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A REGULAMENTAÇÃO COM AMPLIAÇÃO DA LICENÇA PATERNIDADE COMO AÇÃO AFIRMATIVA PARA A EFETIVAÇÃO DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO.

Por Rejane da Silva Sánchez* e Luana Ferrari Ramos**.

  1. A evolução das relações de trabalho no direito brasileiro

Historicamente, a proteção ao trabalho da mulher passou por fases que vão da total inexistência, avançando lentamente até os direitos atuais, que se reputam ainda insuficientes.

Da exclusão, onde inexistia um direito do trabalho para mulheres, pois a estas cabiam os afazeres domésticos e, culturalmente, cabia aos homens o sustento dos lares e famílias. Mesmo com a necessidade de inserção das mulheres no mercado de trabalho era completa a negação de direitos, inexistindo qualquer amparo legal ou limitação de jornada de trabalho, além de remuneração ser bem inferior à dos homens. Além da falta de proteção do Estado, as mulheres ainda dependiam da outorga dos maridos para ingressar no mercado de trabalho e eram absolutamente reféns dos efeitos sociais impostos pela maternidade.

A inserção da mulher no mercado de trabalho tem como marco o fortalecimento das indústrias, a partir dos efeitos do capitalismo e das condições sociais. A Revolução Industrial dispensou mão de obra e trouxe o empobrecimento dos trabalhadores; famílias que se viram atingidas cederam à mobilização que visava o emprego das mulheres e dos menores nas fábricas, a um custo menor para o empregador, que oferecia baixos salários e péssimas condições de trabalho. Assim, a dita preferência pela mão de obra feminina não passava de medida para baixar os custos de produção.

É inegável que o preconceito, a discriminação e as desigualdades ainda persistem:  apesar de ter havido uma maior inserção da mulher no mercado de trabalho e, portanto, em cargos que até então eram exclusivos dos homens, não houve um rompimento com o ideal feminino da mulher como mãe e dona de casa[1].

Ao que parece, as mulheres ainda precisam escolher entre a maternidade e a realização profissional, como se optar por ambos fosse algo incompatível, como explica Pierre Bourdieu[2]:

A verdade das relações estruturais de dominação sexual se deixa realmente entrever a partir do momento em que observamos, por exemplo, que as mulheres que atingiram os mais altos cargos (chefe, diretora em um ministério et.) têm que “pagar”, de certo modo, por este sucesso profissional com um menor “sucesso” na ordem doméstica (divórcio, casamento tardio, celibato, dificuldades ou fracassos com os filhos, etc.) e na economia de bens simbólicos (…).

Para Simone de Beauvoir (1960) o papel feminino pode ser comparado à servidão da maternidade.

Quanto às servidões da maternidade, elas assumem, segundo os costumes, uma importância muito variável: são esmagadoras se se impõem à mulher muitas procriações e se ela deve alimentar e cuidar dos filhos sem mais ajuda; se procria livremente, se a sociedade a auxilia durante a gravidez e se se ocupa da criança, os encargos maternais são leves e podem ser facilmente compensados no campo do trabalho.[3]

A Constituição outorgada de 1937, conhecida como ditatorial, omitiu a garantia do emprego à gestante, assim como não prestigiou a isonomia salarial entre os gêneros, embora trouxesse o princípio da igualdade de todos perante a lei.

Com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, experimentou-se um período inicial de proteção, esta traduzida por vezes em restrições como a proibição da mulher trabalhar em período noturno.

Somente na Constituição de 1988 é que se operou a chamada igualdade de tratamento. O artigo 5º da Constituição Federal, promulgada no dia 5 de outubro de 1988, portanto há 32 anos, estabeleceu que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.  Esta igualdade consagrada no texto constitucional passou a ser observada também na legislação infraconstitucional, daí emergindo uma nova fase de oportunidades e direitos das mulheres ao trabalho.

As consequências de um novo texto constitucional se fazem sentir em todas as áreas do Direito, obrigando a legislação infraconstitucional às adequações necessárias. Assim, “A Constituição Federal de 1988 recepcionou as demandas por igualdade entre homens e mulheres, constituindo-se no marco legal a partir do qual a reforma do Código Civil, obrigatoriamente, deve se orientar.”.[4]

O princípio da igualdade regula duas principais frentes, impede a criação de leis (municipais, estaduais e federais), atos normativos, medidas provisórias que criem qualquer mecanismo de diferenciação entre pessoas em situação idêntica e obriga todos os operadores da lei a tratar, de forma igualitária, todas as pessoas, sem qualquer distinção.[5]

Na Constituição de 1988 é assumido, finalmente, o compromisso com a igualdade material, de fato, entre homens e mulheres, não somente a assegurada formalmente na lei:

“[…] devendo a igualdade ser interpretada não a partir da sua restrita e irreal acepção oriunda do liberalismo, que apenas considerava a igualdade no sentido formal – no texto da forma – mas devendo ser interpretada com uma igualdade material – igualdade no texto e na aplicação na norma – impondo tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais” [6]

Em seu artigo 7º, capítulo reservado aos Direitos Sociais, a Constituição Federal de 1988 traz dispositivos com referência expressa à proteção ao trabalho da mulher. De relevante importância, por exemplo, o inciso XVIII, que estipula “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;” e a determinação do inciso XX, que ao prever “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”, criou um novo cenário para o empregador que até então tratava a admissão de mulheres como exceção. As normas de proteção à maternidade destinam-se principalmente à defesa do nascituro, garantindo-lhe sustento e estabilidade, não apenas à trabalhadora que é ou será gestante e mãe.

A maternidade foi, por muito tempo, usada como argumento para que a mulher não se empregasse, já que seu dever era cuidar da casa e da prole. Porém, muitas mulheres jamais tiveram a opção de não trabalhar para cuidar exclusivamente do cenário doméstico, pois do seu labor provinha o sustento de seus filhos. E principalmente após a revolução industrial, que promoveu o emprego de mulheres em larga escala, caíram por terra os argumentos de que a mulher não deveria estar no mercado profissional, surgindo a necessidade de lhe garantir direitos iguais ao dos homens trabalhadores.

Ainda hoje existem aqueles que entendem ser a maternidade um empecilho para a contratação de mulheres em idade reprodutiva, porém, vez que o poder público arca integralmente com o pagamento do salário-maternidade, semelhante argumentação máscara, na verdade, arraigado preconceito.

De outro lado, seja em razão da maternidade ou dos papeis predefinidos socialmente de que à mulher são reservados os cuidados com a família e casa, além dos encargos legais que em geral são mal recebidos pelo setor privado da economia.

Salienta-se que a maternidade deve ser uma escolha e, quando decidida pela mulher, há que encontrar um ambiente sadio e estável a fim de garantir a dignidade tanto dela, quanto da criança. De outro lado, e tão importante quanto, está o direito dos homens que desejam exercer a paternidade e ser agentes ativos na entidade familiar, mas que esbarram em uma legislação que no Brasil ainda é absolutamente tímida nesta seara. Tudo isto, ao que parece, por questões socioculturais, de saúde pública ou econômicas que têm por base conceitos já superados em muitos países.

O fato é que o direito à maternidade, à paternidade, à família e à dignidade da pessoa humana estão protegidos constitucionalmente, nos artigos 226, §§4º e 7º da Constituição Federal. Contudo, o texto infraconstitucional ainda padece de ajustes e implementos que tornem mais eficazes a busca pela equidade entre os gêneros.

  1. As licenças à maternidade e à paternidade no Brasil

 A licença à gestante surgiu no Brasil na Carta de 1934 (art.121, §1º, h), possibilitando o afastamento das obrigações oriundas do contrato de trabalho, com garantia de remuneração e sem prejuízos ao emprego[7]. Com a entrada em vigor da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, a licença à gestante passou a ter o prazo de 12 semanas, previsto no art. 392. Já a Carta Magna de 88, em seu artigo 7º, inciso XVIII, ratificou a licença maternidade, estendendo o período para 120 dias[8].

A licença maternidade à mãe adotiva foi contemplada somente pela Lei nº. 10.421/2002, alterando a redação do art. 392 da CLT, igualando ao período concedido às mães biológicas, ou seja, 120 dias. Contudo, o legislador ainda não regulamentou previsão de licença paternidade ao pai adotante[9].

A licença paternidade foi inicialmente prevista na CLT em 1943, em seu artigo 473, inciso III. O prazo destinado ao pai para afastamento do trabalho em razão da paternidade era de apenas 1 dia. A ideia preestabelecida das funções do homem dava a este unicamente a obrigação burocrática de realizar o registro do seu filho, tarefa que o impediria de cumprir integralmente aquele único dia de labor.

Foi apenas com a Constituição Federal de 1988 que surgiu o direito no inciso XIX, do art. 7º. Entretanto, ainda se encontra pendente de regulamentação, por meio de lei específica, o prazo da licença paternidade. Atualmente a única norma sobre o tema é o ADCT em seu art. 10, § 1º. Neste artigo, o prazo estabelecido e reconhecido socialmente é de apenas 5 dias de licença para os homens que se tornem pais.

Em 2008 foi instituído pela Lei 11.770/2008 o Programa Empresa Cidadã que, mediante concessão e incentivo fiscal, e alterando a Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, destina-se a prorrogar por 60 dias a duração da licença maternidade e por quinze dias, além dos 5 já estabelecidos, a licença paternidade. Logo, para a trabalhadora que labore em pessoa jurídica que tenha aderido ao Programa Empresa Cidadã, o prazo da licença maternidade pode ser estendido por mais 60 dias além dos 120 regulamentares, e o prazo de licença paternidade, passa a ser de até 15 (quinze) dias. Segundo esta lei, o empregador passa a ser responsável pela remuneração integral da empregada, permitindo-se-lhe a dedução do total da remuneração no imposto de renda da empresa, que, nos termos do seu artigo 5º, limitou àqueles empregadores tributados com base no lucro real (grandes empresas). No serviço público federal, o Programa de Prorrogação da Licença Paternidade está regulamentado no Decreto 8.737 de 03/05/2016.

A mesma Lei 11.770/2008 ainda prevê a ampliação do benefício às trabalhadoras que adotarem ou obtiverem guarda judicial para fins de adoção de criança, igualando a maternidade, não importando os fatos que a constituam.

Segundo o Ministério da Economia, por volta de 22.400 empresas se utilizam da Lei 11.770/2008 para a obtenção de isenções fiscais, o que aumenta o espectro social da lei. Mas, analisado o perfil da maioria das gestantes a desigualdade é notória, pois as beneficiadas do Programa são, em geral, empregadas sabidamente mais bem remuneradas. Há uma discriminação latente, seja em razão ao dever fundamental de solidariedade do RGPS – Regime Geral de Previdência Social, seja pelo objetivo constitucional assegurado no artigo 3º, inciso III, da CF/88.

Em 26/05/2021 a Deputada Sâmia Bomfim apresentou o Projeto de Lei n° 1.974, que propõe a criação da licença parental[10], absorvendo o ideal de outros países, em que a licença é direito da criança, para criação de vínculo e laço familiar, devendo ser encarada de forma igualitária para pais e mãe, sejam biológicos ou adotantes e com a duração de 180 (cento e oitenta) dias.

Até o momento, o Projeto foi aprovado apenas pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados e aguarda os trâmites necessários.

Em dezembro de 2023, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu que a enorme diferença entre os períodos atuais das licenças-maternidade e paternidade não refletem a evolução dos papéis de homens e mulheres na família e na sociedade e que “Existe omissão inconstitucional relativamente a edição da lei regulamentadora da licença-maternidade prevista no artigo 7º, inciso 19 da CF/88”[11] e deferiu o prazo de dezoito meses para que o Congresso sane a omissão, sob pena de ser sanada pelo próprio plenário após o prazo concedido.

Ainda, a discrepância entre as licenças maternidade e paternidade demonstra um abismo entre os direitos. Este abismo, reforçado pela cultura patriarcal e sexista, fortemente presente na sociedade brasileira, destaca a ausência de isonomia e igualdade previstas no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 e, na via dupla, potencializa a desigualdade e a dificuldade comum às mulheres que adentram no mercado de trabalho.

  1. As licenças à maternidade e à paternidade no mundo

 São diversas as convenções internacionais que visam o fortalecimento dos direitos de cidadania no mundo, muitas delas sugerindo diretrizes a serem adotadas internamente pelo Estado e pela iniciativa privada.

Todas se constituem em normas voltadas a evitar conflitos. Como exemplo a Convenção 156, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, relativa à igualdade de oportunidades e de tratamento para os trabalhadores com responsabilidades familiares. Já a Convenção 183, mais atual, aplica-se a todas as mulheres empregadas, incluídas as que desempenham formas atípicas de trabalho subordinado, garantindo-lhes licença maternidade de no mínimo catorze semanas, das quais ao menos seis deverão ser usufruídas depois do parto.

Ao adotar em 2000 a Convenção 183 a OIT aprovou a recomendação 191, referente à proteção à maternidade, assim dispondo sobre a licença parental (itens 3 e 4 do artigo 10)[12]:

(3) A mãe empregada ou o pai empregado da criança devem ter direito à licença parental após o término da licença maternidade.

(4) O período durante o qual a licença parental pode ser concedida, a duração da licença e outras modalidades, incluindo o pagamento de prestações parentais e a utilização e distribuição da licença parental entre os pais empregados devem ser determinados pelas leis ou regulamentos nacionais ou de qualquer maneira consistentes com a prática nacional.

Signatários ou não, muitos países têm avançado na esteira das Convenções e Recomendações da OIT.

Analisando a legislação em vigor em 2013 nos países filiados à OIT identificou-se a concessão da licença parental em 66 dos 169 países cujas informações estavam disponíveis naquele ano. A licença é garantida em 35 dos 36 países de economia desenvolvida e nos 16 países da Europa e da Ásia Central, que disponibilizaram informações para o estudo. Dos 66 países listados, apenas nos Estados Unidos e no Reino Unido a licença maternidade não é remunerada, embora em 5 estados americanos existam previsões para pagamento de benefícios durante o período.[13]

Segundo o mesmo estudo de 2013, no tocante à licença paternidade 31 dos 66 países mencionados não a contemplavam em sua legislação. Nos demais 35 a licença paternidade variava de um dia (na Itália) a noventa dias (na Islândia e na Eslovênia) sendo, em média, de quinze dias. Em cinco dos 35 países que concediam licença paternidade e licença parental, a relativa à paternidade não era remunerada. Em 21 deles, a licença era remunerada com valor equivalente a 100% do salário do pai e, em oito países, parcialmente remunerada[14].

Atualmente alguns países têm-se destacado, como a Espanha, que a partir de 2021 passou a equiparar as licenças paternidade e maternidade, de 16 semanas para pais e mães e 100% remuneradas, avançando na igualdade de gênero[15].

No Canadá, o governo informa em seu site que a empregada grávida tem direito a até dezessete semanas de licença maternidade. A lei prevê licença parental adicional de até 63 semanas para pais biológicos ou adotivos. A licença maternidade e a licença parental, somadas, não podem exceder 78 semanas, se forem usufruídas exclusivamente pela mãe, ou 86 semanas, se for compartilhada por ambos os pais[16].

Conforme informa a página da Comissão Europeia na internet o sistema de licença parental dinamarquês é um dos mais generosos e flexíveis da União Europeia. As mães têm direito a quatro semanas de licença maternidade antes da data prevista para o parto e catorze semanas após o nascimento da criança; os pais têm direito a duas semanas de licença paternidade, a ser usufruída nas primeiras catorze semanas após o parto. Além disso, cada progenitor tem direito a 32 semanas de licença parental[17].

No Chile, a licença maternidade é de seis semanas antes e de doze semanas depois do parto; já a licença paternidade é de cinco dias. A Lei 20.545/2011 prevê ainda que estes direitos são irrenunciáveis.

Outros países como Finlândia, França, Noruega e Portugal compartilham de legislações protecionistas. Nestes, o período de licença varia, assim também os requisitos para a concessão remunerada, como na França, que relaciona o período de concessão com o número de filhos que a família já possui.

  1. Isonomia, uma necessidade

 A OIT considera que a proteção da mulher contra a demissão durante e após o parto, combinada com medidas de licença durante e após a gestação, são instrumentos políticos fundamentais para proteger a situação das mães no mercado de trabalho[18].

O Brasil é signatário da Convenção 156 da OIT, porém não das mais recentes, as Convenções 183 e 191, cujo foco de proteção à mulher é mais abrangente e indicando, ainda, a licença parental.

A adoção das Convenções mais recentes pelo Brasil, com a implementação das medidas práticas nela inspiradas, contribuiria para a minoração das desigualdades, com o compartilhamento das responsabilidades familiares, com ênfase na criação dos filhos, a mais adequada distribuição do trabalho doméstico e ainda, a redução dos desafios enfrentados pelas mulheres no mercado de trabalho.

Em pesquisa de 2009, segundo dados da OIT, tensões entre labor e vida familiar geraram um alto custo para mais de 100 milhões de mulheres inseridas no mercado de trabalho da América Latina e Caribe. O citado Relatório indica que “53% das mulheres da América Latina e do Caribe estão incorporadas ao mercado de trabalho“.

Grande parcela da literatura empírica que avalia tais impactos parte de experiências de países que mudaram as regras, como a França, que realizou em 1994 uma alteração nas regras de concessão de incentivos financeiros a pais de recém-nascidos.

Para o Brasil, o estudo empírico mais significativo é o de Carvalho[19], que verifica o impacto da mudança da licença-maternidade, que passou de 12 semanas para 120 dias na Constituição Federal de 1988, sobre o mercado de trabalho das mulheres. Utilizando dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 1986 a 1991, o autor observou que a licença não impôs impactos significativos sobre salários. Também não foram encontrados indícios de que tenha ocorrido aumento na retenção das mulheres no mercado de trabalho, mesmo para o grupo das mais escolarizadas.

A realidade permanece e diante da fragilidade do apoio do Estado no que toca aos afazeres vinculados à maternidade e demais responsabilidades domésticas, esta promissora inserção das mulheres no mercado de trabalho, por certo, ocorre à custa de muitos sacrifícios. Não bastasse a falta de aporte financeiro para a contratação de serviços domésticos, os resquícios da cultura machista fazem pesar mais sobre as mulheres os encargos gerais com a família, notadamente com crianças e idosos, mesmo quanto às mulheres que estejam em igualdade de posição no mercado de trabalho em relação aos seus cônjuges ou companheiros. Estes fatos indicam que apesar do tão festejado preceito constitucional da isonomia, insculpido no artigo 5º, caput, da Carta de 88, a realidade se mostra refreada.

O mesmo princípio se manifesta em diversos dispositivos constitucionais, como por exemplo, nos artigos 3º, inc. III, 5º, inc. I, 226, § 5º, porém, a realidade atesta que ainda estamos longe de vê-los idealmente efetivados[20].

A Constituição Federal de 1988 tem como um dos principais objetivos a institucionalização do bem-estar coletivo, o que se afere nas diversas garantias em relação ao nascituro, haja vista as especificidades de tal condição, a exigir diferenciado tratamento[21].

Para a criação de laços afetivos, observados os ideais de família, a presença das figuras paterna, materna ou de quem venha a se unir para constituir a entidade familiar, é essencial e indispensável, especialmente nos primeiros dias de vida da criança. Nesse contexto, o convívio do pai com o filho, desde o nascimento, participando das obrigações, deveres, responsabilidades domésticas, sem apenas exercer o papel do provedor – cuja obrigação seria apenas a de fazer o registro do nascimento da criança –, é um fator importante na desconstrução da masculinidade tóxica e do sexismo. É permitir que a paternidade e a maternidade sejam exercidas de modo mais isonômico tornando-se, para além de um direito, um dever.

Apesar de já existirem normas como o art. 226, § 5º, da CF de 1988, que declara que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”, bem como o art. 229, que dispõe ainda que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, ainda percebemos, na prática, uma exclusão benevolente do pai no que concerne à criação dos filhos[22].

Logo, há que se reconhecer que “Uma política que vise dar à mulher uma situação de igualdade com o homem na vida econômica e política de um país não tem condições de vingar se mantiver o ônus da casa, do lar e dos filhos somente nos ombros da mulher”[23].

Um recente estudo feito pela Alemanha, após a implementação da licença parental, confirmou que a probabilidade de mulheres conseguirem uma colocação profissional aumentou 12%[24].

Mesmo que o artigo 5º, caput, da Constituição Cidadã, preveja a isonomia de tratamento entre homens e mulheres ao asseverar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, bem como em seu inciso I prelecione que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, a iniciar pelos prazos concedidos de licenças maternidade e paternidade fica claramente demonstrado o desencontro de propósitos do legislador.

Evidentemente que se observa a existência de opiniões divergentes, na medida em que muitos entendem que há a necessidade de tratar com igualdade os iguais e com desigualdade os desiguais, justificando-se aí das diferenças, a partir das questões biológicas. Para estes, aquela que concebe tem a necessidade de um período maior de afastamento das atividades laborais, para a recuperação do parto e os cuidados com o filho, o que não poderia ser feito pelo sexo masculino, que não amamenta, por exemplo. Contudo, analisados a licença maternidade concedia à mãe adotiva, ou o caso do pai que acaba pleiteando a licença em caso de falecimento da mãe no parto, o entendimento passa a ser superável. Percebe-se que o foco da proteção, por fim, dá-se ao recém-nascido e não aos progenitores.

Logo, ao analisarmos que o homem e a mulher estão em idêntica situação ao conceberem uma criança – a de pais – e que, conforme art. 5º, caput, e inciso I, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e também que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, a desconformidade trazida pelo ordenamento jurídico brasileiro no que tange aos prazos concedidos às licenças maternidade e paternidade viola o princípio da isonomia, bem como o instituto da família.

O constituinte, preocupado em assegurar de modo efetivo a igualdade, estabeleceu que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal devem ser exercidos igualitariamente entre homens e mulheres (art. 226, § 5º). Deste modo, os atos, no âmbito familiar, podem ser praticados tanto pelo homem quanto pela mulher, sendo inconstitucional qualquer tratamento em benefício de um dos cônjuges[25].

Avaliando-se a legislação infraconstitucional e especialmente o aspecto operacional e econômico da questão, a “injustiça” é evidenciada na legislação previdenciária. Isto porque após a sanção da Lei 12.873/13 foi concedido ao pai adotivo o direito da licença paternidade equiparada à licença maternidade, ou seja, de 120 dias, sendo que ao pai biológico não é dado igual direito, eis que a licença paternidade ainda está pendente de regulamentação legal formal.  Entretanto se o custeio – considerando o caráter contributivo e solidário da Previdência Social – é igual para homens e mulheres, inexistindo diferença de alíquotas com base no critério do sexo, e se as mulheres possuem a garantia de remuneração integral durante o período de licença maternidade, a equiparação seria a medida de mais absoluta justiça pois representaria tratamento isonômico real entre os sexos.

Resta evidenciado que a licença paternidade hoje vigente no Brasil, tão curta, é certamente um dos grandes problemas para que o homem exerça a paternidade efetiva. E fica claro que a legislação é que coloca a mulher no lugar da cuidadora, reforçando estereótipos, o malfadado sexismo e a discriminação no mercado de trabalho.

Por fim, acaba por sonegar à criança o direito ao convívio com o genitor, na construção da sua primeira infância e por fim, em uma análise interseccional, fomenta a desigualdade entre gêneros, contribuindo para que a mulher fique à mercê de oportunidades para a obtenção de melhores condições de vida.

A legislação brasileira evoluiu de forma importante, tendo na Constituição Federal de 1988 assegurado inclusive a isonomia entre os gêneros, prevista em seu artigo 5º.

Todavia, ao passo que alguns dispositivos constitucionais ressaltam o direito à igualdade e à família, questões primordiais, como uma efetiva equiparação entre a maternidade e a paternidade, pendente de regulamentação, mantém, na via transversa, a mulher na condição de cuidadora, endossando o sexismo, gerando mais discriminação às mulheres no mercado de trabalho. Seja porque, no caso específico tratado neste artigo, os prazos das licenças maternidade e paternidade são desiguais, seja porque não são necessariamente remunerados, seja porque não são compulsórios.

A Lei Federal nº 11.770/08 que institui o programa empresa cidadã, parece-nos igualmente ineficaz e em verdade, acaba por impor uma desigualdade inaceitável, pois privilegia uma parte das mulheres, as empregadas mais bem remuneradas que trabalham em grandes empresas ou são servidoras da Administração Pública.

Exemplos bem-sucedidos[26], como na Espanha, que equiparou as licenças maternidade e paternidade e totalmente remuneradas, colocam mulher e homem em condições de igualdade, pois a empresa deverá necessariamente conceder a licença parental a ambos os genitores. Na prática, há uma igualdade substancial, que corresponde ao patamar mínimo civilizatório e solidifica-se mediante a consecução da igualdade de oportunidades e da redução das desigualdades. O resultado será certamente a efetivação da justiça social e da democracia.

Portanto, ainda que a Constituição Federal de 1988 tenha significado um importante marco para a transição democrática brasileira e a construção de uma sociedade mais igualitária, é necessária a reformulação na legislação infraconstitucional, assim como a urgente regulamentação da licença paternidade no Brasil, para que a isonomia entre os gêneros seja efetivamente alcançada e a plena cidadania exercida por todas e todos.

  1. Referências

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VERUCCI, Florisa. A mulher e o direito. São Paulo: Novel, 1987, p. 37.

[1] CISNE, Mirla. Feminismo e consciência de classe no Brasil. São Paulo: Cortez, 2014.

[2] BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução: Maria Helena Küher. Rio de Janeiro: Bertrand, 2012.

[3] BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1960, p. 74.

[4] CFEMEA, 2007, on-line, https://www.conjur.com.br/2010-nov-05/constituicao-1988-marco-discriminacao-familia-contemporanea. Acesso em 20/12/20.

[5] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. pg. 65.

[6] LOPES, Ana Maria D’Ávila. Gênero, discriminação e tráfico internacional de mulheres. Estudos sobre a efetivação do direito na atualidade: a cidadania em debate. Organizadora: Lília Maia de Morais Sales. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2006.

[7] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014

[8] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 26. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

[9] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 26. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

[10] “A licença parental proporciona aos pais, tempo para cuidar e se relacionar com o bebê, estabelecer rotinas para alimentação e cuidados, atender às suas necessidades de cuidados médicos, além de proporcionar às mães que já passaram pelo parto, tempo para se recuperar fisicamente.” HEYMANN, Jody. Et al. Licença parental paga e políticas pró-família, disponível em: https://www.unicef.org/media/95156/file/Parental-Leave-PT.pdf, acesso em 16/02/2022.

[11] Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO n° 20, https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4288299

[12] MELO, Claudia Virginia Brito de, https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-legislativa/arquivos-pdf/protecao-a-maternidade-e-licenca-parental-no-mundo

[13] MELO, Claudia Virginia Brito de, https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-legislativa/arquivos-pdf/protecao-a-maternidade-e-licenca-parental-no-mundo

[14] MELO, Claudia Virginia Brito de, https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-legislativa/arquivos-pdf/protecao-a-maternidade-e-licenca-parental-no-mundo

[15] EL PAIS disponível em acessado https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-01/espanha-equipara-licenca-paternidade-e-maternidade-e-avanca-na-igualdade-de-genero.html dia oito de janeiro de 2021.

[16] MELO, Claudia Virginia Brito de, https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-legislativa/arquivos-pdf/protecao-a-maternidade-e-licenca-parental-no-mundo

[17] Op. cit

[18] Op. cit

[19] CARVALHO, S. S. D. Os efeitos da licença maternidade sobre salário e emprego da mulher no Brasil. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2005.

[20] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[21] FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

[22] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[23] VERUCCI, Florisa. A mulher e o direito. São Paulo: Novel, 1987, p. 37.

[24] KLUVE, Johan and Marcus Tamm. ‘Parental Leave Regulations, Mothers’ Labor Force Attachment and Fathers’ Childcare Involvement: Evidence from a natural experiment’, Journal of Population Economics, vol. 26, no. 3, 2013, pp. 983–1005

[25] FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

[26] Os estudos também concluem que a licença parental paga beneficia o bem-estar econômico das famílias. HEYMANN, Jody. Et al. Licença parental paga e políticas pró-família, disponível em: https://www.unicef.org/media/95156/file/Parental-Leave-PT.pdf, acesso em 16/02/2022.

 

* REJANE SILVA SÁNCHEZ, Advogada, Fundadora do Rejane Silva Sánchez Bureau de Direito; Conselheira Federal da OAB; Vice Presidenta da Comissão Nacional da Mulher Advogada, Membra do Observatório de Violência da Assembleia Legislativa de Santa Catarina; Vice Presidenta do Conselho Estadual da Mulher Empresária – CEME; Conselheira no OMDIM/Florianópolis; Diretora Jurídica do Inspiringilrs Brasil; Conselheira de Administração do Sicoob Advocacia

** LUANA FERRARI RAMOS, Advogada, mestranda em Direito e Negócios Internacionais pela Univerdidad Europea del Atlántico.

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