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A TRIBUTAÇÃO DAS OPERAÇÕES DE LICENÇA DE USO COM SOFTWARE AS A SERVICE (SaaS) E O ISS.

Por Bárbara Mambrini Siqueira, Bacharela em Direito CESUSC, Pós-graduada em Direito Público e Contabilidade e Gestão Tributária pela FURB.

A tributação das diversas manifestações de riqueza, tem se demonstrado como fonte derivada e indispensável para a manutenção do Estado e para a prestação de diversos serviços em prol da sociedade.

Tradicionalmente, a tributação recai sobre diversas manifestações de riqueza, como a renda, a propriedade, o consumo. Apesar de não haver mudanças nas espécies de manifestações, os bens e serviços sobre as quais elas recaem mudaram drasticamente no decorrer dos anos com a evolução tecnológica e economia digital. Conforme destaca Matheus Bertholo Piconez:

Houve uma grande mudança com relação aos negócios tradicionais, em que o componente físico e local era muito relevante. No final do século XX, apesar da grande internacionalização das empresas e da forte presença de multinacionais, a economia ainda era “real”, ou seja, as trocas físicas de mercadorias predominavam. Atualmente, por outro lado, denota-se um grande aumento no fluxo de informações, e uma grande parcela muito relevante da economia agora se alicerça em bens intangíveis e conteúdo digital e imaterial.

Dentre essas evoluções, podemos destacar o Software. Aparcela que recaia sobre o consumo, decorrentes das operações com Softwares, materializados através de um suporte físico, deram espaço ao download e, posteriormente Software as a Service, por meio de acesso na nuvem.

Assim, faz-se mister analisar se as respectivas operações, decorrentes da evolução digital, ainda se enquadram nos conceitos tradicionalmente fixados pelo constituinte por meio da repartição de competência.

O objetivo principal do presente trabalho é analisar a eventual possibilidade de incidência do Impostos sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre as operações com Software as a Service, para isso, analisando a doutrina e os posicionamentos jurisprudenciais dos tribunais superiores já exarados.

Para a elaboração do presente trabalho foram levantados os seguintes problemas.

Há a efetiva incidência do ISS sobre as operações com Software as a Service? As respectivas operações de adequam ao aspecto material do ISS, previsto pela legislação brasileira?

Sendo que a hipótese, sujeita a eventual confirmação ao final deste trabalho, é de que há a efetiva incidência do ISS sobre as operações com Software as a Service e esta se adequa perfeitamente aos ditames do aspecto material previsto pela Sistema Tributário Nacional brasileiro.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

2. ASPECTOS CONCEITUAIS DO SOFTWARE.
2.1. Definição e Classificações Gerais.

O software pode ser definido como “um grupo de instruções lógico-matemáticas que devem ser seguidas em ordem fixa (algoritmo) e que, se dadas especificamente a um computador, permitem-no calcular a solução (output) para um determinado problema (input)”.

De acordo com o Art. 1º, da Lei n. 9.609/98, o software é definido como:

Art. 1º (…) a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.

Desta forma, pode-se observar que o software é “por essência um bem intangível, que pode ser materializado ou não em uma plataforma ou suporte físico, este, quando presente, servindo como simples veículo”.

Segundo Gustavo Lian Haddad e Vinícius Nogueira, os softwares podem ser classificados em três grandes categorias: a) firmware; b) Sistemas operacionais e; c) Programas aplicativos.

Firmwares são programas que estão presentes e gravados dentro do próprio chip do computador, ou seja, sua única função é a leitura da memória ROM.

Os programas operacionais seriam responsáveis pelo gerenciamento da máquina. Assim, “permitem a comunicação geral entre ela e seu operador, escalonando entrada e saídas, e alocando seus recursos físicos (sobretudo memória) de forma a permitir que unidades de processamento recebam e executem as instruções de programas aplicativos”.

Por fim, os programas aplicativos são aqueles que são responsáveis pela execução de tarefas e objetivos específicos. Tem como finalidade exclusiva a solução de problemas determinados do usuários. Por exemplo, os programas de edição de texto, tratamento de fotografia, reprodução de músicas etc.

Ainda acerca da classificação dos softwares, Rodrigo Maito da Silveira e Antônio Carlos de Almeida Amendola fazem uma importante distinção entre os softwares base e softwares de aplicação. Os softwares de aplicação são aqueles que são objeto de negócio jurídico próprio, ou seja, constituem-se em um bem em si mesmo. Já os softwares base, são programas indispensáveis para a operacionalidade de outro bem, como por exemplo, os softwaresinstalados em veículos, maquinas e equipamentos em geral. Portanto, o seu preço já estão embutidos na aquisição do próprio bem.

Também é preciso mencionar a clássica divisão enunciada pelo STF, ao julgar o RE n. 176.626-3, cuja decisão será melhor analisado no item 3 do presente trabalho, entre Software de Prateleira e Software por Encomenda.

O Software Produto ou Software de Prateleira, seria aquele que é desenvolvido para atender um número indeterminados de usuários. Ou seja, é desenvolvido de forma uniforme, de forma a possibilitar atender um grupo indeterminado de pessoas.

Por sua vez, o Software por Encomenda é aquele que é desenvolvido com a finalidade de atender um cliente/usuário específico. Portanto, é desenvolvido base suprir as necessidades e resolver um problema deste usuário ou grupo de usuários.

2.2. Negócios Jurídicos  Envolvendo Softwares.

Independentemente das suas classificações, os softwarespossuem duas grandes finalidades, atender as necessidades do seu próprio desenvolver, através da aplicação no seu processo produtivo ou, ainda, para atender o mercado, ou seja, o desenvolvedor oferece o Software no mercado visando a obtenção de lucro.

Para isso, o desenvolvedor conta com uma série de negócios jurídicos e, a depender do negócio escolhido e dos direitos transmitidos através da respectiva operação, os seus reflexostributários poderão ser diversos. Neste sentido destacam Paulo César Teixeira Duarte Filho e Arthur Pereira Muniz Barreto:

Para que se consiga determinar a incidência dos tributos sobre as transações com software, precisa-se, portanto, ter claro o tipo de:

a. Desenvolvimento ou padronização do software, se de prateleira ou não; e
b. Transação econômica envolvendo o software.

Dentre os diversos negócios jurídicos envolvendo o software, destacam-se: a) a cessão (total) de direitos; b) a cessão (parcial) de direitos e de exploração econômica; c) a licença de uso; d) o contrato de desenvolvimento de software.

O contrato de desenvolvimento de software é aquele que tem por objeto um software por encomenda, ou seja, o desenvolvedor cria um software especificamente para atender as necessidades de um único cliente mediante uma contraprestação. Assim, destacam Rodrigo Maito da Silveira e Antônio Carlos de Almeida Amendola que:

No contrato de desenvolvimento de software, o contratante é o tomados de serviços que solicita ao prestador o desenvolvimento de um software especifico que apresente determinadas especificações e cumpra certas funcionalidades, ambas geralmente preestabelecidas. Assim, em tal contrato, acorda-se, desde o princípio, que o código fonte a ser desenvolvido será de propriedade do tomador.

No presente caso, podemos considerar que, trata-se de uma nítida obrigação de fazer e que portanto, se aproximaria da hipótese de incidência do ISS. Ainda, é necessário destacar que, uma vez que a propriedade já nasce na origem em favor do tomador dos serviços, não se poderia cogitar, em tese, a incidência do ICMS, uma vez que para que ocorra a respectiva hipótese de incidência é necessário que haja a circulação jurídica, ou seja, transferência de propriedade, como será demonstrado posteriormente.

No contrato se cessão (total) de direitos sobre o software há uma efetiva compra e venda de intangíveis, ou seja, o desenvolvedor transfere na sua totalidade, os direitos autorais de cunho patrimonial sobre o respectivo programa. Assim, uma vez que ocorreu a transferência de propriedade sobre os respectivos direitos, o comprador passa a ser o único e legítimo detentor, podendo desta forma usar e explorar todos os direitos sobre o intangível.  

Nas operações de cessão (parcial) de direitos e de exploração econômica sobre os softwares, o desenvolvedor continua sendo o legítimo titular do código fonte, ou seja, apenas ocorre a transferência do direito de reprodução e comercialização de cópias do respectivo intangível mediante uma contraprestação que, na maioria das vezes, costuma ser mensal e calculada sobre o número de licenças vendidas.

Por fim, um dos mais importantes e comuns negócios jurídicos envolvendo o software, e principal objeto do presente trabalho, destaca-se a licença de uso de software.

Nas operações de licença de uso “o licenciado adquire apenas e tão somente o direito de usar o software. Assim, Gustavo Lian Haddad e Vinícius Nogueira, trazem importante lição acerca das licenças de uso se software:

A cessão de direito de uso é conferida pelo desenvolvedor ao usuário por meio da disponibilização de uma cópia do software combinada com uma licença de uso. Dessa forma, o que se negocia não são direitos de propriedade sobre o software mas apenas suas utilidades, que são disponibilizadas por meio da entrega de uma cópia em meio físico contendo uma reprodução da obra ou por meio de download.

Todavia, “atualmente, licenças de uso costumam vir desacompanhadas de suporte físico e muitas vezes não requerem nenhuma forma de download, mas decorrem de autorização para acesso ao software pela internet ou na nuvem (cloud  computing)”.

 Portanto, nos contratos de licença de uso há apenas umaautorização de uso/acesso do programa de computador, seja por meio físico, download ou na nuvem, mediante uma remuneração e por um prazo determinado, sem ocorra qualquer transferência de direitos de propriedade sobre o intangível.

A maior parte da discussão acerca da tributação das operações com software decorre especificamente da licença de uso, uma vez que Estados e Municípios buscam avidamente tributar as presentes operações.

Todavia, antes de adentramos à análise do possível enquadramento do software como mercadoria ou serviço, é necessários delimitar o conceito de software as a service, uma vez que a análise principal de debruçará especificamente nas operações de licenças de SaaS.

2.3. O Software As a Service (SaaS).

Tradicionalmente, o software era adquirido através de uma mídia física, na qual, por meio da aplicação do CD-ROM, o usuário poderia gozar das funcionalidades do respectivo programa.

Com o advento da tecnologia e da sua rápida e exponencial evolução, estes começaram as ser comercializados através do download, ou seja, por meio da transferência eletrônica de dados na qual, o usuário, através do download, transfere os dados do programa de computador do servidor do desenvolvedor para o seu próprio computador e então conseguir utilizá-lo.

Entretanto, passados mais de 20 anos do início das discussão acerca da tributação dos softwares, até mesmo o próprio downloadse vê superado pela disponibilização dos programas de computador na nuvem, e que podem ser acessados pelo usuários por meio de um determinado provedor de internet sem que ocorra qualquer forma de transferência de dados.

Rodrigo de Freitas e Bruno Akio Oyamada, acerca da definição do SaaS, enunciam que:

O software as a Service (SaaS) consiste na disponibilização em ambiente virtual de software, que podem ser acessados pelo usuário em diversos aparelhos, sem que ele tenha, no entanto, qualquer acesso À infraestrutura subjacente, incluindo servidores, sistemas operacionais etc.

Exemplo de SaaS é o G Suit oferecido pelo Grupo Google, por meio do qual o usuário tem acesso a diferentes softwares em um ambiente virtual, pagando um valor mensal de acordo com as utilidades que deseja acessar (e-mail comercial, videoconferência e chamada de voz, documentos, planilhas etc. e apresentações, armazenamento na nuvem, controles de segurança etc.).

Esse ambiente virtual, destacado pelo referidos autores, é denominado de Cloud Computing, que pode ser definida como um modelo de rede compartilhada de recursos de Tecnologia da Informação e que podem ser acessadas pelo usuário final por meio de um mínimo de interação com o provedor dos respectivos serviços.

Nesse tipo de operação, conforme preconiza Maria Ângela Lopes Paulino Padilha, o uso do software é autorizado diretamente pela internet, ou seja, os termos de adesão com contrato de licença são aceitos  por meio de um click-wrap Agreement, na qual o usuário, ao clicar em “ok”, ou aceito”, concorda com as disposições contratuais da licença de uso. Após isso, o usuário tem o acesso a plataforma para criar um login e senha, dados com o qual poderá ter acesso exclusivo aos software.

Destaca-se que nesse tipo de operação, diferentemente do que ocorre com os contratos tradicionais de licença de uso, na qual o usuário tem apenas o direito de uso do respectivo intangível, na maior parte das vezes o usuário conta com determinados serviços de atualização, inserção de novas funcionalidades e melhorias, serviços de infraestrutura, hospedagem e armazenamento de dados etc. Ou seja, trata-se de um contrato complexo, na qual, o usuário detém muito mais do que a simples licença de uso, mas conta com outros serviços conexos.

Uma vez ultrapassados a delimitação dos conceitos básicos de software, suas classificações, contratos e definição do SaaS, é necessário averiguar se as operações de licença de uso de softwareas a Service se enquadram na hipóteses de incidência do ISS, constitucionalmente prevista pela legislação pátria.

3. O CONCEITO DE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISSQN).

O constituinte originário de 1988, ao repartir as competências tributárias, conforme disposto no Art. 156, III da CRFB/88, outorgou ao municípios o poder de instituir o Imposto sobre Qualquer Natureza, não compreendidos no Art. 155, II, e definidos em Lei Complementar.

Inicialmente, e a título provisório, a definição do conceito de serviço, ou seja, da materialidade da hipótese de incidência do ISS não estava adstrita a “serviços”, mas sim a uma prestação de serviço, ou seja, serviços estes determinados em razão de um negócio jurídico que tem por objeto uma obrigação de fazer.

Observa-se que, por muito tempo, o conceito de serviço adotado era o econômico. Por meio do conceito econômico “o que interessa, no conceito de serviço, é a existência de transferência onerosa, por parte de uma pessoa a outra, de bem imaterial que se acha na etapa da movimentação econômica.

Todavia, no de 2001, por meio do julgamento do Recurso Extraordinário n. 116.121/SP, o Supremo Tribunal Federal mudou seu entendimento e abraçou o conceito jurídico de serviço. Na ocasião, o STF entendeu pela não incidência do ISS nas operações de locação de bens móveis uma vez que estas não configuravam uma obrigação de fazer. Portanto, através do respectivo entendimento, a suprem corte manifestou-se no sentido de que “o conceito de “serviços” para fins de incidência do ISS não seria propriamente “residual” em relação às operações de circulação de mercadorias ou financeiras, mas sim tipo jurídico que deveria seguir a definição de “serviço” como obrigação de fazer”.

Acerca da definição de “obrigação de fazer” e “obrigação de dar”, faz-se mister apresentar o conceito do professor Aires Barreto, segundo a qual:

A distinção entre dar e fazer como objeto de direito é matéria das mais simples. Bata – aos fins a que nos propusemos – salientar que a primeira (obrigação de dar) consiste em vínculo jurídico que impõe ao devedor a entrega de alguma coisa já existente; por outro lado, as obrigações de fazer impõem a execução, a elaboração, o fazimento de algo até então inexistente. Consistem, estas últimas, num serviço a ser prestado pelo devedor (produção mediante esforço humano, de uma atividade material ou imaterial).

Não obstante a adoção do respectivo critério, o STF, com a inevitável evolução das relações e o surgimento de uma série de contratos complexos, na qual há a presença concomitante de uma obrigação de fazer com uma obrigação de dar, tem relativizado os respectivos conceitos até então adotados.

O primeiro caso em que o STF acabou por relativizar os respectivos conceitos, foi no julgamento do Recurso extraordinário n. 592.905/SC, que discutia a incidência do ISS sobre as operações de Leasing.

No presente caso, o entendimento exarado pela corte foi no sentido de que, nas operações de Leasing, haveria a incidência do ISS uma vez que envolveria tanto uma obrigação de dar, bem como uma obrigação de fazer, sem que houvesse uma preponderância de uma e detrimento de outra.

No mesmo sentido, no ano de 2016, ao julgar o RE 651. 703-PR, que tinha como objeto a possibilidade de incidência do ISS nas atividades das operadoras de planos de saúdes, o STF entendeu que “o alcance do termo “serviço” para fins de incidência do ISS não estaria adstrito ao conceito dado a esse termo pelo Direito Civil, de modo que a referida exação poderia alcançar aquelas operações que, embora não envolvam uma obrigação de fazer, contemplem o oferecimento de uma utilidade para outrem”.

Deste modo, pode-se observar que o Supremo Tribunal Federal, acabou se afastando de certa maneira das definições iniciais de obrigação de dar e obrigação de fazer, para fins de definir o tributo incidente sobre determinada operação. Assim, dando espaço para a possível incidência do ISS nas operações decorrentes de contratos complexos, na qual há a presença de ambas a obrigações, sendo muitas vezes difícil distinguir as prestações que estão sendo prestadas de forma preponderante.

Conforme exposto anteriormente, na operações de Software as a Service, além da presença do licenciamento do direito de uso, há a presença de uma série de serviços de atualizações, manutenções e suporte em prol do usuário. Portanto, enquadrando-se no conceito de contrato complexo, onde há a presença concomitante de obrigações de dar e de fazer.

A primeira vista, pode-se cogitar a incidência do ISS sobre as respectivas operações, entendimento este compartilhado, por exemplo, por Sérgio Papini de Mendonça Uchôa Filho e Iris Cintra Basilio, segundo o qual:

Na nossa visão, em que pese a redação ampla dada dos Convênios n. 181/2015 e n. 106/2017, que prevê a tributação pelo ICMS de “operações com software”, entendemos que o modelo negocial de cloud computing, regra geral, abrange muito mais do que o direito de uso do programa de computador em nuvem, incluindo uma variedade de prestação de serviços, a depender da modalidade  SaaS, IaaS e Paas, sendo, portanto, tributável pelo ISS.

No mesmo sentido entendem Luciana Rosanova Galhardo e Pedro Augusto do Amaral Abujamra Asseis,  ao afirmar que aparentemente “ a qualificação mais apropriada para as atividades de cloud computing se aproximaria da prestação de serviços, por não envolver, essencialmente, uma circulação de mercadoria, tampouco uma licença perpétua que possa ser considerada como um ato translativo de propriedade de uma mercadoria”.

Destaca-se que a doutrina não é unânime acerca desse entendimento, como por exemplo, Maria Ângela Lopes Paulino Padilha ao concluir que “ a atividade de licença de uso de softwarenão se subsume ao conceito constitucional de serviços tributáveis pelo ISS, então forçoso concluir que também o licenciamento na modalidade software as a service não está submetido à tributação do ISS”.

A princípio, parece acertada parte da doutrina que se vincula ao entendimento de que incide o ISS sobre as respectivas operações, uma vez que, conforme já foi argumentado, nessas operações, muito mais do que uma simples licença, há a presença de uma série de serviços que são prestados em favor do usuário e, na maioria das vezes, são essências para que este tenha o total acesso e gozo das funcionalidades do software.

Mas antes de apresentar qualquer juízo de valor, é necessário compreender quais foram as evoluções legislativas acerca do presente tema e qual o entendimento dos tribunais superiores.

 

4. A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES.

A discussão acerca da tributação de licença de software tem sua origem mais remota em 1994, quando do julgamento do RESP n. 39797/SP, na qual o Estado de São Paulo questionou a incidência do ISS sobre as respetivas operações, com previsão no item 24 da lista de serviços anexa ao Decreto-lei 406/1968.  Na ocasião o STJ entendeu pela manutenção do ISS, uma vez que, por se tratar de bem imaterial, não poderia haver a incidência do ICMS.

O respectivo entendimento foi alterado em 1997 quando do julgamento do Mandado de Segurança nº 5.934/RJ, o que foi mantido posteriormente pela segunda turma, na qual ficou entendido que, nas operações com software elaborados em larga escala incidiria o ICMS e nas operações com software produzidos para um usuário em específico, haveria a incidência do ISS.

Tendo em vista o nítido conflito de competência entre os Estados e Municípios, não tardou muito para que a presente discussão chegasse ao Supremo Tribunal Federal.

Foi então que, no ano de 1988, o STF proferiu a primeira grande decisão acerca do tema por meio do Recurso extraordinário nº 176.626-3/SP interposto pelo Estado de São Paulo em face da Ação Declaratória ajuizada pela Manps Processamento de Dados Ltda. em razão do reconhecimento de não incidência do ICMS sobre as operações de licenciamento de softwares.

Na respectiva decisão, o STF acabou por não reconhecer do recurso interposto pelo Estado de São Paulo.

Foi por meio desta decisão que o STF introduziu na discussão os conceitos de Software de Prateleira versus Software por Encomenda. Assim entendeu a suprema corte que:

Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador” – matéria exclusiva da lide –,  efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: Dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no mercado (RE 176.626/SP, STF, Primeira Turma, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Publicado em 11.12.1998

Observa-se que a referida decisão, ao contrário do que argumentam alguns doutrinadores, não determinou incidência do ICMS sobre os softwares de prateleira. Ao contrário, a incidência do ICMS só foi cogitada nos casos em que o software fosse comercializado por meio de um corpus mechanicum, mas jamais sobre a licença de uso em si.

Ocorre que, no mesmo ano, um novo conflito foi instaurado em torno da comercialização do software via transferência eletrônica de dados, em decorrência da instituição da Lei 7.098, pelo Estado do Mato Grosso que visou ampliar a incidência do ICMS para os bens incorpóreos.

Em razão disso foi instaurado a ADI n. 1.945/MT, questionando a constitucionalidade da incidência do ICMS sobre as operações com softwares adquiridos via transferência eletrônica de dados, cuja liminar foi julgada somente em 2010.

Na ocasião, o STF proferiu a seguinte decisão:

ICMS. Incidência sobre softwares adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados (art. 2º, §1º item 6, e art. 6º, §6º, ambos da Lei impugnada). Possibilidade. Inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito. Irrelevância. O Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo rela, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite que a abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis (ADI nº 1.945 MC/MT – MATO GROSSO, rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgamento 26/05/2010, Dje 14/03/2011

Em razão disso foi instaurado a ADI n. 1.945/MT, questionando a constitucionalidade da incidência do ICMS sobre as operações com softwares adquiridos via transferência eletrônica de dados, cuja liminar foi julgada somente em 2010.

Destaca-se que a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade não tinha sido julgada até recentemente. Todavia, em novembro de 2020, o STF finalmente proferiu uma decisão, cuja argumentos serão expostos posteriormente.

É preciso lembrar que, entre o julgamento da RE 176.626-3/SP e da Liminar na ADI nº 1.945/MT houve a edição da LC 116/2003 que dispõe sobre os Serviços de Qualquer Natureza e que previu no seu item 1.5 da lista anexa à Lei Complementar supracitada, que o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação seria tributado pelo ISS.

Isso abriu espaço para que os municípios atraíssem para si a tributação das respectivas operações, conforme Parecer Normativo SF nº 01/2017, do Município de São Paulo:

Art. 1º O Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação, por meio de suporte físico ou por transferência eletrônica de dados (“download de software”), ou quando instalados em servidor externo (“Software as a Service – SaaS”), enquadra-se no subitem 1.05 da lista de serviços do “caput” do artigo 1º da Lei nº 13.701, de 24 de dezembro de 2003.

Nesse interim, os Estados também tentavam atrair para si a competência para tributar as respectivas operações. Por exemplo, no Estado de São Paulo, até 2015, a base de cálculo utilizada para tributar software, era duas vezes o preço do suporte físico do software, conforme dispõe o Decreto nº 51.619/07 do Estado de São Paulo.

No entanto, no dia 27 de setembro de 2015 o Decreto n. 51.619/2007, foi revogado pela edição do Decreto nº 61.522/2015que tinha como objetivo cobrar o ICMS não só pelo seu suporte físico mas também incluir em sua base de cálculo o programa em si.

Em 2016, o Estado de São Paulo editou o Decreto nº 61.791/16 reduzindo a alíquota do ICMS para 5%, em decorrência do Convênio ICMS 181/15, bem como determinando que o respectivo imposto não seria exigido em relação ás operações com softwares padronizados, ainda que possam ser adaptados, quando disponibilizados por meio da transferência eletrônica de dados, até que ficasse definido o local da ocorrência do fato gerador para determinação do estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto, o que foi efetivamente realizado pelo Convênio ICMS 106/2017.

Assim, o Estado de São Paulo aprovou o Decreto nº 63.099, de 22 de dezembro de 2017, o qual possibilitou Estado cobrar o respectivo imposto sobre bens digitais.

Em decorrência disso, a Confederação Nacional de Serviços (CNS) ajuizou a ADI n. 5659, sob o argumento de que as operações já estariam sendo tributadas pelo ISS, conforme já demonstrado anteriormente.

Diante disto, é possível observar que tanto os Estados, bem como os Municípios buscam tributar as mesmas operações, e que a jurisprudência não tem sido pacífica acerca de qual o competente para tributá-las, pelo menos até recentemente.

Ocorre que, no mês de novembro do corrente ano, o STF finalmente proferiu uma decisão acerca das ADI’s nº . 1.945/MT e 5659/MT na qual, por maioria, o STF entendeu por afastar a incidência do ICMS sobre as operações o licenciamento ou acessão de direito de uso de programas de computador.

Assim, destaca-se os seguintes trechos da respectiva decisão:

(..) a tradicional distinção entre software de prateleira (padronizado) e por encomenda (personalizado) parece não mais ser suficiente para a definição da competência para tributação dos negócios jurídicos com programas de computador em suas diversas modalidades, da mesma forma que a Suprema Corte, em diversos julgados, tem superado a velha dicotomia entre obrigação de fazer e obrigação de dar, notadamente nos contratos tidos por complexos (v.g. leasing financeiro, contratos de franquia).

(…) os softwares que, inicialmente, eram transacionados em suportes físicos passaram a ser oferecidos quase que integralmente em ambiente virtual, primeiramente por meio de download (customizável ou não) e, mais recentemente, com o surgimento da infraestrutura em nuvem, por meio de acesso direto à internet (Grifo nosso).

Podemos observar que o STF, na linha de raciocínio que já vinha desenvolvendo em diversos julgados, demonstra uma superação dos tradicionais conceitos de obrigação de fazer e de dar para fins de incidência tributária. No mesmo sentido, também propõem uma reanalise dos conceito até então adotados para fins de classificação da operações com software.

Por fim, utilizando-se de um critério de competência tributária, e da função da Lei Complementar na resolução de conflitos de competência, destaca o STF que:

A Constituição Federal de 1988 estabelece competir aos estados e ao Distrito Federal o ICMS e aos municípios o ISS. Não há dúvida de que os fatos geradores desses impostos dão margem a inúmeros conflitos. Ciente dessa possibilidade, o legislador constituinte estabeleceu que os conflitos de competência devem ser resolvidos por lei complementar de normas gerais, a cargo da União (art. 146, I).

(…)

Seguindo essa diretriz, o licenciamento ou a cessão de direito de uso de software, seja ele padronizado (customizado ou não), seja por encomenda, independentemente de a transferência do uso ocorrer via download ou por meio de acesso à nuvem, enquadrando-se no subitem 1.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 – sem prejuízo de que, no caso do modelo Software-as-a-Service (SaaS), outras utilidades disponibilizadas ao usuário possam ser desmembradas do licenciamento e submetidas à tributação nos subitens 1.03 e 1.07 – já teriam o condão de extirpar eventuais dúvidas que poderiam existir acerca da incidência do ISS nas transações com programas de computador (Grifo nosso).

Observa-se que no presente trecho o STF fornece sinais de que entende ser possível a incidência do ISS sobre as respectivas operações de licenciamento, inclusive nas operações com software as a service, uma vez que já existe Lei Complementar regulamentado a matéria e, portanto, sendo suficiente para dirimir os conflitos entre os Estados e Municípios.

Porém, é preciso observar que os respectivos julgados apenas afastam a incidência do ICMS e fornecem sinais de que poderiam ser tributadas pelo ISS, porém, não reconhece em definitivo a incidência do ISS, uma vez que este não é objeto das respectiva ações.

Uma vez ultrapassado as evoluções legislativas e os entendimentos jurisprudenciais sobre o tema, passamos as conclusões finais do presente trabalho.  

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Conforme exposto no corpo do presente trabalho, a discussão acerca da tributação dos bens digitais tem se demonstrado de suma importância nos dias atuais, dado o seu potencial arrecadatório.

Dentre esses bens, destacam-se as operações de licenciamento de software as a service.

Inicialmente comercializado por meio de um suporte físico, e posteriormente por download e, atualmente na nuvem, a legislação e a jurisprudência são desafiadas a acompanhar a evolução tecnológica.

Conforme exposto no corpo do presente trabalho, as operações com softwares podem ser efetuadas de diversas formas e através de negócios jurídicos diferentes, ou seja, a depender do negócio jurídico, os direito e obrigações transferidos serão diversos e, portanto, os seus reflexos tributários também serão.

Nas operações de cessão total de direitos patrimoniais total sobre o software, em que há uma efetiva transferência de titularidade sobre o código fonte, há de fato a subsunção à hipótese de incidência do ICMS prevista no Art. 155, II da CRFB/88.

Já nas operações de cessão parcial, uma vez que não há qualquer transferência de titularidade do código fonte, não haveria possibilidade de incidência do ICMS. O mesmo ocorre nas de licença de uso, ou seja, o usuário detém apenas o direito de usar as funcionalidades por um período determinado e mediante uma contraprestação.

No tocante as operação de desenvolvimento de software a doutrina e a jurisprudência parecem ser pacíficas ao entender que trata-se de uma efetiva prestação de serviço, na qual o prestador compromete-se junto ao tomador a fazer um software específico e que atendam as suas necessidades. Portanto, uma obrigação puramente de fazer.

No tocante a primeira decisão proferida pelo STF, que determinou a não incidência do ICMS sobre a licença de uso de software parece ter sido acertada, uma vez que efetivamente não há qualquer transferência de propriedade sobre o código fonte nessas operações. O que o usuário detém é a apenas uma autorização de uso a título precário, ou seja, este não possui poder de disposição sobre o intangível.

Em contrapartida, conforme disposto pela doutrina e pelos diversos julgados dos tribunais superiores apresentados neste artigo, nas operações com software as a servisse , de certo modo, uma aproximação ao conceito de prestação de serviço, o que, portanto, atrai a competência dos municípios na tributação sobre estas operações.

Apesar de diversas vezes a jurisprudência ter se utilizado dos conceitos de obrigação de fazer e de obrigação de dar para fins de determinação do tributo incidente sobre determinadas operações, estes não se demostram mais como critérios adequados, tendo em vista o surgimento de novos contratos de cunho complexo e indivisível, como por exemplo nos contratos de licença de uso do Software as a Service.

Uma vez que essas operações apresentam muito mais do que uma simples licença de uso, e que o usuário dispõem de um série de serviços conexos, ambas as obrigações acabam se confundindo e, não raro, caso sejam separadas, seriam inúteis. Inúteis pois, os serviços de manutenção e suporte só existem em razão do software e, em contrapartida o software só poderá ser fornecido de maneira eficaz e adequada por meio da prestação desses serviços.

Ainda é preciso destacar que, uma vez que há uma Lei Complementar dirimindo o respectivo conflito de competência, a sua violação seria incoerente frente ao nosso Sistema Tributário Nacional. Assim, diante da previsão legal do licenciamento e cessão de direito de uso no item 1.5 da Lista Anexa a Lei Complementar n. 116/03, a incidência do ISS sobre estas operações tornam-se adequadas.

Também podemos utilizar de um argumento jurídico-econômico para justificar a incidência do ISS sobre essas operações. A não tributação dessas operações seria uma nítida violação ao princípio da isonomia e da livre concorrência em desfavor dos setores tradicionais da economia. Assim, apesar de não ocorrer o fato gerador do ICMS nessas operações, já que não ocorre qualquer transferência de titularidade, há uma evidente prestação de serviços, o que não poderia ficar de fora do poder de tributar dos Municípios.

Por fim, a decisão mais recente do Supremo Tribunal Federal, que afasta o ICMS e traz elementos suficientes para se tributá-las por meio do ISS, demostra adequada e justa aos olhos da doutrina, da jurisprudência e da interpretação sistemática do Sistema Tributário brasileiro.

Conclui-se, portanto, que os problemas elencados no início deste trabalho, ou seja: há a efetiva incidência do ISS sobre as operações com Software as a Service? E as respectivas operações de adequam ao aspecto material do ISS, previsto pela legislação brasileira? Podem ser respondidos da seguinte forma:

a) Há uma efetiva incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza sobre as operações de licença de uso com Software as a Service, uma vez que a licença de uso já se encontra na lista anexa de Serviços a Lei Complementar n. 116/03.
b) As operações de licença de uso do Software a Service se adequam ao aspecto material previsto pelo Sistema Tributário Nacional uma vez que, conforme já demonstrados pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais superiores, nessas operações, além da licença de uso, há a presença de um série de serviços que são realizados em favor do usuário, visando conceder a total e máxima efetividade na utilização do software disponibilizado por meio de acesso à nuvem.

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