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O Papa Francisco e o Efeito Halo.

Por Claudio Gastão da Rosa Filho – Presidente da Comissão de Direito Penal do IASC.

A cena que viralizou na internet na qual o Papa Francisco desfere um tapa na mão de uma fiel que tenta lhe puxar fez com que muitos, dentre os quais faço uma mea-culpa para me incluir, condenassem a ação praticada, de forma sumária e irrefletida, seja pelo fato da carência de paciência e misericórdia, seja pela total incompatibilidade com o cargo ocupado pelo autor.
A história registra inúmeros erros judiciários derivados de julgamentos precipitados, valendo lembrar o caso clássico ocorrido na madrugada de 1507, quando um padeiro se depara com um homem assassinado nas ruas de Veneza e, ao avistar cravado no corpo um valioso punhal, inclina-se para retirá-lo. Por capricho do destino, nesse momento é surpreendido por soldados que o prendem em flagrante ao vê-lo sob o cadáver com a arma do crime em suas mãos ensanguentadas.
Ao ser torturado, confessa o assassinato, sendo enforcado no dia 22 de março daquele ano. Tempos depois, o verdadeiro autor do crime é descoberto, e por causa deste erro a administração local mandou escrever, em tinta vermelha, na parede da sala dos julgamentos, a frase: “Recordai-vos do pobre padeiro”. Estas palavras passaram a ser repetidas, em voz alta, por um funcionário, antes do início de qualquer julgamento.
Conclusões precipitadas sobre a culpa são alimentadas pelo fenômeno conhecido como Efeito Halo, termo criado pelo psicólogo americano Edward Thorndike. Ele afirmava que o cérebro analisa e julga uma pessoa a partir de uma única característica, reduzindo sua avaliação a itens como aparência, vestimenta, postura, fala, etc.
Em experiências no Exército dos EUA durante a Primeira Guerra, Thorndike constatou que o grau de aptidão dos soldados era atrelado à aparência: os mais bonitos, fortes ou de melhor postura eram considerados mais habilidosos e vice-versa.
Os prejuízos à Justiça provocados pelo Efeito Halo são mais frequentes do que se pensa. Pesquisas revelam que os réus feios têm mais chances de serem condenados que os bonitos, e a injustiça é amplificada quando o acusado é submetido ao Tribunal do Júri.
A decisão do juiz de direito, por imposição legal, deve ser fundamentada, ou seja, devem restar explícitas as razões de decidir, o que não ocorre, também por expressa previsão legal, no veredicto do tribunal popular, onde os jurados votam tendo compromisso com o intangível de suas consciências, e decidem por maioria de votos. Não raras vezes a condenação deriva de um score de 4 a 3, que significa que o acusado foi condenado por 57,14% de consenso, de convencimento.
O cidadão é condenado pela “dúvida aritmética” em holocausto ao in dubio pro reo. Ideal seria a exigência de maioria qualificada para a condenação (5 a 2), ou a elevação do número de jurados para um número par, pois em caso de empate resta sufragada a absolvição.
Revendo com calma a cena, e cauterizando o coração contra o preconceito, há de se questionar também o comportamento da fiel. No primeiro momento, ela, fria, não esboça reação aos tapas em sua mão. Sua fisionomia só muda, e pouco, quando as pessoas ao lado lhe fustigam com olhares ao perceberem que a mão do papa, puxada de forma grosseira, havia sido torcida.
Quem pode garantir com absoluta convicção de que não teria sido um ato premeditado? Será que a fiel não teria tentado deliberadamente derrubar o Papa, e por isso já esperava a reação?
Tal análise seria uma mera teoria conspiratória? Pode ser, talvez minha razão esteja embotada pelo Efeito Halo, agora de forma inversa à minha primeira convicção.
Diariamente percebemos que o juízo em torno da dúvida existente acerca da autoria e materialidade de um delito a fim de justificar ou não uma condenação migra das provas até então produzidas pelas partes para os antecedentes, pouco importando a carência de elementos de convicção que demonstrem ligação do acusado com o fato delituoso.
Devemos nos prevenir contra o Efeito Halo, e antes de qualquer veredicto lembrarmos do padeiro de Veneza.

1 Resposta

  1. Francisco Carlos Balthazar

    Muito boa reflexão, Gastão! A demonstrar que os advogados temos emoções e corre sangue em nossas veias, que não somos meros intérpretes de códigos herméticos, inodoros é insípidos!

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