é recente, o fato é que ela vem sendo usada há tempos. Primeira e Segunda Guerras Mundiais; Guerra Fria; Rússia x Ucrânia; Covid-19; e Eleições. Ou ainda, há registros na renascença italiana do século XVI, no império bizantino do século VI e, até mesmo, nos anos que antecederam Cristo, em passagens sobre o imperador romano e Cleópatra.

Por fim, é possível retirar uma conclusão deste cenário através da pesquisa realizada pelo “Massachusetts Institute of Technology” (MIT), que apontou que os conteúdos de desinformação têm 70% mais chances de serem compartilhados do que os verdadeiros.[7]

Eis mais uma missão para os serviços de Contrainteligência que, segundo a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), podem ser conceituados como:

“A atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a Inteligência adversa e as ações que constituam ameaça à salvaguarda de dados, conhecimentos, pessoas, áreas e instalações de interesse da sociedade e do Estado”.[8]

Afinal, a difusão da informação merece essa ótica da Contrainteligência, pois já se mostrou um potente ativo a ser produzido, analisado, repelido e/ou protegido; mormente em tempos de guerra.

 

*Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo e Direito. Especialista em Inteligência Criminal, é coautor de 3 livros e articulista nos principais veículos jurídicos do país. Atualmente, é Agente de Polícia Civil e integrante do corpo docente da Academia de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (Acadepol). Instagram: @miranda.coutinho_

 

[1] MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998 (Dicionário Michaelis). Disponível em: < https://michaelis.uol.com.br/busca?id=OWQE>

[2] AQUINO, Mirian de Albuquerque. A ciência da informação: novos rumos sociais para um pensar reconstrutivo no mundo contemporâneo. In: Ci. Inf. vol.36 no.3 Brasília Sept./Dec. 2007.

[3] CASTRO, César Augusto; RIBEIRO, Maria Solange Pereira. As contradições da sociedade da informação e a formação do bibliotecário. In: Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação,Campinas, v. 1, n. 2, p. 41­52 , jan./jun.. 2004.

[4] e [5] SANTINI, Marie. Entrevista disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2022/10/27/fake-news-entenda-como-funciona-a-fabrica-desinformacao-politica-no-brasil.ghtml

[6] DEMO, Pedro. Ambivalências da sociedade da informação. In: Ci. Inf., Brasília, v. 29, n. 2, p. 37­42, maio/ago. 2000.

[7] Massachusetts Institute of Technology (MIT) – 2018. Disponível em: https://news.mit.edu/2018/study-twitter-false-news-travels-faster-true-stories-0308

[8] Agência Brasileira de Inteligência. Contrainteligência. Disponível em: <https://www.gov.br/abin/pt-br/assuntos/inteligencia-e-contrainteligencia/CI>

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