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REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA: SIGILO OU ANONIMATO DO DOADOR DE GAMETAS VERSUS DIREITO DA PESSOA GERADA À DESCOBERTA DA ORIGEM GENÉTICA.

Por Thays Regina Pedroso* e Daniela Zilio**- UNOESC.

INTRODUÇÃO

 Com os avanços científicos e tecnológicos, a biomedicina sofreu consideráveis ascensões e aperfeiçoamentos, o que possibilitou as pessoas inférteis ou com problemas na reprodução a possibilidade de constituírem núcleo familiar fundamentado na paternidade/maternidade socioafetiva.

Nesse contexto, verifica-se que tais alterações ensejam novas situações fático jurídicas, considerando haver direitos elementares em “jogo” que possam vir a ser maculados em razão da evolução ora explanada.

Para tanto, o presente estudo tem como objetivo geral analisar os impactos jurídicos oriundos da aplicação das técnicas de reprodução humana assistida heteróloga, situação que envolve a doação de gametas de terceiro anônimo estranho ao casal, situação que pode ensejar no conflito entre direitos fundamentais oriundos do inviolável princípio da dignidade da pessoa humana, quais sejam: os direitos fundamentais à intimidade, no que tange à preservação do anonimato do doador de material genético; e ao conhecimento da ascendência genética, como forma de garantir o direito da personalidade. Logo, o problema de pesquisa é “O direito ao conhecimento da herança genética ou o anonimato do doador do material genético, qual direito deverá prevalecer em detrimento do outro?

Em decorrência disso, os objetivos específicos são: i) discorrer sobre as formas que os doutrinadores solucionam os conflitos que envolvem os direitos de personalidade, por meio da técnica de ponderação; ii) qualificar o direito de personalidade e distinguir o direito ao anonimato do doador do direito à identidade pessoal e genética; iii) esclarecer quanto a reprodução medicamente assistida e suas técnicas; iv) analisar as doutrinas e suas correntes acerca do conflito identidade versus anonimato.

A pesquisa é de abordagem qualitativa, método dedutivo e caráter bibliográfico-jurídico-teórica, com referencial embasado em artigos publicados em revistas científicas, livros, leis, monografias.

O trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo qualificou a personalidade jurídica e os direitos de personalidade jurídica, demonstrando a fundamentação para sua garantia, distinguindo-os dos direitos fundamentais.

Já no segundo capítulo, foi explanado sobre a reprodução humana assistida, suas características e diferenciações, bem como estudado sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana.

Por fim, no terceiro e último capitulo fora descrito sobre o método jurídico de resolução dos problemas que envolvem os direitos fundamentais, distinguido as normas, regras e princípios, as possibilidades de conflitos entre princípios, concorrência e colisão, e a análise da técnica de ponderação, criada por Robert Alexy, com base no princípio da proporcionalidade. Ao final, por meio do juízo de ponderação, foi analisado sobre a possível harmonização, ou não, dos direitos fundamentais de personalidade em conflitos.

Com efeito, torna-se necessário o estudo sobre as consequências que referida técnica científica de procriação artificial gera na esfera individual de cada pessoa e no seio familiar, uma vez que os efeitos não se resumem apenas a seara da medicina e da biologia, mas atingem também a área jurídica, considerando que as pessoas que compõe essa relação são titulares de direitos individuais previstos e assegurados constitucionalmente.

 

1 DIREITOS DE PERSONALIDADE 

             Os direitos da personalidade são garantias fundamentais, pois atribuídos invariavelmente à pessoa humana, apesar de nem todos os direitos fundamentais serem da personalidade. Dada sua relevância no ordenamento jurídico, mister discorrer sobre referido direito e suas particularidades.

 1.1 CONCEITUAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO PARA SUA PROTEÇÃO

 Com base na evolução histórica e cultural, o direito é criação do homem. Ou seja, surgiu como uma obra humana, utilizada por estes a serviço de seus desejos, face as adversidades impostas pela sociedade. Logo, o ser humano não constitui um instituto jurídico, apesar de sua presença em todas resoluções ou normas.

Segundo Oliveira (2009, p. 51) a sociedade, tem como base uníssona a pessoa humana. À vista disso, os seres humanos estabelecem, portanto, o início e o fim do Direito. É necessário que o homem seja considerado sujeito de direito, porque a justificação da existência deste encontra-se na realidade da pessoa. A ordem jurídica existe para a satisfação dos seres humanos.

Na base dos institutos ligados à pessoa estão as situações jurisdicionais de personalidade, entendidas como vinculadas a bens de personalidade, sejam determinando comportamentos (deveres), sejam autorizando sua fruição (direitos).  Por direitos de personalidade pode-se considerar todos os direitos que permitem a pessoa desenvolver – individualmente e na interação social – aspectos importantes da personalidade.

Trata-se de direitos essenciais e básicos que pertencem a toda a pessoa, a contar do seu nascimento com vida, marco inicial da personalidade jurídica, quando se torna sujeito de direitos e deveres. A personalidade é, portanto, qualidade de ser pessoa. (ROCHA, 2019).

Para Freitas e Stieven (2016, p.109), os direitos da personalidade referem-se às características físicas ou psíquicas da pessoa, suas características mais importantes. Projeções de personalidade, suas expressões, qualidades, atributos, de ser são bens jurídicos e são amparados pelo direito positivo.

Com os direitos da personalidade, o que é inerente à pessoa é protegido, como o direito à vida, o direito à integridade física e psicológica, o direito à integridade intelectual, o direito ao próprio corpo, direito à privacidade, direito à liberdade, direito à honra, direito à imagem, direito à identidade, entre outros.

No entendimento de Gomes (2000, p.141) e Carvalho (2000, p. 123), personalidade é o papel jurídico da pessoa de ser sujeito de direitos e deveres. Logo, constata-se que a personalidade jurídica é a verificação de que o ser humano é o fundamento das outras concepções jurídicas.

A maioria dos direitos de personalidade está consagrada na Constituição Federal, assumindo a posição de direito fundamental gozando de maior segurança, além de sua previsão no Código Civil e em declarações ou tratados, como, Declaração Universal de Direitos Humanos, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção Europeia de Direitos Humanos e a Convenção sobre Direitos Humanos.

Neste contexto, os direitos fundamentais são gênero, enquanto os da personalidade são espécie, isto é, os primeiros contêm os últimos, não se restringindo a eles. Pode-se perceber que enquanto os direitos da personalidade consistem em comandos aos particulares, os direitos fundamentais são determinações voltadas aos legisladores.

Oportunamente, registra-se a diferença entre os direitos e as garantias fundamentais. Os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.

À luz da extensão revelada desses direitos, é possível perceber a intenção do instituidor. Os direitos fundamentais nele previstos devem ser como meios de garantia do princípio do ser humano, ou seja, não é possível conceber um em sua plenitude sem ser garantido, pelo menos, os direitos fundamentais. Eles devem ser entendidos como primordiais, essenciais a todas as esferas da vida do indivíduo.

Sob este prisma, os direitos da personalidade são, intransferíveis, irrevogáveis, permanentes e indispensáveis. Todavia, é possível que tais direitos surjam pela simultaneidade dos direitos de personalidade de duas ou mais pessoas, dentro de uma relação coletiva. Frente à esta situação, o ordenamento jurídico é responsável por deliberar sobre tal problema, ponderando os bens jurídicos em cada situação específica.

Dentre esses conflitos, o momento em que o Direito deverá resguardar os direitos de personalidade ganhou ênfase com o passar dos anos. No que atine ao nascituro, reconhece-se atualmente a proteção de suas garantias, independente de se encontrar na fase de pré-nascituro, in vivo ou in vitro.

Desta forma, o Biodireito e a Biociência têm como objetivo à amplificação da conceituação, bem como da proteção da pessoa para além da sua nascença com vida.

 

1.2 DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL E GENÉTICA

Conforme Garbin (2012, p.1), a identidade genética do ser humano inclui todas as informações susceptíveis de serem conhecidas. O fio que liga a genética à verdade inclui o direito ao conhecimento da ancestralidade, cujos dados são importantes para o desenvolvimento da personalidade do indivíduo. Nesse sentido:

Reconhecido o patrimônio genético como o patrimônio mais íntimo e pessoal do homem, não há como se afastar do ser humano o desejo de conhecimento de suas origens biológicas, tampouco a importância deste na construção da identidade do indivíduo, quer no contexto íntimo, quer no contexto social no qual a pessoa está inserida

Assim, as origens biológicas serão consideradas como componentes da identidade genética e esta, por sua vez, comporá a identidade pessoal em sua dimensão pessoal e relacional. Consequentemente, verifica-se que a identidade genética individual é um fator necessário ao direito à identidade pessoal.

O conhecimento da origem fornece dados importantes para a compreensão e desenvolvimento da personalidade do indivíduo. Desse modo, dentro do direito à identidade genética, não há como se subtrair o direito ao conhecimento sobre a sua carga biológica, ou, a ser dito de forma mais específica, o direito ao acesso dos dados de sua ascendência. Portanto, os dados relativos à origem genética, que inclui o conhecimento da ascendência biológica, compõem a identidade genética do indivíduo, e esta faz parte da identidade pessoal.

O direito ao desenvolvimento da personalidade é importante para o reconhecimento da liberdade pessoal, a realização de um projeto pessoal e a formação da identidade pessoal. Esta inclui, além de seus próprios componentes genéticos, também aspectos processuais, sociais e psicológicos.

Como a identidade pessoal individua uma pessoa, não há dúvida de que a identidade genética que ela carrega é a primeira das características formadoras de identidade. Portanto, deve-se considerar que a identidade genética pertencente a cada indivíduo é parte importante da identidade pessoal. (Garbin, 2012, p. 16)

Para Freitas e Stieven (2016, p.110) os direitos da personalidade são conceituados como direitos básicos e inerentes das pessoas, com características muito específicas, fator que lhes conferem um lugar único no contexto dos direitos privados. Com efeito, os direitos da personalidade são essenciais à existência do ser, de tal forma que inseparáveis,​ acompanhando o ser humano ao longo de sua existência.

As características biológicas são elementos dominantes, embora não limitem a formação da identidade pessoal. Portanto, reduzir a identidade de uma pessoa apenas às suas circunstâncias biológicas, é muito raso. A identidade pessoal é mais abrangente, incluindo referência biológica, que é o código genético do indivíduo – identidade genética -, e referência social, que é construída durante a vida, em relação com os outros.

Para Otero (1999, p.64) o direito à identidade pessoal compreende duas dimensões: uma individual, dirigida ao reconhecimento de que cada ser humano é singular; e uma relacional, que compreende toda a construção de sua história pessoal.

A doutrinadora Barbas (2006, p. 173), por sua vez, esclarece a diferenciação entre “direito ao nome” e “direito à historicidade pessoal”, enquanto a primeira tem por ideal que os indivíduos têm um nome e, por conseguinte, o direito de defender e impedir que o mesmo seja utilizado por outros, a segunda expressão garante a toda e qualquer pessoa o reconhecimento da identidade dos seus progenitores.

Nessa perspectiva, a identidade pessoal compreende duas dimensões diferentes: a) a identidade pessoal de dimensão única: cada um possui seu próprio caráter, que é indivisível, o que a diferencia das outras; b) a identidade pessoal de dimensão relacional: cada um possui sua identidade definida graças a memórias familiares, dando destaque aos progenitores. Desse modo, a garantia à identidade genética se enquadra na primeira dimensão, enquanto que o direito à história pessoal, na segunda.

Sendo assim, certo é que o direito de acesso à informação relativa à origem de uma pessoa é reconhecido como um importante recurso jurídico que merece proteção jurídica.

A partir dessa diferenciação, ainda que a motivação para a procura da origem genética se encontre no âmbito da identidade pessoal, o bem jurídico perseguido – informação sobre quem são os seus ascendentes que conferiram os genes que o formaram– encontra-se sob a dimensão da identidade genética.

 

1.3 DIREITO À PRIVACIDADE, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA

A Constituição Federal (1988) preleciona, em seu artigo 5º, inciso X, como direito fundamental que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação”.

Sobre a temática as opiniões são divergentes entre os doutrinadores. Cabral (1999, p. 173) distingue o direito à privacidade entre três esferas: da vida íntima, da vida privada e da vida pública. A primeira esfera compreende o que de mais secreto existe na vida de uma pessoa, a segunda inclui aspectos da vida social que podem ser acessados a quem for permitido, e por fim, a terceira que abrange aquilo que todos podem ter acesso.

Já para Hammerschmidt (2013, p. 94) a intimidade é

[…] como um direito negativo ou de proteção contra ingerências legítimas, não pode ser afastado o seu critério de direito fundamental, pois mais do que meramente transcrito no texto constitucional, “a intimidade é um direito inerente à pessoa, que não é preciso ser conquistado para possuí-lo nem se perde por desconhecê-lo. É uma característica própria do ser humano pelo mero fato de sê-lo.

Assim sendo, o direito à intimidade e ao sigilo estariam abarcados dentro dos direitos à integridade moral, – honra, imagem, intimidade, vida privada -, se relacionando com os demais direitos da personalidade, no entanto não se confundindo.

O sigilo, refere-se à proteção contra o acesso e a circulação de dados sem autorização do seu titular, como desdobramento da própria privacidade, tal como já ocorre hoje com as informações fiscais. Não há, portanto, como dissociar a intimidade e o sigilo do valor dignidade humana.

Segundo Reckziegel e Duarte (2020, p. 42) o respeito ao direito à privacidade se revela elementar tendo em vista apresentar tripla importância: para o desenvolvimento da personalidade do indivíduo, para o aprimoramento social e para o próprio regime democrático.

Para Vasconselos (2006, p.80) a privacidade possui maior abrangência que a intimidade.  Na esfera da vida privada, que é mais ampla, esta incluiria aspectos da vida fora da intimidade, cujo acesso é permito a grupo celeto de pessoas com as quais mantem suas relações, mas não aos estranhos, ao público.

Nesse sentido, levando em consideração que as interações dos indivíduos se subdividem em vida pública e vida privada, seria cabível que a privacidade abarcasse as interações sociais que a pessoa pretende ocultar do público.

Doutro norte, o direito à intimidade se configuraria em uma parte do direito à privacidade, parcela essa que diz respeito à parte intersubjetiva do ser humano, aquela que diz respeito a sua essência, compreender-se-ia o que de mais secreto existe na vida pessoal, que o indivíduo nunca ou quase nunca partilha com outros, ou que comunga apenas com pessoas muitíssimo próximas. Ou seja, a intimidade corresponderia àquele lugar do ser que seu titular deseja manter dentro do alcance dos mais próximos.

Sendo o direito à vida privada uma das particularidades do direito de personalidade, e sendo este um direito subjetivo, constitui consequentemente um dos principais aspectos da autonomia privada, possuindo dois aspectos principais: a da iniciativa na defesa da personalidade e a da autovinculação à sua limitação ou compreensão.

À vista disso, pode-se afirmar que, pelo fato de o direito à privacidade ser uma espécie do gênero dos direitos da personalidade, o qual está ligado única e exclusivamente ao indivíduo, podendo sofrer qualquer lesão ao seu direito, cabe a este escolher se irá exercer ou abster-se do exercício de referido direito.

Já no tocante a autovinculação, à sua limitação ou compreensão é determinada pelo próprio titular que, impondo limitações ou compressões ao seu direito, pode ou não autorizar a quebra da privacidade.

O direito a dignidade da pessoa humana exige que seja reconhecido a todos um devido espaço de privacidade onde possam estar à vontade, incluindo todas as atividades da vida privada e íntima, podendo ter em seu exclusivo controle a decisão de comunicar alguma informação quando e a quem quiser.

Sob este prisma, entende-se ser decorrente do direito fundamental à intimidade recebendo tratamento semelhante ao dispensado para outros direitos fundamentais, como o direito à imagem, à honra e a vida privada. Deve-se atentar, entretanto, que sempre que contraposto a outro direito fundamental deverá ser realizada a ponderação do caso concreto para decidir qual deve ser favorecido em detrimento do outro (RECKZIEGEL; DUARTE, 2020).

Diante disso, evidente, pois, que toda a tentativa de erigir um conceito e um pano de fundo para os direitos fundamentais decorrem da pretensão em garantir sua defesa e sua efetividade, sendo tais garantias fundamentos bacilares que culminam em preocupações sociais, filosóficas e, eminentemente jurídicas.

 

1.4 DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA

O direito à privacidade traz, também, como um de seus aspectos, a autodeterminação informativa.

Primeirameiramente necessário tecer alguns comentários acerca do direito à autodeterminação informativa, abordando os conceitos de liberdade negativa e liberdade positiva.

Para Kant (2003, p.63), a liberdade negativa se caracteriza pela liberdade de escolha que o indivíduo possui, escolha essa que advém de um estímulo que o leva a realizar sua vontade, a possibilidade de exercer livremente seu livre-arbítrio. Sob a ótica da ciência jurídica, liberdade negativa tem a concepção de não sofrer interferências de terceiros.

Por outro lado, a liberdade positiva, assume o sentido de autodeterminação, domínio próprio, fazendo com que a vida dependa única e exclusivamente de si mesmo, e não de impulsos/estímulos externos.

Partindo desses conceitos, passa-se a traçar considerações acerca do direito à autodeterminação informativa.

A autodeterminação informativa é resultado da evolução do direito de “estar só”, e, devido às mudanças sociais e tecnológicas, este direito evoluiu e hoje se mostra coberto pela nuance daquele.  Referido direito tem por escopo garantir a proteção das informações pessoais, e nesta incluídas as informações genéticas, tendo o indivíduo poder gerenciar as mesmas.

A faculdade de gerência transcende o simples aspecto de impedir sua utilização, vai bem além, chegando ao ponto em que pode controlar as suas informações, que estão inseridas em arquivos.  Pois bem, ao lado do tradicional direito à privacidade, de natureza negativa, de estar só, surgiu a liberdade positiva. Portanto, aquele direito que era eminentemente negativo, que era visto como o direito de não sofrer interferência, como reflexo dos avanços tecnológicos, expandiu de tal forma que hodiernamente o direito à autodeterminação informativa possui como razão principal o poder do próprio indivíduo dominar, dispor, compartilhar de suas informações pessoais.

Frisa-se que muito embora o direito à intimidade tenha ganhado novos alcances, originando o atual direito à autodeterminação informativa, ambos coexistem e são nuances do direito à privacidade.

Referido direito teve de evoluir, acompanhar os novos acontecimentos ocorridos na sociedade, partir do ponto onde o direito à privacidade era visto como um direito de “estar só”, para assumir uma postura mais dinâmica, passando a abranger nova vertente, a da autodeterminação informativa.

Como os avanços tecnológicos ocorrem de forma muito célere, principalmente no que concerne aos feitos genéticos, as demandas existentes possuem correlação com o direito à privacidade e, na maioria das vezes, decorrem de assuntos ligados à utilização das informações pessoais, em sendo assim, faz-se necessário a observância ao direito à autodeterminação informativo.

 

2 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

 A reprodução humana assistida nasce da necessidade do ser humano de perpetuar-se pelas gerações propiciando o seguimento à descendência familiar. Assim sendo, esta possui significado intrínseco de caráter subjetivo do ser humano, a vontade de deixar um legado e realizar seu projeto parental.

O que diferencia o ser humano dos outros animais é justamente o reconhecimento, fomento e continuidade de laços familiares com papeis institucionais integralizados. A formação do núcleo familiar humano é, portanto, processo de formação identitária tal qual o nascimento ou a morte. (ROULAND, 2003).

Tecido tais comentários, passa-se a tecer considerações acerca da técnica em análise.

 

2.1 CONCEITUAÇÃO

 A reprodução humana assistida é um conjunto de técnicas que combatem a infertilidade e possibilitam o nascimento de uma nova vida humana, através da fecundação alcançada a partir da manipulação de gametas e embriões (SÁ, 2011).

Foi em meados de 1770, que o italiano Lázaro Spallanzani desenvolveu diversos estudos científicos que tinham por objeto a reprodução humana, técnicas de interferência no processo natural, daí o nome, reprodução assistida. Ou seja, a geração da vida, independentemente do ato sexual, por método artificial, cientifico ou técnico (DIAS, 2017).

A procriação medicamente assistida é a fecundação com artificialidade médica informada e consentida por escrito, por meio da inseminação de gametas humanos, com probabilidade de sucesso e sem risco grave de vida ou de saúde, tanto para paciente, como também para futura criança proveniente da técnica.

Assim, tais avanços da medicina possibilitaram descobertas relacionadas à engenharia genética e às procriações artificiais, desenvolvendo inúmeros mecanismos e processos de procriação, sendo a engenharia genética o vetor possibilitador do desenvolvimento e evolução da reprodução humana assistida, dentro de todas as modalidades hoje existentes.

Desta feita, o que antes se restringia a um fenômeno estritamente biológico natural, com os progressos científicos viabilizou a procriação daqueles que viam-se impedidos de gerar filhos pelos métodos naturais.

 

2.2 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA

Em 1978, surgiu o primeiro ser humano de proveta do mundo. Foram necessários incontáveis ​​anos de pesquisa. Tal criança, concebida pelo método de fertilização in vitro, ou fivete, provocou uma série de críticas à época – principalmente influenciadas por argumentos religiosos de intervenção humana desnecessária nos processos reprodutivos – sendo que, outras técnicas começaram a ser desenvolvidas com o objetivo específico de intervenção mínima nesse processo reprodutivo (FERRAZ, 2011).

As técnicas de procriação medicamente assistida subdividem-se em Inseminação Artificial; Fertilização in vitro (FIV); com gametas ou Gamete Intrafallopean Transfer (GIFT); Zygote Intrafallopean Transfer (ZIFT) e Maternidade de Substituição. Passa-se a breve explicação de cada uma.

A primeira modalidade, foi a Inseminação Artificial, técnica de grande complexidade, sendo que referido instrumento de reprodução é utilizado nos casos de falha nas etapas do processo reprodutivo, e não necessariamente nas bases celulares, ou seja, é a introdução de esperma nos órgãos genitais femininos sem ser por meio de cópula. O resultado de tal técnica depende “do cálculo exato da ovulação, pois o material germinativo masculino é introduzido no útero, devendo se desenvolver naturalmente a gestação”. (FERRAZ, 2011, p. 44).

Segundo Ommati (1999) a técnica da Fertilização in vitro (FIV), por sua vez, é caracterizada pela transferência de embriões, de modo que o zigoto ou os zigotos permanecem sendo incubados in vitro até o momento em que atinjam um estado de maturação bastante para a transferência até o útero ou às trompas. Outrossim, de acordo com o doutrinador Ferraz (2011, p.45), a “fertilização in vitro consiste em colher óvulos de uma mulher, fertilizando-os numa placa de Petri, para os mesmos, quando já transformados em zigotos, iniciando a divisão celular, serem colocados dentro do útero da receptora”.

No caso da referida técnica, é feito um processo de indução da ovulação através da inserção de hormônios femininos. Desta forma, a mulher tende a liberar mais óvulos, facilitando a inseminação, entretanto em quantidade adequada para evitar a gravidez simultânea de duas ou mais crianças.

Assim, após o prazo de 36h (trinta e seis horas) de adequação dos óvulos, haverá a punção destes, com a consequente doação de material genético por parte do parceiro, ou mero recolhimento do material previamente congelado, sendo que óvulos e espermatozoides são analisados e fecundados. A verificação de eventual fertilização ocorre 48h (quarenta e oito horas) após o procedimento supramencionado, e, caso frutífero, os embriões serão inseridos no útero, com realização de teste de gravidez 14 (quatorze dias) após a inserção (RECKZIEGEL; DUARTE, 2020).

Por outro lado, a reprodução com gametas, ou Gamete Intrafallopean Transfer (GIFT), consiste no recolhimento dos óvulos da mulher, bem como o esperma, através de laparoscopia sendo ambos os materiais genéticos colocados numa cânula especial, preparados conforme o protocolo médico, sendo tal junção introduzida em cada uma das trompas de falópio, onde a fertilização passa a ocorrer naturalmente.

A técnica em comento – Gamete Intrafallopean Transfer – e a fertilização in vitro diferenciam-se pelo fato de que daquela ocorre no interior do corpo feminino, não extracorporeamente, como a última. Assim, tal técnica surge como uma alternativa às fertilizações in vitro para o oferecimento de condições mais naturais de desenvolvimento, migração e nidação para o embrião, o que reduz o risco de gravidezes extrauterinas/ectópica (SÁ E NAVES, 2011).

A Zygote Intrafallopean Transfer (ZIFT), é variante da fertilização in vitro. Assim, é posto o material genético masculino em contato com os óvulos, sem que seja dentro do corpo da mulher, havendo a formação do zigoto com a fecundação. A diferença entre esta técnica e a GIFT é que “[…] nesta, a fecundação ocorre dentro do corpo da mulher, nas trompas, enquanto na técnica ZIFT, ocorre fora do corpo da mulher” (FERRAZ, 2011, p. 48).

A técnica é indicada para casais que não corresponderam à estimulação ovariana com inseminação intrauterina durante cinco ou seis ciclos, sendo a ZIFT mais rápida que a GIFT, havendo menos chances, inclusive, de uma gestação múltipla, ainda, é indicada quando transcorrido o lapso de 1 (um) ano de tentativas de fecundação natural (FERRAZ, 2011).

Já nos casos mais peculiares, onde a mulher não pode gerar filhos em decorrência de indicação médica, ou devido à ausência do útero, como alternativa tem-se a maternidade de substituição.

Neste ponto, importante salientar como bem aponta o doutrinador Ferraz (2011, p. 49), a possibilidade de “[…] ser feita a distinção entre mãe portadora e mãe substituta, recebendo a primeira o óvulo do casal já fecundado, enquanto a segunda é inseminada com o esperma do marido da solicitante, fornecendo também o óvulo”. Portanto, a mulher que carrega o feto pode ou não transmitir informação genética ao feto, a depender da modalidade adotada.

Indubitável, pois, que referidas modalidades de implantação de material genético acarretam inúmeras discussões no plano bioético, moral e jurídico, sobretudo a depender da forma utilizada, homóloga ou heteróloga, mormente na seara dos direitos fundamentais, conforme se fará ver a seguir.

 

2.3 REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA HOMÓLOGA E HETERÓLOGA

A procriação medicamente assistida subdivide-se em duas espécies, a Inseminação Artificial Homóloga e a Inseminação Artificial Heteróloga.

A Inseminação Artificial Homóloga, é aquela em que se utilizam os gametas das pessoas diretamente envolvidas na concepção. Sendo assim, pressupõe-se que o casal não é infértil, simplesmente não ocorre a fecundação dos materiais genéticos por meio do ato sexual, fazendo-se necessário o uso da técnica assistida para formação do embrião (DIAS, 2017).

Doutro norte, a Inseminação Artificial Heteróloga, ocorre quando são utilizados gametas de terceira pessoa que não do casal envolvido. A reprodução pode ser dividida em total ou parcial. No total, nenhum material genético provém do casal, e na parcial o material genético de pelo menos um dos membros do casal é usado, ou seja, neste caso, a pessoa gerada poderá ter metade ou nenhuma informação genética do casal. A inseminação heteróloga, portanto, é marcada pela figura de um terceiro sujeito denominado doador.

Considerando que na procriação homóloga utiliza-se o material genético do casal que pretende ter filhos, não há muitos questionamentos acerca de sua utilização, havendo poucas opiniões contrárias.

Em contrapartida em relação à procriação heteróloga, há inúmeros questionamentos quando sua prática, sobretudo oriundos da área de direito de família e da bioética, além dos obstáculos sociais, morais e religiosos.

Alguns dos argumentos utilizados pelos que se mostram contrários ao uso da procriação heteróloga são: o princípio da dignidade da pessoa humana iria impor a biologia como elemento exclusivo determinador de toda e qualquer filiação; a figura de uma terceira pessoa iria quebrar a intimidade do casal afetando a harmonia familiar; a não aceitação da invasão de um terceiro pelo fato de existir a possibilidade de adoção que resolveria o desejo de ter filhos. Alegam também ser inconstitucional, pois viola o direito fundamental da família à proteção da sociedade e do Estado.

Nesse contexto, a permissibilidade da reprodução assistida heteróloga levanta duas questões principais, de um lado o direito da pessoa gerada em saber sua identidade genética, considerando que não optou pelo meio pelo qual veio ao mundo, de outro, o direito ao anonimato do doador (GARBIN, 2012).

A regra é que o doador do material genético deve permanecer no anonimato, salvo para evitar obstáculos legais ao projeto de casamento, quando doador o permite explicitamente e nos casos em que envolve doenças genéticas.

Por fim, as legislações favoráveis ao uso das técnicas de procriação medicamente assistida heteróloga, afastam do doador de gametas a progenitura da criança que irá nascer. Conforme bem pontua a doutrinadora Dias (2017, p.425) “o fornecedor do material genético é afastado da paternidade, estabelecendo-se uma filiação legal.”, ou seja, o vínculo de filiação será reconhecido com aquele que tinha o projeto parental, bem como todos os direitos e deveres decorrentes desse vínculo.

 

2.4. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA

No campo da reprodução assistida, o princípio mais importante é o da dignidade humana. Este é a base sobre a qual repousa a República, portanto, possui um lugar especialmente reservado na Constituição Federal, razão pela qual é chamado de “princípio dos princípios”.

Ao longo dos anos, o conceito de dignidade tem progredido no campo sociológico e antropológico. Para Immanuel Kant cada indivíduo possui valor interno absoluto, sendo cada ser humano insubstituível, pelo caractere impassível de relativização que porta em si, sendo aquele que não tem preço, não tem equivalente ou substituto. (RECKZIEGEL; DUARTE, 2020).

Kant afirma que o homem é um fim em si mesmo e jamais um mero meio para esta ou aquela vontade. Com esse pensamento, o autor quer demonstrar que o agir humano, seja em relação à sua própria pessoa, ou a outras vontades quaisquer, tem como norte a ideia de humanidade como um fim e não como meio.

Baseado no conceito da cosmovisão kantiana, Lobo (2002) esclarece que a dignidade é tudo que não possui preço, e quando uma coisa é precificada, é possível substituir qualquer outra em seu lugar, portanto, não terá dignidade.

Para Miranda (2000), a dignidade da pessoa humana é que dá sentido às constituições, lugar onde é considerada o fundamento e o fim da sociedade e do Estado. Portanto, não se trata de unidade de sistema, mas sim de unidade de pessoas.

Sob este prisma, o princípio da dignidade humana impõe limites à ação do Estado, e o poder público não pode praticar atos que o violem. Assim sendo, deve ter por objetivo principal a promoção de uma vida digna para todos.  Importante lembrar que esse limite é imposto às relações entre os particulares, proibindo qualquer comportamento que prejudique a dignidade.

Por meio do explanado, pode-se dizer que as constituições modernas fazem do ser humano um elemento essencial de proteção jurídica, valorizando sua condição individual, política, social e também espiritual.

Portanto, com base no conceito trazido pelo doutrinador a bioética é a garantia constitucional da dignidade humana, e como consequência, o respeito à pessoa humana manifesta-se como limitador de qualquer legislação sobre a reprodução humana assistida e como limite na atuação do profissional que atuará nesse processo.

A definição do conceito de dignidade de pessoa humana – muito embora intrínseco às pessoas a consciência do que é a dignidade, especialmente quando por situações de concretas violações do direito – é de difícil elucidação.

De acordo com Sarlet (2013) a ampla aplicabilidade da dignidade humana, ainda que bem intencionada, dificulta sua caracterização. A dignidade trata, portanto, de uma abrangência dos fatos da vida que vai além da simples concretude axiológica, resvalando na própria constituição humana como valor, o que acaba prejudicando uma compreensão satisfatória do que efetivamente é o âmbito de proteção do referido direito.

Para Serrão (2005), a dignidade humana deve ser avaliada sob três níveis: filosófico, biológico e psicológico. No aspecto filosófico, é reconhecida como um valor e exige de todos respeito, liberdade de ação e não instrumentalização da pessoa.

Na perspectiva biológica, a dignidade seria expressa através do corpo como suporte de cada existência individual. Uma vez constituído um material genético, resultante da conjugação de um homem e uma mulher, estará criado um novo ser vivo, único, irrepetível e insubstituível. E por fim, na reflexão psicológica, a dignidade é tratada como a descoberta do que acontece na autoconsciência de cada indivíduo.

Vê-se, portanto, que o legislador constitucional não se limitou, a impor um dever de regulamentar à procriação medicamente assistida. Forneceu ainda uma referência normativa, uma indicação de princípios, a que o legislador ordinário se deverá submeter, ao exigir que a matéria seja regulada em termos de salvaguardar a dignidade da pessoa humana.

Insta frisar que correlatos ao princípio em comento, há também o direito de personalidade visto no capítulo anterior, bem como o princípio da autonomia privada, reconhecendo ao ser humano a liberdade de decisão e condução da sua vida, importantes princípios que se lincam quando em debate o tema em questão.

Já concernente ao direito de família a sua convergência sobre as técnicas de reprodução assistida, é compreendido através do direito de filiação e procriação. Este assegura o direito de constituir uma família que possa ser constituída em condições de igualdade, abrangendo o direito de procriar e de constituir um vínculo de filiação. Se destaca como garantia superior do direito de família a proteção e o desenvolvimento das crianças, em especial, o direito de conhecer sua origem genética em torno do anonimato do doador.

Por todo o exposto, muito embora não exista uma conceituação pacificamente aceita, o fato é que, como princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca reconhecida a cada ser humano, e por gozar de status de norma jurídica constitucional, reclama a proteção de todos, seja do Estado, seja dos membros da sociedade.

 

3 TÉCNICA DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS ENVOLVENDO DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PERSONALIDADE

 Conforme descrito no capítulo 1, os direitos da Personalidade são de suma importância para cada pessoa, sendo sua constituição formada pela junção de inúmeros princípios que não raras vezes acabam por se colidir.

Considerando que não há princípios absolutos, a solução que se apresenta é de se buscar a harmonização entre os direitos contrapostos (GARBIN, 2012).

Assim sendo, efetua-se a seguir estudo sobre referidos embates, bem como formas de decidi-los.

 

3.1. CRITÉRIOS DE DISTINÇÃO ENTRE NORMAS, REGRAS E PRINCÍPIOS

Considerando que não raras vezes ocorre a colisão entre direitos fundamentais o presente capitulo tem por fito analisar a proposta apresentada por Alexy por meio do estudo da distinção propostas pelo doutrinador entre normas, regras e princípios.

Os direitos fundamentais são de suma importância, estabelecendo relação entre o Estado e os direitos individuais de cada cidadão, apontando até onde as leis e os tribunais podem interferir nos direitos de cada indivíduo. Toda norma jurídica criada deve estar em conformidade ao sistema, ou seja, deve se basear nos princípios fundamentais da Constituição.

Referidos direitos que balizam a Carta Magna constituem-se em um sistema de princípios e regras que têm como objetivo a proteção do ser humano em suas três dimensões, quais sejam, liberdade -direitos e garantias individuais-, necessidades -direitos sociais, econômicos e culturais- e à sua preservação. Assim, os princípios condicionam a validade, a interpretação e a integração dos atos, negócios e contratos (MIRANDA, 2000).

As categorias jurídicas são distinguidas entre, norma, regras e princípios.  Tal distinção constitui a base da justificação, bem como um ponto importante para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais.

Para Alexy (1993) a distinção entre regras e princípios é um dos pilares fundamentais do edifício da teoria dos direitos fundamentais. Nesse sentido, regras e princípios são subespécies de normas. Ambos são normas, assim, a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre dois tipos de normas.

Nessa linha de pensamento, os princípios constituem a base dos sistemas normativos. Segundo esse critério, os princípios são normas que possuem um grau de generalidade mais alto que as regras. O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que estes são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas existentes. Desse modo, os princípios são mandados de otimização (AMORIM, 2005).

Doutro norte, com entendimento antagônico Dworkin (2010) sustenta que os princípios devem ser analisados por dois critérios. Primeiramente o de ordem lógica, ocorrendo a hipótese de incidência e sendo a norma válida, a consequência jurídica necessariamente deve acontecer. Já o segundo, considera que os princípios não são automaticamente aplicados, por comportarem várias exceções.

Por outro lado, as regras são normas que podem ou não ser cumpridas. Se uma regra é válida, então há de fazer exatamente o que ela exige, de acordo com o descrito. Por isso, as regras contêm determinações definitivas no âmbito fático e juridicamente possível. Assim sendo, caracterizam-se pelas atribuições de poder e/ou competência, com uma estrutura lógica de uma situação hipotética e determinadas consequências juridicamente prescritas, ou seja, fato e consequência (AMORIM, 2005).

Conclui-se então, que as regras são normas que expressam deveres definitivos, prescrevendo exatamente o que deve ser feito. E os princípios, por sua vez, por serem considerados mandamentos de otimização, são normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas visando criação de condições mais favoráveis para o desenvolvimento dos direitos. Isso significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de grau.

“Nota-se, pois, que a distinção reside na própria estrutura dos comandos normativos e não somente na sua extensão ou generalidade das proposições de dever/ser” (BUSTAMANTE, 2002, p. 3).

Portanto, a diferenciação entre as subespécies regras e princípios se dá a partir de critérios ou classificações, tais como, grau de abstração, de determinabilidade, de fundamentalidade.

No grau de abstração, os princípios possuem um grau elevado, enquanto as regras, um grau reduzido. Quanto ao grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto, os princípios são tidos como vagos, necessitando de mediações concretizadoras, por outro lado as regras podem ter aplicação direta.

O grau de fundamentabilidade ilustra que os princípios são normas de natureza estruturante com papel fundamental no ordenamento jurídico. Os princípios são os fundamentos das regras, ou seja, são normas que estão na base das regras jurídicas, dado seu caráter de “fonte” do direito.

Em contrapartida, as regras são normas fixadas/delineadas que exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos. E os princípios, por sua vez, não proíbem ou permitem algo em termos definitivos, mas sim buscam a otimização de um bem jurídico ou de um direito, tudo dentro da reserva do possível.

Diante disso, a busca pela diferenciação entre normas, regras e princípios visa desenvolver uma forma de solucionar conflitos e colisões entre os direitos fundamentais. Com frequência há casos concretos em que os princípios de uma pessoa colidem com os princípios de outra, requerendo assim o máximo de interpretação para aplicação de uma solução justa para ambas as partes.

 

3.2. COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS/DIREITOS FUNDAMENTAIS E A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO

Considerando que regras e princípios coexistem e compõe o ordenamento jurídico, inevitável haver conflitos entre regras, entre regras e princípios e entre princípios, tais ocorrências denominam-se antinomias jurídicas e levam o legislador a decidir qual direito deverá prevalecer em detrimento do outro à luz do caso concreto. A identificação de colisão de interesses entre uma regra ou de um princípio é de fácil distinção.

Se tratando de regras que incidem sobre uma determinada hipótese fática, contrariando-se, a solução dar-se-á por três critérios, quais sejam, cronológico, hierárquico e o da especialidade. De acordo com o critério cronológico, a regra posterior revoga a anterior. Pelo segundo critério, o hierárquico, a regra superior revoga a inferior. E por fim, o da especialidade, a regra especial revoga a regra geral (BOBBIO, 1996).

Doutro norte, quando da colisão entre princípios fundamentais o mesmo não ocorre, uma vez que não há hierarquia entre princípios.  Assim sendo, a solução far-se-á por meio da ponderação segundo os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, tendo em vista que a solução dependerá do peso e da importância de cada uma no caso concreto, que não será invalidado, mas apenas não aplicado na situação, porém visando sempre buscar a concordância de ambos de uma maneira harmônica e equilibrada (CARDOSO, 2006).

Segundo Campos (2004), quando há direitos fundamentais em conflito perante um fato, é necessário que sofram eles uma ponderação em razão do bem ou do valor que se pretende tutelar naquele caso específico. É necessária a constante busca da harmonia entre direitos.

À vista disso, ponderar significa observar qual dos princípios possuiu maior “peso”, porém não significa que um destes deva ser desprezado, uma vez que ambos têm valor e interesse social, portanto, o que determinará que princípio deverá ceder serão as circunstâncias. Conforme aponta, Bessa (2005, p.8)

[…]deve haver um sopesamento dos interesses envolvidos no caso controvertido, a fim de que seja fixado qual princípio deve ter prevalência sobre aquele outro que se põe em oposição aos seus preceitos. Trata-se, da aplicação de critérios de justiça prática.

Outrossim, segundo Reckziegel (2006) ponderar consiste em, considerando as circunstâncias do caso, estabelecer entre os princípios uma relação de procedência condicionada. Ou seja, no caso de colisão os princípios precisam ser “pesados” para que um ceda ante o outro.

Assim, enquanto o conflito entre regras deve ser solucionado pelos critérios supramencionados alhures, a colisão entre princípios deve ser resolvida na dimensão do “peso”.

Isto posto, considerando a teoria de Alexy pode-se considerar que a ponderação é feita por meio de alguns passos: (i) primeiro se investiga e identifica os princípios – valores, direitos, interesses – em conflito, e quanto mais elementos forem trazidos mais correto poderá ser o resultado final da ponderação; (ii) segundo, atribui-se o peso ou importância que lhes corresponda, conforme as circunstâncias do caso concreto; e (iii) por fim, decide-se sobre a prevalência de um deles sobre o outro. O resultado da ponderação é a decisão em si. Quanto maior seja o grau de prejuízo do princípio que há de retroceder, maior há de ser a importância do cumprimento do princípio que deve prevalecer (SANTIAGO, 2000).

Além disso, considerando que a ponderação está vinculada ao princípio da proporcionalidade e que esta, por sua vez, é composta pelos subprincípios, (i) idoneidade/adequação ou conformidade; (ii) necessidade ou exigibilidade e (iii) proporcionalidade, necessário sua observância na aplicabilidade da técnica em comento.

Assim, a restrição de um direito fundamental será válida se cumpridos tais requisitos: a adequação, isto é, a restrição deve ser meio adequado e idôneo para o fim visado; a necessidade, isto é, a restrição deve ser indispensável e ter apenas a medida estritamente necessária, proibindo-se o excesso; a proporcionalidade, ou seja, a restrição deve ser feita em nome de um fim proporcional e digno de tutela equivalente, exigindo-se uma medida justa entre meios e fins.

 

3.3. POSIÇÕES ACERCA DA PREVALÊNCIA DO ANONIMATO DO DOADOR OU A PREVALÊNCIA DO DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL E GENÉTICA

Primeiramente, pontua-se os fundamentos utilizados pelos defensores do direito ao anonimato do doador.

Para Pinheiro (2005), aqueles que mantêm o anonimato acreditam que o sigilo seria a melhor opção, pois do contrário estaria infringindo os direitos à privacidade e à intimidade do casal que optou pelo uso da técnica assistida, sendo que a família poderia ser abalada pela intrusão de terceiro, tanto quanto para o próprio doador, que não deseja ser procurado porque ser o pai de alguém que não tem interesse em ser. Além disso, a identificação do doador pode levar a uma diminuição do número de doadores, fator essencial para superar os problemas de infertilidade, por meio do acesso ao uso da técnica por quem não pode gerar com seu próprio material genético.

Nesse sentido, pontua Leite (2000, p.78) que  “o anonimato é a garantia da autonomia e do desenvolvimento normal da família assim fundada e também a proteção leal do desinteresse daquele que contribui na sua formação”, tirar a garantia de proteção da intimidade e do patrimônio do homem ou da mulher que se dispõe a doar seria abandonar qualquer possibilidade de convivência ou relação de afeto, seria desmotivar a doação e torná-la uma tecnologia inútil, que deixaria de amparar aqueles com dificuldade ou impossibilidade de procriar.

De acordo com Lisboa (2012, p. 120) o “dever de sigilo é inerente à reprodução humana assistida, apenas se admitindo em caráter excepcional a transmissão das informações para outro médico, com finalidade exclusivamente profissional”. As exceções tanto ao direito como ao dever da confidencialidade podem ser feitas mediante autorização expressa do doador, da lei ou ordem expressa do tribunal, uma razão imperativa e justa relacionada com a saúde ou com a segurança do indivíduo ou de terceiros, ou ainda, o respeito a um interesse superior, como o da coletividade.

Assim, verifica-se que o segredo é extremamente decisivo para proteger o valor da intimidade da vida privada e familiar, sendo sua revelação um fator de violação dos direitos do doador.

Outrossim, a doação toca o cerne do direito à privacidade. Por esse motivo, o pesquisador tem o dever de sigilo para com o sujeito da pesquisa, seja associado a material biológico ou outro inerente à pesquisa, sendo responsável pelo gerenciamento desses dados e mecanismos para obtê-lo e armazená-lo. Assim, o sujeito da pesquisa possui o direito de preservar o anonimato do patrimônio sabendo que o conhecimento da estrutura genética é um elemento suscetível de atingir a privacidade (FERNANDES; MARTINS, 2012).

Pelo exposto, as principais razões apontadas pelos doutrinadores que defendem o anonimato são: (i) a garantia da intimidade e da vida privada; (ii) a promoção do bem-estar da criança bem como da família, poupando a descoberta de uma terceira pessoa na sua procriação, o que poderia resultar em traumas resultante da descoberta; (iii) a garantia do anonimato como meio de encorajar a doação; (iv) garantir aos pais da pessoa gerada a impossibilidade do doador anônimo obter qualquer direito sobre a criança.

Doutro norte, para os que defendem o direito à identidade pessoal e genética da pessoa gerada, a reprodução assistida não deve ser utilizada apenas para satisfação dos interesses dos genitores, mas principalmente aos da criança que virá a nascer, sendo, desta forma, possível a identificação e conhecimento da herança genética.

Nessa linha de pensamento, a manutenção da regra do anonimato do doador de material genético afrontaria os seguintes princípios constitucionais: i) da violação do direito à identidade pessoal, donde decorre um direito ao conhecimento de sua ascendência genética; ii) violação do princípio da igualdade e; iii) violação do primado da dignidade da pessoa humana e do dever do estado de proteção da infância.

Para Moreira Filho (2009) o direito ao reconhecimento da origem genética é um direito personalíssimo de todo infante não sendo passível de obstáculos, renúncia ou disponibilidade por parte dos genitores. O doutrinador Barbas (2006) descreve que a prevalência do direito à identidade genética do filho, é uma forma de respeitar a sua dignidade, historicidade, bem como a liberdade.

Para Canotilho e Moreira (2007), o direito à identidade abrange a historicidade pessoal, que se traduz no direito ao conhecimento da identidade dos progenitores, sendo um elemento importante para a auto definição do indivíduo, revelando as origens do seu ser, e interferindo, de sobremaneira na formação da personalidade.

Já de acordo com Moreira Filho (2002), a prevalência do acesso à carga genética parte do princípio da isonomia, devendo ser interpretado no sentido de igualdade entre todos os filhos. Os procriados por intermédio da reprodução medicamente assistida devem ter o direito de conhecer a sua origem genética, ou seja, os pais biológicos, sem que isso acarrete a descontinuidade da filiação jurídica e sem implicar qualquer outro direito inerente à filiação que não seja do reconhecimento genético.

Por fim, é preciso analisar a regra do anonimato frente à luz do princípio da dignidade humana. O fundamento de que, o direito à identidade pessoal, já consagrado na Constituição, abrange o direito ao conhecimento da verdade pessoal, onde ninguém deve ser obrigado a viver contrariamente àquilo que realmente é.  Assim, viver com dignidade é ter acesso a essa verdade genética para que a pessoa possa, diante dessas informações, desfrutar de sua existência de forma digna.

À vista do exposto, dignidade, direitos fundamentais e de personalidade, pois, compõem os instrumentos de proteção do indivíduo na sociedade e no Estado, reconhecendo suas especificidades e sua individualidade.

Para Reis (2008) que defende uma posição intermediária, não seria necessário a identificação do doador, mas somente o acesso à sua identidade genética.

Nessa linha de pensamento, o anonimato seria constituído em graus, sendo possível numa primeira fase revelar à criança gerada que esta nasceu através de uma técnica de reprodução assistida, e, na segunda fase, permitido revelar os antecedentes genéticos do doador, sem precisar revelar a identidade. De acordo com o doutrinador, a admissibilidade do conhecimento do doador deve ocorrer, de forma excepcional, mediante uma decisão judicial.

Desse modo, vê-se que o posicionamento intermediário, não protegeria o interesse das pessoas geradas que se quer escolheram nasceram sob a alçada do anonimato, posição que seria destoante a ordem constitucional que assegura os princípios da igualdade/isonomia.

 

3.4. APLICAÇÃO DA PONDERAÇÃO PARA RESOLUÇÃO DO CONFLITO ENTRE O DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL E GENÉTICA E O DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR

É por não haver absolutismos constitucionais que o tema se reveste da inegável importância até então apontada. As circunstâncias concretas, assim, dão espaço única e exclusivamente à sua análise dentro do panorama da ponderação, onde a horizontalidade dos direitos fundamentais reflete a inafastável necessidade de observar os direitos em conflitos.

Conforme descrito acima, para a aplicação da referida técnica é necessária a observância do princípio da proporcionalidade, levando em consideração seus subprincípios, adequação, necessidade e proporcionalidade (sentido estrito). Para o doutrinador Brito (2017), não seria obrigatório a análise através dos três subprincípios, ou seja, a relação entre eles seria subsidiária. Assim sendo, só se deveria analisar se uma medida seria necessária após verificar se a mesma seria adequada.

O subprincípio da adequação dispõe que o ato será adequado se o meio escolhido por ele alcançar ou promover o fim pretendido.  Ou seja, na panorâmica em questão, o anonimato do doador seria o meio adequado para promover a defesa do direito fundamental de personalidade à intimidade, privacidade, do terceiro que doa seu material genético na procriação medicamente assistida heteróloga.

Já no que toca ao subprincípio da necessidade, é necessário a realização de um exame comparativo, levando em consideração a gravidade do meio escolhido e o objetivo que se pretende. A medida adotada deve ser considerada necessária se não existir outro meio menos gravoso para atingir o mesmo objetivo.

No caso da problemática, a questão é se a defesa do direito fundamental de personalidade da intimidade, ou seja, anonimato do doador pode ser alcançada por outros meios menos gravosos que ao direito fundamental à identidade pessoa e genética da pessoa nascida a partir da reprodução assistida.

Considerando que, neste caso, não há como harmonizar o conflito que existe entre os direitos fundamentais de personalidade em conflito, passa-se para a terceira etapa da ponderação, que é a análise da proporcionalidade.

O subprincípio da proporcionalidade leva em conta a gravidade da restrição do direito que foi atingido e a importância da realização do direito fundamental colidente. É neste momento, que se deve analisar qual o direito vai ser protegido em detrimento do outro.

De acordo com Brito Cardoso (2007, p.149), baseado na teoria de Alexy, a aplicação da proporcionalidade em sentido estrito deve ser dividida em três etapas:

Primeiro deve ser determinada a intensidade da intervenção, ou seja, o grau de restrição ou de não satisfação atingido. Depois deve-se averiguar a importância das razões que justificam tal intervenção, ou seja, a importância de satisfazer o direito concorrente. Por fim, deve-se fazer a ponderação entre as respostas das duas fases anteriores, concluindo se a importância de se satisfazer ou não o princípio concorrente justifica a restrição do direito atingido.

Nesse sentido, no que atine ao grau de restrição ou não satisfação do direito fundamental de personalidade, referente ao conhecimento da origem pessoal e genética, percebe-se que dá-se em grau máximo, sendo que as legislações que impõe a prevalência do anonimato, como por exemplo a Resolução do Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM nº 2.320/2022) permite, excepcionalmente, a relativização da regra quando a doação do material genético é feita para parentes até o 4º grau, ou nas situações de motivação médica, todavia, devendo ser resguardada a identidade civil do doador, sendo as informações pertinentes ao quadro reveladas exclusivamente aos profissionais da saúde.

Vê-se então, que dos argumentos apresentados pelos doutrinadores nos capítulos anteriores, as razões justificativas da ausência do anonimato são juridicamente mais aceitáveis, possuindo mais impactos do que as razões invocadas para a defesa do anonimato, frente à evolução do direito e da sociedade.

À vista disso, o princípio do superior interesse do menor leva à proteção do direito fundamental de personalidade da identidade genética e pessoal da criança gerada atrás da reprodução assistida, em detrimento do direito fundamental de personalidade da intimidade daquele que, por ato livre e consciente, participou do projeto parental, doando seu material genético.

Importante rememorar que o reconhecimento do doador não implicará no reconhecimento do vínculo jurídico de filiação, tendo em consideração que o critério para fixação dessa filiação não leva em consideração a identidade biológica.

A problemática desse modo recai sobre a questão: o anonimato do doador prejudicaria a proteção do superior interesse da criança? Seu bem-estar, saúde, inteligência, equilíbrio emocional e psicológico estariam em perigo? Com base na evolução da sociedade e da complexidade humana e suas relações, tudo indica que sim.

Dos argumentos apresentados nos capítulos acima nota-se que as opiniões são divergentes. Para Costa (2012) as crianças que nascem neste século não estranham a maneira como vieram ao mundo e por isso não há a necessidade de reconhecer a origem genética. Já para Carmo (2017) é controverso as crianças nascidas por reprodução assistida desconhecerem sua origem.

Todavia, diante do explanado, fato é que de acordo com os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, ninguém será privado do direito de compreender o seu nascimento, do direito ao autoconhecimento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 O ser humano é um sujeito de direitos e obrigações. Logo, possui personalidade jurídica, que significa que atribui à pessoa personalidade física, moral e jurídica, em acordo com suas vontades e atitudes. Referidos direitos de personalidade jurídica são absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, vitalícios e necessários.

A base da fundamentação para a proteção dos direitos de personalidade encontra respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana. O reconhecimento da dignidade determina que o ser humano é o centro do ordenamento, no qual suas vontades, necessidades e ações deverão ser respeitadas.

Nesse sentido, mister distinguir os direitos de personalidade dos direitos fundamentais. Enquanto os direitos de personalidade incidem sobre a realidade e as relações interpessoais, os direitos fundamentais são os atribuídos pela Constituição Federal com determinações. Nesse contexto, os direitos fundamentais são gênero, enquanto os da personalidade são espécies, isto é, os primeiros contêm os últimos.

O direito à identidade pessoal e genética caracteriza cada pessoa como uma unidade individual, se diferenciando das outras graças às suas vivencias.  Já o direito à reserva da intimidade da vida privada reconhece o espaço de privacidade à pessoa para que a esta possa se sentir à vontade, seja na vida pública ou na vida privada.

No presente trabalho, verificou-se que a reprodução medicamente assistida é um conjunto de técnicas utilizadas na formação de um embrião humano, sem o uso do coito, para solucionar o problema dos casais que por algum motivo não podem ter filhos pelos meios naturais. Observou-se também que na doutrina não existe um consenso sobre o uso das técnicas de procriação medicamente assistida, havendo argumentos favoráveis e contrários.

A reprodução humana assistida pode ser definida como heteróloga ou homóloga, a depender do uso dos gametas. Se a fecundação for realizada com espermatozoide e ovócito do casal, sem um terceiro doador de material genético, será definida como homóloga. Todavia, se for necessário o uso do material genético de um terceiro doador, será denominada como heteróloga, fator que desencadeia a discussão do presente trabalho.

O princípio alicerce constitucional, é o da dignidade da pessoa humana, tal princípio determina limites na atuação do Estado, para que o poder público não venha a praticar atos que violem o cidadão, e deverá ter como principal objetivo garantir uma vida digna a todos. Além disso, impõe também limites as relações privadas, proibindo atos e atitudes que perturbe a dignidade de qualquer indivíduo.

No decorrer do trabalho foi discutido as diferenciações entre norma, regra e princípios jurídicos. As regras e os princípios são normas, e se distinguem em relação à validade. Os princípios não possuem dimensão de validade e hierarquia, mas se baseiam por “peso” ou importância. Assim, caso ocorra colisão entre os princípios, irá prevalecer o que possuir maior importância em determinado caso, sem tornar inválido o outro princípio.

Em havendo a colisão entre princípios e não sendo possível alcançar a harmonia, a solução será aplicar o princípio da proporcionalidade, desenvolvido por Robert Alexy. Esse princípio é composto por três subprincípios: idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Por meio da idoneidade, é possível analisar se o meio escolhido é adequado para atingir o objeto que se pretende. Por meio da necessidade, será procurado o meio menos injurioso aos valores protegidos pela Constituição. E, por fim, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, será a busca pela ponderação, autorizando a restrição de um direito fundamental em detrimento de outro.

Observou-se que na procriação medicamente assistida heteróloga existe a colisão de direitos fundamentais, o direito de conhecer a origem genética da pessoa gerada em face do direito à intimidade do doador que doou o material genético.

Há os que defendem a prevalência do direito ao anonimato do doador, os que defendem o direito à identidade pessoal e genética da criança e os, que defendem o direito ao anonimato estabelecendo que em um devido momento a regra do anonimato deveria ser afastada.

O doador do material genético, no momento da doação sabe que o seu consentimento estará criando limites ao seu próprio direito fundamental à reserva sobre a intimidade da vida privada, considerando haver exceções a regra do anonimato, tomando este a decisão de modo consciente e voluntário.

Doutro norte, há de se observar também o princípio da dignidade da pessoa humana e do supremo interesse da criança. Em sendo assim, conclui-se que cada caso deverá ser analisado com cautela, devendo a ponderação ser realizada observando as peculiaridades e aspectos do caso concreto, dada a complexidade de cada situação e os direitos em colisão.

 

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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 2.320/2022. Disponível em:<https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2022/2320>. Acesso em 05 de nov. 2022.

 

* Acadêmica graduanda em Direito – Unoesc – Campus de Pinhalzinho/SC;

** Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc. Mestre em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc. Especialista em Direito Constitucional com ênfase em Direitos Fundamentais pela Faculdade CERS. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil e especialista no Novo Sistema Processual Civil Brasileiro pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc. Professora do Curso de Direito da Universidade de Santa Catarina – Unoesc, Campus de São Miguel do Oeste e Unidade de Pinhalzinho. Advogada. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa “Interculturalidade, Identidade de Gênero e Personalidade”, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina. E-mail: danielazilio@yahoo.com.br.

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