O Trabalho Coletivo e a Negociação Coletiva: Prevalência do negociado sobre o legislado
Por Simone Rodrigues e Elizabete Geremias – Acadêmica e Professora de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC.
Para compreendermos a aplicabilidade normativa do trabalho coletivo, se faz necessário o estudo epistemológico de toda sua estruturação e principiologia, bem como os elementos e mecanismos fundamentais para sua efetivação. No que tange o trabalho coletivo, temática constante nos debates doutrinários, é imprescindível o debruçar sobre a finalidade de tal pressuposto, que nada mais é, a busca por melhores condições de trabalho. Ademais, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT, Decreto-lei nº.5.452) estabelece disposições específicas para a regulamentação do trabalho coletivo. O presente artigo tem como premissa demonstrar o ramo do direito coletivo, interligando-o com a negociação coletiva.
Primeiramente, ao adentrarmos aos princípios do direito coletivo, é crucial entendermos como essa relação se estabelece, ou seja, as relações laborais coletivas são compostas por dois sujeitos, por um lado tem se a figura do empregador em conjunto de sua entidade representativa e de outro lado, tem se a figura do trabalhador e sua respectiva entidade representativa. Diante deste contexto, tais sujeitos supramencionados, assumem prerrogativas em face de seus direitos antagônicos concebendo assim os princípios do direito coletivo do trabalho, os quais são classificados em três grandes grupos, primeiramente temos os princípios da liberdade associativa e da autonomia sindical, em seguida os princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais e por fim, o conjunto de princípios que tratam das relações e efeitos das normas oriundas dos contratos coletivos.
Em âmbito mundial, o movimento sindical originou se do sistema de classes em decorrência do processo de produção capitalista, o qual necessitava de entidades que intermediasse as relações trabalhistas. Um grande passo para a liberdade sindical foi em 1948 com a promulgação das Convenções da OIT Nº 87º e Nº 98º, entretanto, o Brasil não ratificou tais convenções, limitando a plenitude do supra princípio, ressalta se que a própria Constituição federal do Brasil reconheceu a possibilidade da criação de associações no país e em 1931 na vigência do governo de Vargas houve o reconhecimento das entidades sindicais. O princípio da liberdade sindical compreende a liberdade de um grupo constituir entidade sindical de sua escolha, com estrutura e funcionamento autônomo, previstos como direitos humanos na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Englobando dimensões de ordem jurídica correspondentes a sua livre estruturação interna, o direito de reunião pacífica e de associação, livre atuação externa, auto-sustentação, direito à auto-extinção, livre vinculação a um sindicato e a livre desfiliação de seus quadros.
Um ponto importante, é a diferenciação do princípio da liberdade sindical com as cláusulas de sindicalização forçada, cujo quais são de total incompatibilidade. O princípio da liberdade associativa e sindical consiste na busca pela implementação de regras jurídicas assecuratórias ao ser coletivo obreiro de forma autônoma, ou seja, é de livre iniciativa a sua instituição e formação, todavia no Brasil, o princípio da liberdade sindical possui certas limitações ao que se encontra estabelecido na convenção da OIT. A constituição Federal do Brasil de 1988, traz em seu bojo algumas disposições no que tange a importância da liberdade sindical, em seu artigo 8º, inciso V dispõe: “É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;” (BRASIL, 1988) Complementando a disposição estabelecida no artigo 5º, inciso XX da CF/88:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;” (BRASIL, Constituição Federal, 1988)
Para mais, o constituinte brasileiro adotou o sistema sindical por unicidade, disposto no artigo 8º, inciso II, da CF/88:
É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;” (BRASIL, 1988)
Neste momento, se evidencia a limitação trazida à liberdade sindical, pois não se há uma liberdade de escolha de qual entidade irá melhor representar o ser coletivo, visto que somente é permitido a existência de uma única entidade por categoria em um determinado território (município). Com o processo de globalização cada vez mais acelerado, a unicidade sindical perde sua força impositiva, pois há fracionamento de sindicatos por todo o território nacional, além de que a unicidade sindical é contrária ao princípio da liberdade sindical estabelecido internacionalmente, o qual designa a autonomia plena ao ser coletivo de escolher a melhor forma de instituir sua entidade.
Há por fim, outro conjunto de princípio de suma importância ao ser coletivo, o qual tem como premissa gerir as relações e efeitos das normas oriundas dos contratos coletivos, sendo o princípio da adequação setorial negociado o princípio que versa sobre as possibilidades e limites jurídicos no plano da negociação coletiva. Tal princípio surgiu da necessidade prática dos tribunais, que constantemente enfrentam o embate das relações entre as normas jurídicas advindas da negociação coletiva e as normas heterônoma do estado. Estabelecido o confronto normativo, o princípio da adequação setorial negociada norteará quais normas coletivas autônomas incidiram sobre as normas padrões heteronomias, será por meio da fixação de dois critérios, sendo eles: primeiramente, as normas juscoletivas autônomas, prevalecerão quando o direito setorial nelas estabelecido for superior às normas gerais da legislação autônoma; por fim, quando as normas juscoletivas transacionam de forma setorial parcelas justrabalhistas de indisponibilidade.
O princípio da adequação setorial negociada, possui papel principal no direito coletivo, não obstante, há limites jurídicos para que o princípio não ultrapasse a sua finalidade real, a qual consiste na busca por melhorias nas condições de trabalho coletivo, sem ser adversa ao outro sujeito da relação. O primeiro limite se encontra no ato de renúncia e não transação, ou seja, “o despojamento unilateral sem contrapartida do agente adverso” (TST, 2001), já outra limitação se afirma, quando os direitos se encontram revestidos de indisponibilidade absoluta e não relativa, não podendo ser elevados nem por negociação coletiva sindical.
No âmbito do trabalho coletivo, há dois instrumentos fundamentais que podem resultar de uma negociação coletiva de trabalho, sendo estes a Convenção coletiva, bem como o acordo coletivo de trabalho. Seguindo a premissa, ambos acordos tratam-se de uma negociação coletiva de trabalho, negociação a qual se estabelece por meio de dois sujeitos, aqui se refere empregador e empregado, cujo quais possuem interesses antagônicos. A principal particularidade de tais acordos, é que a Convenção Coletiva configura-se no conflito coletivo por intermédio dos sindicatos, sendo assim, os conflitos são debatidos entre a entidade sindical representante dos trabalhadores e a entidade sindical patronal. Diante de determinado conflito, a convenção coletiva de trabalho (CCT) irá celebrar um acordo entre os dois sindicatos, visando o melhor para ambas as entidades. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) dispõe uma sessão especificando a Convenção Coletiva de Trabalho, assim como dispõe o art.611: “Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.”(BRASIL, 1943)
Outrossim, o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) institui se como um acordo que se estabelece entre a entidade sindical representante da classe trabalhadora e uma determinada empresa. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) dispõe na mesma sessão as especificações do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), assim como dispõe o art.611 §1º: “É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.”(BRASIL, 1943) Enquanto a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) tem como desígnio a regulamentação das relações de trabalho entre os empregados de determinada empresa, o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) tem como intento a regulamentação das relações de trabalho de toda a classe trabalhadora, dentro de uma determinada categoria e de uma determinada região.
É mister salientar, que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é norma regulamentadora das relações trabalhistas no Brasil, todavia, em um possível embate normativo ou pelo simples fato de não haver regulamentação de determinada situação, a negociação coletiva irá prevalecer sobre a própria lei. Doravante, as Convenções Coletivas de Trabalho (CCT) e os Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) se estabeleceram como atos normativos e fontes do direito formal, quando suas cláusulas forem mais benéficas para o trabalhador do que propriamente os artigos referidos na lei, visto que a finalidade de tais acordos partem de melhorias nas condições sociais de trabalho e na solução dos conflitos. Entendimento este o qual possui respaldo no art. 611-A e art. 620 da Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) e no tema nº 1.046 do STF:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada de trabalho; XI – troca do dia de feriado; XII – enquadramento do grau de insalubridade; XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV – participação nos lucros ou resultados da empresa. (BRASIL, CLT. 1943)
Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho. (BRASIL, CLT. 1943).
Tema 1046 – Validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente.
Tese firmada: São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis. (BRASIL, STF. 1943).
Por fim, diante do presente artigo, foi possível constatar a relevância do trabalho coletivo e seus princípios, assim como o desdobramento da negociação coletiva, como está se estabelece e qual a prevalência deste instrumento perante a lei. É mister salientar, que a negociação coletiva objetiva garantir os direitos e proteções fundamentais, além de melhorar as condições de trabalho, tem como desígnio final a redução de desigualdades existentes entre o capital e o trabalho, todavia, o pós reforma trabalhista tem feito com que os movimentos sindicais caminham a passos largos nesta direção.
Referências Bibliográficas
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Acesso em: 3, out. 2023.
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Consolidação das leis do trabalho. CLT. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
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DELGADO, Godinho Mauricio. Direito Coletivo do Trabalho e seus Princípios Informantes. TST, Brasília, v. 67, n.Q2, abr. 2001.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.. Recurso extraordinário com agravo. Direito do Trabalho. Tema 1.046. 3. Validade de norma coletiva que limita ou restringe direito trabalhista. Matéria constitucional. Revisão da tese firmada nos temas 357 e 762. 4.Recurso extraordinário provido. 28 de marc. 2023. Disponível em:
Acesso em: 4, out. 2023.
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Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_239608/lang–pt/index.htm
Acesso em: 9, out. 2023.