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O crime de stalking e a violência contra a mulher.

Por Tammy Fortunato – Membro Efetivo do IASC.

Quando tratamos sobre violência contra a mulher, um assunto é recorrente: a perseguição. Não! A perseguição não é uma demonstração de amor, muito pelo contrário, é uma violência.

Em certo momento, a perseguição até pode vir disfarçada de carinho e atenção, quando o perseguidor envia constantemente recados amáveis, flores e presentes, e após determinado tempo, a mulher chega a ficar incomodada com a abordagem excessiva.

A perseguição também é romantizada por cantores famosos, como Roberto Carlos na música “Esse cara sou eu”, quando diz que: “pensa em você a toda hora, que conta os segundos se você demora” e ainda, “o cara que pega você pelo braço”, e assim segue a letra da música, tornando a violência uma demonstração de amor.

Há quem pense ser tão somente uma poesia musicada mas, na verdade, assim como tantas outras músicas, retrata uma dura realidade sofrida por muitas mulheres: a violência provocada pela perseguição contumaz.

Recentemente, a perseguição foi tipificada no Código Penal como crime, trazendo a seguinte redação: Art. 147 – A: “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. A pena é de reclusão de 6 meses a 2 anos, sendo aumentada se o crime é cometido contra mulher por razão do sexo feminino.

A inclusão do crime de perseguição no Código Penal foi uma grande vitória às mulheres, que sofrem diuturnamente com tal prática reiterada, justamente porque, até pouco tempo atrás, não era considerada crime, no máximo, uma contravenção penal.

Tipificar como crime a perseguição contumaz traz às mulheres uma proteção, uma garantia de que seu perseguidor poderá ser punido. Aliás, o crime de perseguição também é conhecido como “stalking”, que na livre tradução significa perseguição. É a aproximação silenciosa do caçador, na tocaia, só aguardando o momento de atacar a presa, no caso, a mulher.

E essa aproximação do perseguidor não ocorre somente de forma presencial, mas virtual também, o que muitos consideram ainda pior, já que não é fácil detectar quem é, e onde está o “caçador”, embora a tecnologia avance velozmente.

A perseguição virtual ou cyberstalking, pode acontecer por e-mail, nas redes sociais, por mensagens de texto (SMS ou whatsapp e similares), ligações, monitoramento de GPS, dentre outras práticas.

A violência provocada pela perseguição é devastadora às mulheres, já que o medo se faz presente em todos os momentos da vida. O Decreto 1.973/96, também conhecido como Convenção de Belém do Pará, cujo objetivo é prevenir, punir e erradicar às violências sofridas pelas mulheres, considera em seu artigo 1º que: “entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.

A primeira violência sofrida pela mulher quando em situação de vulnerabilidade em consequência da prática da perseguição é a psicológica. A violência psicológica é definida por Dias, p. 92, como aquela que “consiste na agressão emocional, que é tão ou mais grave que a violência física”.

A violência psicológica ocasiona doenças como: ansiedade, depressão, estupor depressivo, pensamentos suicidas, entre outras patologias. Dados apresentados por Brandalise mostram que: “76% das vítimas de feminicídio foram perseguidas por seus parceiros íntimos, sendo que 54% das vítimas reportaram à polícia estarem sendo “stalkeadas” antes de serem assassinadas por seus perseguidores”.

A perseguição contumaz retira da vítima a liberdade de ir e vir, ceifando-lhe um direito fundamental e basilar, a liberdade.

A liberdade é um dos direitos fundamentais previsto na nossa Constituição Federal e, também, previsto como um dos Direitos Humanos. Mulheres vitimadas pela perseguição contumaz preferem ficar restritas em seus lares, em virtude do medo do “caçador”, que fica escondido observando a melhor hora de atacar.

E o ataque sequer precisa ser físico, podendo se restringir ao psicológico da vítima, que por vezes é o objetivo: fazer a caça ficar acuada, ter sua liberdade e privacidade limitada e perturbada.

O medo se torna o pior inimigo da mulher, acompanhado da insegurança. Mulheres amedrontadas no seu caminhar, com seus direitos tolhidos por um perseguidor.

Toda mulher tem o direito de viver livre de violência, e se engana quem pensa que a perseguição cometida contra uma mulher é uma demonstração de interesse, amor e cuidado. Na verdade, é posse, manipulação, ciúmes e insegurança.

O direito a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da nossa Carta Maior, não pode jamais ser esquecido. Uma mulher em situação de vulnerabilidade em virtude de violências cometidas contra ela tem sua dignidade afetada.

Uma das obrigações do Estado é a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação das práticas violentas contra as mulheres, devendo adotar medidas jurídicas para que exijam do agressor a abstenção de qualquer forma de perseguição, intimidação e ameaça à mulher[1].

Ainda mencionando a música do Roberto Carlos, o “herói” que toda mulher precisa é aquele que a respeita, e não o que a persegue e a agride.

Referência:

Dias, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.

Brasil. Constituição Federal. Brasília: DF. Presidência da República. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

____, Decreto 1.973 de 1º de agosto de 1996. Brasília: DF. Presidência da República. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm

____, Decreto Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Brasília:DF. Presidência da República. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

Brandalise, Marcos Augusto. Crime de perseguição/stalking: Lei 14.132/21. Acesso em 03 maio 2021. Disponível em https://marcosaugustobrandalise.jusbrasil.com.br/artigos/1199522554/crime-de-perseguicao-stalking-lei-14132-21?utm_medium=social&utm_campaign=link_share&utm_source=Facebook&fbclid=IwAR1Fxaa5ZbNE8at4QGb3qW5VBFbEYOKr1i5Bb8QHf6_GQKuhzaklyrO

[1] Artigo 7º alínea d, do Decreto 1.973/96.

Dra. Tammy Fortunato, advogada inscrita na OAB/SC sob o nº 17.987, especialista em Direito e Negócios Internacionais pela UFSC, mestranda em Ciência Jurídica e Política na universidade Portucalense (Portugal). Membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina.

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