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CANNABIS: Empreendedorismo, Inovação, Sustentabilidade e Inclusão.

Por Pedro Cherem Pirajá Martins – Membro do IASC e Coselheiro Estadual da OAB/SC.

  • Introdução

No mês passado, o Conselho Federal da OAB constituiu a Comissão Nacional de Cannabis Medicinal com objetivo de promover o debate com a sociedade sobre os impactos da regulação dessa planta em atividades econômicas industriais, especialmente na medicina, visando à criação de novos setores da economia sustentável com emissão de carbono zero, ampliando a arrecadação tributária e estimulando o empreendedorismo no Brasil, um dos maiores produtores agrícolas do mundo.

Entretanto, todo esse potencial econômico e social é freado por debates de cunho político, religioso e preconceituoso, pelo fato de que um dos princípios ativos da planta é também utilizado ilegalmente com finalidade recreativa, afastando e dificultando qualquer hipótese de discussão de seu uso sob o argumento de que sua regulação facilitaria o uso de entorpecentes mais pesados sem sequer apresentar estudos ou estatísticas legítimas sobre os impactos de drogas lícitas ou ilícitas no Brasil e em países mais desenvolvidos.

É com a intenção de quebrar paradigmas que o CFOAB pretende debater o tema, demonstrando coragem e muita inovação ao exercer sua liderança, elegendo para presidir a Comissão uma referência na advocacia catarinense, o confrade Harisson Araujo, profissional perfeito para tratar do assunto com sua competência e empatia, e que irá aproximar os pensamentos antagônicos sem agredir nenhuma das linhas de raciocínio, porém sempre buscando convergir interesses em prol de uma sociedade mais saudável, sustentável e inovadora.

O leitor certamente perguntará sobre o porquê uma planta dessa natureza, que congrega estímulos saudáveis, geração de atividades empreendedoras e carbono zero, torna a nossa sociedade mais sustentável diante dos impactos da poluição no meio ambiente.

Para facilitar a compreensão sobre o assunto, dividirei o assunto em quatro tópicos: a) Histórico da planta no Brasil; b) regulação da cannabis medicinal; c) aplicação do cânhamo em outros setores da Indústria; d) Cannabis e ESG (“Environmental, Social and Governance”, que significa “Ambiental, Social e Governança”).

 

  • Objetivos e fundamentos

 1. Histórico da Planta no Brasil

Para falar de cannabis no Brasil, devemos remontar aos tempos pré-coloniais, quando as tribos indígenas utilizavam a planta em rituais religiosos e medicinais. Durante a colonização, os portugueses proibiram seu uso, associando-o a práticas escravagistas dando início ao preconceito enraizado no País.

No século XIX, com a chegada dos imigrantes árabes, a cannabis passou a ser utilizada para fins medicinais e recreativos, tornando-se popular entre as camadas mais pobres da população.

Em 1932, o governo brasileiro proibiu o uso da maconha, seguindo a tendência mundial da época. A partir daí o consumo da droga ficou restrito a grupos marginais, a alguns segmentos dos artistas musicais e à comunidade dos hippies.

Na década de 1960, com o surgimento da contracultura e a popularização do rock’n’roll, a cannabis voltou a ganhar espaço entre os jovens. Foi nessa época que surgiram as primeiras organizações em defesa da legalização da maconha, como o Grupo de Estudos Sobre a Maconha (GEM).

Na década de 1970, o governo militar intensificou a repressão ao uso da maconha, associando-a à subversão e ao tráfico de drogas. A partir daí a maconha ficou associada a um problema de segurança nacional, e consequentemente as penas para o tráfico foram agravadas.

Nos anos 1990, surgiram novas organizações em defesa da sua legalização, como a Marcha da Maconha, que passou a realizar manifestações públicas em várias cidades do país. No entanto, a política de repressão ao tráfico de drogas continuou e o número de presos por crimes relacionados a essa erva aumentou consideravelmente.

O uso medicinal da cannabis remonta a milhares de anos, quando as pessoas usavam a planta para tratar uma variedade de doenças, incluindo dor, inflamação, ansiedade e insônia. Na medicina moderna, o primeiro registro de uso medicinal da cannabis remonta ao século XIX, quando os médicos a prescreviam para tratar dores, espasmos musculares e epilepsia.

No entanto, o uso medicinal da cannabis foi proibido em muitos países no século XX, quando a planta foi associada a subversões recreativas devido aos efeitos psicoativos do THC, um dos principais canabinoides da planta. Essa proibição limitou severamente a pesquisa científica sobre a cannabis medicinal.

Ainda na década de 1990, os cientistas descobriram que o corpo humano possui um sistema de receptores canabinoides endógenos, o sistema endocanabinoide. Este fato levou a uma nova onda de pesquisa sobre a cannabis medicinal e seus efeitos no sistema endocanabinoide.

Desde então, foram realizados muitos estudos sobre os efeitos terapêuticos da cannabis medicinal em uma ampla gama de condições médicas, incluindo dor crônica, câncer, esclerose múltipla, epilepsia, transtorno de estresse pós-traumático, doença de Parkinson entre outras.

Alguns dos compostos mais estudados da cannabis medicinal são o THC (Tetra-hidrocarbinol)  e o CBD (Canabidiol). O THC é responsável pelos efeitos psicoativos da planta, mas também tem propriedades analgésicas e anti-inflamatórias. O CBD não produz efeitos psicoativos e tem propriedades anticonvulsivantes, ansiolíticas e anti-inflamatórias.

Embora muitos países tenham legalizado a cannabis medicinal nos últimos anos, ainda há muito trabalho a ser feito para entender completamente seus efeitos terapêuticos e como ela pode ser usada com segurança e eficácia no tratamento de várias doenças. No entanto, o crescente interesse na cannabis medicinal tem levado a um aumento no financiamento de pesquisa e na disponibilidade de produtos para pacientes que precisam de tratamento alternativo.

 

2. Regulação da Cannabis Medicinal

A cannabis medicinal tem ganhado cada vez mais atenção no Brasil como uma possível alternativa de tratamento para diversos tipos de doenças e condições de saúde. No entanto, a regulação da cannabis medicinal ainda é um assunto controverso e em constante evolução no país.

Atualmente, a regulação da cannabis medicinal no Brasil é feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Em 2019, a ANVISA aprovou a regulamentação do registro e da venda de medicamentos à base de cannabis em farmácias, mediante prescrição médica.

A resolução da ANVISA permite que medicamentos à base de cannabis com concentração de até 0,2% de THC (principal substância psicoativa da planta) sejam registrados e vendidos em farmácias, desde que tenham comprovação de eficácia e segurança em estudos clínicos.

No entanto, a regulação da cannabis medicinal no Brasil ainda é limitada em comparação a outros países. Por exemplo, em países como Canadá, Israel e alguns estados dos Estados Unidos, a cannabis medicinal é legalizada e regulamentada em uma escala muito maior, permitindo o uso de diversas formas da planta para tratamentos de várias condições médicas.

Além disso, o acesso à cannabis medicinal no Brasil ainda é limitado e burocrático, o que dificulta o tratamento de muitas pessoas que poderiam se beneficiar com o uso da planta. Muitas vezes, é necessário recorrer a ações judiciais para conseguir autorização para importar e utilizar medicamentos à base de cannabis, o que aumenta os custos e atrasa o acesso aos tratamentos.

Em resumo, a regulação da cannabis medicinal no Brasil está evoluindo, mas ainda há um longo caminho a percorrer para garantir que os pacientes tenham acesso aos tratamentos necessários. É importante que as autoridades continuem a avaliar a eficácia e segurança da cannabis medicinal e considerem formas de ampliar o acesso dos pacientes a essa alternativa terapêutica promissora.

 

3. Aplicação do cânhamo em outros setores da Indústria

 O cânhamo, também conhecido como hemp em inglês, é uma parte da planta da cannabis que tem sido utilizada em diversas aplicações industriais. Nos últimos anos, ocorre um ressurgimento do interesse pelo cânhamo como matéria-prima sustentável e versátil para a produção de ampla gama de produtos.

Uma das principais aplicações do cânhamo na indústria se dá na produção de fibras têxteis. As fibras de cânhamo são conhecidas por sua resistência e durabilidade, tornando-as ideais para a produção de roupas, tecidos para decoração, cordas e papel.

Além disso, as fibras de cânhamo são muito absorventes, o que as torna úteis na produção de produtos para cuidados pessoais, como absorventes e fraldas.

Outra aplicação importante do cânhamo é na produção de biocombustíveis. As sementes de cânhamo contêm um alto teor de óleo, que pode ser usado para produzir biodiesel. Além disso, a biomassa do cânhamo pode ser convertida em etanol ou metano.

O cânhamo também pode ser utilizado na produção de materiais de construção, como isolamento térmico e acústico. A fibra de cânhamo é misturada com argamassa para produzir blocos de construção leves e resistentes.

Além disso, o cânhamo é uma fonte de proteína vegetal de alta qualidade, tornando-o um ingrediente popular em produtos alimentícios, como leite de cânhamo, sementes de cânhamo, farinha de cânhamo e barras de proteína.

Em resumo, o cânhamo tem inúmeras aplicações na indústria, incluindo a produção de fibras têxteis, biocombustíveis, materiais de construção e alimentos. Como uma matéria-prima sustentável e renovável, o cânhamo está se tornando cada vez mais popular como uma alternativa viável para materiais e produtos tradicionais.

Resta claro que estamos diante de uma oportunidade ímpar para o desenvolvimento de uma economia sustentável. O cânhamo e a cannabis podem propulsionar o empreendedorismo do carbono zero no Brasil, elevando os patamares de emprego e aumentando a arrecadação de forma significativa.

 

4. Cannabis e ESG

Estudos comprovam que 52% da emissão de CO2 foram produzidos nos últimos 30 anos, o que é diretamente proporcional ao aumento da temperatura da Terra ao longo dos últimos anos, que chegou a variar em 10ºC, observando para o alerta de que a média poderá subir em até 15º C em mais 3 anos (2026).

Desde o ano 2000 a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) estabeleceu objetivos para engajar empresas e organizações em todo mundo na promoção de práticas sustentáveis que permitam exercer suas atividades sem agredir o meio ambiente.

As empresas signatárias do pacto global se comprometem a implementar os princípios sustentáveis em sua prática empresarial e reportar publicamente seu progresso anualmente.

No século XXI muitas empresas tiveram que recriar seu modelo de negócio para atender às exigências de Governança Sustentável proposta pelo Pacto Global já que hoje este é um mercado que movimenta 30 trilhões de reais e que cresce a um ritmo de 23% ao ano.

Além disso, é importante ressaltar que a consciência vem aumentando entre o público consumidor final. Uma pesquisa feita pela FIEP (Federação das Indústrias do Estado do Paraná) revela que 70% das pessoas aceitam pagar mais por soluções sustentáveis e em outra pesquisa realizada com jovens entre 15 e 24 anos fica comprovada a preocupação entre os jovens que chega a 98% dos entrevistados.

Nesse sentido, o cânhamo pode ser considerado uma das plantas mais eco eficientes do planeta, sua tecnologia e propriedades podem gerar alto impacto ambiental e social

O cultivo de cânhamo vem sendo cada vez mais aceito em países como os EUA, Canadá, Uruguai, Paraguai entre outros. Estes inclusive já aderiram a legalização por diversos motivos, destacando especialmente os fatores social e ambiental.

Como estamos tratando de uma planta de crescimento rápido, por mais de 2 mil anos o cânhamo foi o responsável pela produção de papel, plástico, cremes dermatológicos e até alimentos com propriedades espantosas para saúde.

Entretanto, com o surgimento do método ESG, percebeu-se que a planta é perfeita também para compensação de crédito de carbono, já que possui atributos fundamentais para dar velocidade no crescimento, revitalização de solo infértil em conversão de CO2 em biomassa.

Um hectare de cânhamo pode absorver até 15 toneladas de CO2 a cada ciclo, o que o torna um dos melhores métodos de conversão de CO2 em biomassa, o equivalente a uma eficiência duas vezes maior que as árvores, visto que o processo é de colheita curta, sendo seu ciclo significativamente mais veloz.

Com estes dados aqui apresentados, resta evidente a necessidade de debatermos o tema da regulamentação para contribuirmos com os acordos internacionais globais para diminuição da temperatura da Terra, tornando nossa morada, nosso planeta melhor, mais saudável e sustentável para todos os seres vivos que nele habitam.

 

  • Conclusão

Após esta explanação sobre os objetivos da Comissão Criada pelo CFOAB, convido o estimado leitor que se dispa dos preconceitos que historicamente acompanharam esta planta e que, conforme ficou demonstrado, congrega bandeiras importantes para o processo de transformação da nossa sociedade.

Como diz o ditado, não se deve julgar o livro pela capa! A Cannabis pode ser uma das saídas econômicas para um país que se sustenta por suas riquezas naturais e desponta no cenário internacional como referência na preservação da saúde das pessoas e na melhoria do meio ambiente.

A Cannabis reúne tudo isso e traz uma oportunidade na criação de um setor poderoso, ampliando o leque de atividade para empreendedores que vão gerar novos postos de trabalho sustentáveis que tornarão a Terra um melhor lugar para se viver.

Fica claro que o uso recreativo da cannabis é insignificante na cadeia de valor da planta mais eco sustentável do mundo, mas que se apresente aquele que não tem curiosidade alguma em seus efeitos positivos para o mundo no qual vivemos.

Então!!! Continuaremos com a mentalidade tradicional ou devemos revolucionar o direito e a sociedade, quebrando esses antigos paradigmas?

A escolha é nossa!

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