A Moralidade Administrativa e o Paradoxo das Gravatas Institucionais do STF.
Por Gilberto Lopes Teixeira – Membro Efetivo do IASC e Advogado.
A administração pública brasileira, regida pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37 da Constituição), tem, reiteradamente, protagonizado episódios que desafiam o primado da ética na gestão do erário. O mais recente escândalo envolve a aquisição de gravatas institucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), circunstância que se reveste de notória afronta aos ditames da moralidade administrativa.
No âmbito jurídico, a moralidade administrativa não se reduz ao cumprimento formal da legalidade; ela pressupõe decoro, razoabilidade e zelo com os recursos públicos, aspectos fundamentais para legitimar a atuação estatal perante a sociedade. O Judiciário, enquanto guardião último da Constituição, deveria ser exemplo intransigente dessa virtude, evitando práticas que possam sugerir esbanjamento ou desdém com os desafios socioeconômicos enfrentados pelo país.
O STF, ao justificar a compra das gravatas com base em previsões orçamentárias e na necessidade de identidade visual da Corte, ignora o sentimento coletivo de indignação ante a banalização dos gastos públicos. Em um país onde milhões de cidadãos enfrentam dificuldades básicas, onde a máquina estatal frequentemente alega escassez de recursos para áreas essenciais, como saúde, educação e segurança, a aquisição de acessórios supérfluos para magistrados e servidores soa como um escárnio institucional.
Mais grave, porém, é o simbolismo da decisão. Quando um tribunal que deveria ser o ápice da austeridade dá sinais de insensibilidade fiscal, legitima-se, por via reflexa, o mau uso dos recursos em esferas inferiores da administração pública. Como exigir parcimônia de prefeitos, governadores e parlamentares quando a Suprema Corte do país se permite extravagâncias questionáveis? Esse tipo de postura mina a confiança social na imparcialidade e na responsabilidade dos agentes públicos, fomentando um ambiente de descrença nas instituições.
A questão ultrapassa, pois, o valor monetário envolvido. Trata-se de um sintoma de uma cultura institucional viciada, em que o Estado se aparta das reais necessidades da população e privilegia a autopreservação de seus membros, muitas vezes alheios às dificuldades do cidadão comum. No caso específico do STF, tal atitude corrobora a percepção de uma casta distante da realidade nacional, dissociada do seu dever precípuo de servir à nação com probidade e compromisso republicano.
O princípio da eficiência administrativa, exigência constitucional imposta a todos os órgãos públicos, deveria ser observado não apenas na qualidade dos serviços prestados, mas também na gestão austera dos bens e valores sob sua custódia. Quando um tribunal se rende ao luxo de investir em acessórios protocolares de questionável relevância, o compromisso com a eficiência é substituído por um elitismo institucional disfarçado de necessidade funcional.
Em tempos de crise econômica e de reivindicações sociais por transparência e responsabilidade fiscal, o Judiciário deveria adotar uma postura pedagógica no trato dos recursos públicos. Pequenos atos, quando despidos de senso de moralidade e austeridade, adquirem grande relevância simbólica, corroendo a credibilidade das instituições e distanciando os cidadãos da crença em um Estado ético e comprometido com o bem comum.
O STF, em sua função de guardião da Constituição, deveria encarnar, em sua prática administrativa, os valores de contenção e sobriedade que impõe a outros entes públicos. Afinal, quem tem a missão de zelar pelo ordenamento jurídico nacional não pode dar o mau exemplo de transformar o erário em um fundo pessoal de vaidades e protocolos pomposos. O compromisso com a moralidade administrativa não é facultativo, mas um imperativo ético e jurídico de toda instituição que se pretende digna da confiança popular.