PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE OS IMPACTOS DA LEI N. 14.112/20 (LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIAS) SOBRE O CRÉDITO TRABALHISTA
Por MARIA BEATRIZ VIEIRA DA SILVA GUBERT*, Juíza Federal do Trabalho.
- INTRODUÇÃO
Publicada em 24 de dezembro de 2020, a Lei nº 14.112 alterou as Leis nºs 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, 10.522, de 19 de julho de 2002, e 8.929, de 22 de agosto de 1994, e trouxe novidades na legislação que regula as questões atinentes à recuperação judicial e extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária, atingindo, em especial, a área trabalhista.
A Lei n 11.101//2005, a principal lei que regula tais questões, prevê, na forma do artigo 47, que a recuperação judicial tem como objetivo “…viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo a atividade econômica”.
Extrai-se desse dispositivo que a lei em tela foi criada com a observância dos princípios da preservação da empresa, proteção dos empregos dos trabalhadores e por último, satisfação dos interesses dos credores, o que ainda se mostra presente na recente Lei n. 14.112/20, que não alterou a redação do citado artigo 47.
Por outro lado, a lei referida trouxe verdadeira reforma na Lei de Falências e Recuperação Judicial no Brasil, no que tange aos impactos no direito do trabalho e no direito processual do trabalho, com aumento de prazos, ordem de preferência de créditos, extinção da obrigação trabalhista pelo decurso de prazo etc, gerando prejuízos ao crédito trabalhista, como adiante se verá.
Esclareça-se, de início, que foi vetado o dispositivo que permitia a suspensão das execuções trabalhistas contra o responsável subsidiário ou solidário até a homologação do plano de recuperação judicial ou a convolação em falência (§ 10 do art. 6º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, acrescido pelo art. 1º do projeto de lei:
“§ 10. Na hipótese de recuperação judicial, também serão suspensas as execuções trabalhistas contra responsável, subsidiário ou solidário, até a homologação do plano ou a convolação da recuperação judicial em falência.
Esse veto foi saudado pela comunidade jurídica, uma vez que, se tal suspensão fosse sancionada, isso impactaria fortemente tanto a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça[1] quanto a do Tribunal Superior do Trabalho, que é majoritária no sentido de a suspensão das execuções ser aplicável apenas à empresa recuperanda[2], o que inclusive vem se mantendo mesmo após o advento da nova lei.
Nas razões do veto, o Presidente da República sustenta que, “embora se reconheça o mérito da proposta, o dispositivo contraria o interesse público por causar insegurança jurídica ao estar em descompasso com a essência do arcabouço normativo brasileiro quanto à priorização dos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho, nos termos do art. 186 do Código Tributário Nacional – CTN, e da própria sistemática instituída pela Lei nº 11.101, de 2005, para a proteção desses créditos”.
Nesse particular, já podemos suscitar a primeira dúvida: será que este veto será mantido pelo Congresso?
Ou há chance de o Congresso derrubá-lo e termos mais uma situação de insegurança jurídica entre o veto e a sua derrubada?
As últimas novidades legislativas do país na seara trabalhista (v. g, MP 808, MP 927 etc) estão aí para justificar o temor expressado.
- DIREITO INTERTEMPORAL
O artigo 7º da Lei 14.112/20 prevê que a nova lei passa a produzir efeitos no prazo de 30 dias a contar da sua publicação. Tendo sido a lei publicada em 24/12/2020, passou a viger a partir de 23/01/2021.
Não havendo disposição legal que estabeleça a aplicação da lei nova aos processos em curso, mister se faz a aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais, prevista no artigo 14 do CPC.
Assim, em matéria processual, deve-se respeitar os atos já praticados sob a vigência da legislação anterior, devendo ser observada a nova regra para os atos praticados após a vigência da lei.
Isto quer dizer que a lei nova deve ser imediatamente aplicável, respeitados os atos jurídicos já praticados, bem como os efeitos decorrentes produzidos.
Esta é a regra, que, contudo, comporta exceções, como as previstas no artigo 5º, parágrafo primeiro, da Lei 14.112/20, para as quais a lei só será aplicável aos pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial ajuizados após a vigência da lei ou às falências decretadas também após o advento da nova lei, ainda que decorrentes de convolação, verbis:
Art. 5º ….Observado o disposto no art. 14 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), esta Lei aplica-se de imediato aos processos pendentes.
1º Os dispositivos constantes dos incisos seguintes somente serão aplicáveis às falências decretadas, inclusive as decorrentes de convolação, e aos pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial ajuizados após o início da vigência desta Lei:
I – a proposição do plano de recuperação judicial pelos credores, conforme disposto no art. 56 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005;
I I – as alterações sobre a sujeição de créditos na recuperação judicial e sobre a ordem de classificação de créditos na falência, previstas, respectivamente, nos arts. 49, 83 e 84 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005; (grifos nossos).
III – as disposições previstas no caput do art. 82-A da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005;
IV – as disposições previstas no inciso V do caput do art. 158 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
Dos dispositivos acima mencionados, o mais importante para a área trabalhista é o inciso II, pois trata da alteração da ordem de classificação dos créditos na falência.
Nesse particular, vale uma distinção importante acerca dos créditos concursais e extraconcursais, sendo os primeiros, segundo Ulisses de Miranda Taveira e Vinícius de Miranda Taveira[3], “…aqueles que se sujeitam à recuperação judicial, ou seja, que são afetados pelo plano de recuperação”, como tal previstos no artigo 49 da Lei n. 11.101/05.
Mais detalhadamente, explicitam os autores citados que, no tocante à esfera trabalhista, enquadram-se como concursais “todos os créditos trabalhistas e decorrentes de acidentes de trabalho que já existiam até a data do ajuizamento da recuperação judicial, ainda que não vencidos.”[4]
Por sua vez, os créditos extraconcursais, isto é, a remuneração dos trabalhadores por serviços prestados após o pedido de recuperação, convolação ou decretação de falência, segundo os mesmos autores[5], “não se submetem aos prazos e às condições estabelecidas no plano”
Essa distinção é importante porquanto, com a nova lei, no caso da falência, os créditos trabalhistas extraconcursais deixaram de ocupar a primeira posição, e passaram a ocupar a quarta (inciso I-D do art. 84).
A primeira posição, registre-se, ainda é dos créditos trabalhistas, mas aqueles decorrentes de processos trabalhistas existentes até a data do pedido de recuperação judicial, ainda que contemplem créditos não vencidos, e esta é a primeira novidade trazida pela lei – alteração que, contudo, gize-se, só se aplica aos pedidos de recuperação judicial ajuizados após a vigência da nova lei e às falências decretadas ou convoladas também após a vigência da nova lei, isto é, 23-01-21.
Há aqui uma dúvida quanto aos créditos trabalhistas, já que prestações de trato sucessivo, quanto à data do marco a ser observado, se da data do fato gerador, prolação da sentença pela Justiça do Trabalho ou data do trânsito em julgado, e nesse tocante, a Segunda Seção do STJ fixou tese em recurso especial repetitivo, acolhendo a tese do fato gerador (Tema n. 1051).[6]
É importante observar que os incisos III e IV fazem referência a dispositivos que foram acrescidos à Lei 11.101/05 pela Lei 14.112/20 (artigo 82-A e o inciso V do artigo 158), a saber:
Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) .
Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).(Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
Art. 158. Extingue as obrigações do falido:
(…)
V – o decurso do prazo de 3 (três) anos, contado da decretação da falência, ressalvada a utilização dos bens arrecadados anteriormente, que serão destinados à liquidação para a satisfação dos credores habilitados ou com pedido de reserva realizado; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020).
O artigo 158 acima transcrito, incluído pela nova lei, traz importante novidade, que impactará, igualmente, os créditos trabalhistas, qual seja a extinção das obrigações do falido após o transcurso do prazo de 3 (três) anos, contado da data de decretação de falência, o que impactará seriamente as execuções trabalhistas – assunto que adiante será mais detalhado.
De tudo que foi abordado nesse tópico, resulta importante que os advogados trabalhistas atentem para o pedido de reserva de crédito perante o Juízo da recuperação, na forma do artigo 6o, inciso III, da Lei n. 11.101/05, inclusive para evitar a extinção do crédito trabalhista pelo decurso do prazo decadencial estabelecido no artigo 158 retrocitado.
Por fim, registre-se que, nos termos do artigo 189, parágrafo primeiro, da Lei n. 11.101/05, com a redação alterada pela Lei n. 14.112/20, os prazos serão contados em dias corridos.
- MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS /COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA
Até a vigência da Lei n. 14.112/20, não havia previsão para a utilização da mediação e conciliação, inclusive pré-processual, nos processos de recuperação judicial.
A partir de agora, o artigo 22, letra “j” passou a acrescentar o dever, por parte do administrador judicial. de estimular a mediação e a conciliação em processos de recuperação judicial. Igualmente, os artigos da Seção II- A (artigos 20-A a 20-D), trazidos pela nova lei, passaram a tratar da utilização da mediação e conciliação, de forma antecedente ou incidental, nos processos de recuperação judicial.
Temos aqui outra importante novidade, que incorporou inclusive recentes recomendações do CNJ , como a Resolução n. 125/10[7], as quais estimulam a conciliação em qualquer grau de jurisdição.
Um aspecto importante a destacar aqui é o trazido pelo artigo 20, b da citada lei, que trata da conciliação entre credores não sujeitos à recuperação judicial (créditos previdenciários e créditos fiscais, por exemplo à luz do artigo 6o., parágrafos 7o.-B e 11, com a redação da Lei n. 14.112/20) ou os créditos extraconcursais (créditos que ingressaram após o ajuizamento do pedido de recuperação judicial), havendo dúvida aí quanto ao juízo competente para apreciar e homologar tal conciliação.
Como primeira reflexão no particular, tenho que a resposta não é única e depende da situação do crédito: se ainda não definido o crédito trabalhista, mas já havendo processo de recuperação judicial, entendo que o juiz do trabalho pode atuar para resolver incidentes de liquidação, execução, etc, e chegando a uma conciliação, tal valor será homologado por ele e habilitado no Juízo de Recuperação.
Caso contrário, se já definido o crédito e habilitado no Juízo de Recuperação, aí a Justiça do Trabalho não detém mais competência para homologar eventual transação quanto ao crédito trabalhista, o que competirá ao juízo universal.
Assim, nesse caso, a competência seria dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos da Justiça Comum, conforme artigo o 20, “c”,, da Lei n. 14112/20.
Quanto aos créditos previdenciários decorrentes de eventual condenação trabalhista, como veremos mais adiante, essa competência da Justiça do Trabalho se mantém.
Outra novidade que se extrai da Lei n. 14.112/20 é a consagração do princípio da cooperação judiciária previsto no artigo 69, do CPC/15, e regulamentado pela Resolução n. 350/20, do CNJ.
Trata-se de importante inovação, que poderá inclusive evitar conflitos de competência desnecessários, sugerindo-se, assim, aos juízes do trabalho, naqueles casos em que haja dúvida quanto ao juízo competente, que entrem em contato direto com o Juízo da Recuperação, para que atuem de forma coordenada e concertada, tal como previsto no artigo 69, parágrafo 2o., V, do CPC/15.
Nesse sentido, nos dizeres de Arthur Fonseca Cesarini[8] “a cooperação jurisdicional para a facilitação de habilitações de crédito nas recuperações judiciais, nos termos do artigo 69,§2º, inciso V do CPC/15, auxilia o Juízo Recuperacional e o Juízo colaborador para uma rápida harmonização creditícia, evitando-se a desvirtuação do instituto da habilitação de crédito e sua irregular judicialização.”
Veja-se aqui a intenção do legislador de evitar a decisão unilateral de um juízo em detrimento de outro, sem o diálogo entre as diversas esferas jurisdicionais.
O Poder Judiciário é uno e deve buscar esse diálogo para a solução dos litígios, em especial entre os credores trabalhistas e os demais, para evitar a perpetuação do conflito e chegar a um denominador comum para as partes, dentro de um tempo razoável e justo.
- SUSPENSÃO DAS EXECUÇÕES/PRAZO (“stay period”)
Deferido o processamento da recuperação judicial, ou decretada a falência, suspendem-se todas as execuções direcionadas contra a sociedade empresária (Lei nº 11.101/2005, art. 6º, caput), inclusive as decorrentes de Termo de Ajuste de Conduta.
A suspensão ocorrerá somente após a definição do crédito trabalhista.
Deferido o processamento da recuperação judicial, o juiz do trabalho liquida os créditos, discute a matéria oposta em embargos ou em impugnação (sem necessidade de garantia de juízo, já que não pode ocorrer a penhora ou atos de constrição, conforme o artigo 6o., caput, III, da nova lei), e decide a matéria embargada, submetendo-a ao TRT, no caso de agravo de petição.
De acordo com a redação originária do art. 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, no caso de recuperação judicial, a suspensão jamais poderia ultrapassar 180 (cento e oitenta) dias, contados do deferimento do processamento da recuperação; ultrapassado tal prazo, os credores poderiam prosseguir nas suas execuções individualmente.
O que se via, contudo, em que pese o comando direto da lei, era que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tinha o objetivo de auxiliar a recuperação da empresa, relativizando o prazo legal, de forma que, ainda que transcorrido ou excedido o prazo sem aprovação do quadro geral de credores, desde que não houvesse culpa do devedor, não era autorizado o prosseguimento automático das execuções individuais, e qualquer ato de constrição do patrimônio da empresa recuperanda só poderia ser feito pelo Juízo da recuperação[9].
A lei nova modificou o dispositivo em tela (art. 6º, caput, III, da Lei 11.101/2005), passando a estabelecer a impossibilidade de realização de atos de constrição sobre o patrimônio da empresa recuperanda, em demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.
Com isso, prestigia-se o juízo universal da recuperação judicial ou falência, atribuindo a ele a competência para decidir sobre o patrimônio do devedor, inclusive no que tange a medidas cautelares como o arresto de bens, esta uma novidade legislativa, extraída do artigo 6o., parágrafo 12, com a redação da Lei n. 14.112/20.
Porém, vale observar que tal determinação só atinge os créditos concursais, sendo que, quanto aos créditos extraconcursais, na forma do art. 49, §§ 3º e 4º da lei, as execuções prosseguem, com a realização de atos constritivos, não sendo eles atingidos, assim, pela suspensão das execuções.
No que se refere ao prazo, o novo texto do art. 6º, §4º, prevê que a suspensão das execuções e a proibição de prática de atos constritivos “perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contadas do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal”.
Os novos comandos legais, introduzidos pela Lei 14.112/2020, assentam a prorrogação de prazos e os efeitos decorrentes da inobservância do prazo de 180 dias para aprovação do plano de recuperação judicial, a saber:
- a) o prazo de 180 dias pode ser prorrogado por mais 180 dias (totalizando 360 dias), excepcionalmente, desde que o devedor não tenha dado causa ao atraso na aprovação do plano;
- b) transcorrido o prazo de 180 dias (ou de 360 dias, caso tenha havido prorrogação), os credores passam a ter a faculdade de apresentar plano alternativo de recuperação judicial;
- c) caso não haja apresentação do plano alternativo de recuperação judicial no prazo de 30 dias, cessam tanto a suspensão das execuções (art. 6º, caput, II), quanto a proibição de prática de atos executórios pelos juízes do trabalho (art. 6º, caput, III). Já se os credores apresentarem o plano alternativo, ter-se-á nova prorrogação por mais 180 dias (art. 6º, §4º-A, II).
A partir da vigência da Lei 14.112/2020, portanto, as prorrogações feitas pelo juízo universal (bem como a vedação à prática de atos constritivos) são, em tese, delimitadas no tempo, não podendo se estender indefinidamente.
A intenção que deflui do novo texto legal é a de agilizar o processo de recuperação judicial, fixando-o no tempo, para que não se prolongue indefinidamente – embora tenha havido o aumento dos prazos.
A reflexão que se extrai desse comando legal, porém, frente a tantas leis que têm a mesma intenção de brevidade processual, é: será que vai ser assim, frente ao entendimento anterior do e. Superior Tribunal de Justiça, que sempre relativizou os prazos fixados na Lei n. 11.101/05?
Outro aspecto a ser destacado das alterações trazidas pela nova lei é que, se os credores apresentarem o plano facultativo de recuperação dentro de 30 dias (contados do fim do prazo original ou do prorrogado, para aprovação do plano originário), a suspensão das execuções e a proibição da prática de atos de constrição por juízos que não sejam o universal, perdurará por mais 180 dias.
Nos trinta dias subsequentes ao término do prazo, as execuções podem ser retomadas?
A lei nada fala, mas parece razoável pensar que não, por conta do prazo atribuído aos credores para apresentação do plano alternativo, permanecendo, assim, a impossibilidade da prática de atos de constrição pelos juízes das execuções nesse interregno.
Não faria sentido que se praticassem atos de constrição nesse interregno de 30 dias – entre o vencimento do plano originário e a apresentação do plano alternativo – para que, na sequência, houvesse nova suspensão e aqueles mesmos atos constritivos não pudessem ser perfectibilizados.
Em resumo, tem-se que a suspensão das execuções trabalhistas pode ocorrer da seguinte forma, segundo o juiz Felipe Bernardes[10] :
(a) 180 + 30 dias = 210 dias, caso não tenha sido deferida prorrogação pelo juiz da recuperação judicial;
(b) 180 + 180 + 30 dias = 390 dias, se houver sido prorrogado o prazo pelo juízo universal e os credores não apresentarem plano alternativo;
(c) 180 + 180 + 30 + 180 dias =570 dias, caso, além da prorrogação pelo juízo falimentar, os credores apresentem plano alternativo.
Em qualquer desses casos, reitera-se, vencido o prazo, as execuções trabalhistas podem e devem prosseguir normalmente na Justiça do Trabalho, com a prática de atos de penhora, arresto, expropriação etc.
A crítica inevitável que fica dos termos da nova lei é o excessivo aumento de prazo, que tornará, cada vez mais demorada e onerosa a cobrança dos créditos trabalhistas.
Uma novidade que se destaca aqui é a inclusão do § 8º ao artigo 163 da Lei 11.101/2005, que, expressamente, determinou, aos casos de recuperação extrajudicial, de igual forma, a suspensão das execuções prevista no artigo 6º.
Portanto, agora, o processamento da recuperação extrajudicial também suspende o curso das execuções, o que não ocorria na vigência da lei anterior.
- CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E FISCAIS. EXECUÇÃO.
Outra novidade que exsurge das novas disposições estabelecidas pela Lei n. 14.112/20, é a contida no artigo 6o., § 7º-B, a saber:
Art. 6o. (…)
- 7º-B: o disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020).
Da mesma forma, o § 11 do mesmo artigo:
“O disposto no § 7º-B deste artigo aplica-se, no que couber, às execuções fiscais e às execuções de ofício que se enquadrem respectivamente nos incisos VII e VIII do caput do art. 114 da Constituição Federal, vedados a expedição de certidão de crédito e o arquivamento das execuções para efeito de habilitação na recuperação judicial ou na falência.”
As novas disposições legais estabelecem a ausência de suspensão das execuções fiscais, decorrentes da cobrança das multas administrativas, bem assim das contribuições previdenciárias, que deverão prosseguir na Justiça do Trabalho.
Vale observar que a alteração legal supera a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, cujas decisões, majoritamente, decidiam pela incompetência dessa Especializada para executar os créditos previdenciários de empresa recuperanda, limitando a competência trabalhista à expedição de certidão respectiva.[11]
Como o novo regramento legal veda expressamente a expedição de certidão de crédito, a conclusão é de que o objetivo do legislador, efetivamente, foi o de permitir a execução da parcela acessória (= contribuição previdenciária), ao mesmo tempo em que obsta a execução da parcela principal (= crédito trabalhista), o que causa perplexidade, seja em função do princípio da gravitação jurídica, seja porque o crédito que deveria ser privilegiado recebe, da nova lei, um tratamento pior do que créditos que lhe são inferiores.
Tais motivos fazem com que alguns, como o juiz Felipe Bernardes, sustentem a inconstitucionalidade do art. 6º, §11, da Lei 11.101/2005 (com a redação dada pela Lei 14.112/2020)[12], por violação ao princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput, conjugado com o art. 100, caput) já que o legislador não teria “discricionariedade” para dispensar tratamento inferior a uma espécie de crédito que a própria Constituição trata como privilegiado.
A desembargadora aposentada Vólia Bonfim, porém, faz uma interpretação mais conforme a Constituição Federal e aos objetivos da nova lei[13] com o que tendo a concordar, embora considere um contrassenso a nova determinação legal, que vai contra a própria essência da Justiça do Trabalho, que executará créditos fiscais e previdenciários (estes, acessórios ao principal), mas deixará de fazê-lo quanto aos créditos principais, os trabalhistas.
De forma bastante pragmática, porém, acredito que, dificilmente, conseguiremos cobrar na Justiça do Trabalho estas parcelas, porque os bens estarão arrolados na Vara de Recuperação Judicial e é esta que deverá autorizar qual bem de caráter não essencial poderá ser penhorado na esfera trabalhista (artigo 6o, III, Lei n. 14112/20), o que leva à conclusão de que a execução quanto àqueles créditos, muito provavelmente, permanecerá suspensa.
Embora a lei seja clara, contudo, extrai-se de consulta à jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 12a. Região, a manutenção do entendimento de que a competência trabalhista exaure-se na apuração do crédito, sendo do Juízo Recuperando a competência para executar os valores apurados, inclusive os decorrentes de contribuições previdenciárias e fiscais.
Nesse sentido, os seguintes arestos, todos posteriores à vigência da nova lei ora em análise:
EXECUÇÃO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO FALIMENTAR. TESE JURÍDICA N. 02 DESTE REGIONAL. AUSÊNCIA DE DISTINÇÃO EXPRESSA ENTRE CRÉDITOS CONCURSAIS E EXTRACONCURSAIS. TEOR DO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA – IUJ 0000501-03.2017.5.12.0000. Nos termos da Tese Jurídica n. 02, deste Regional, em se tratando de empresa em recuperação judicial, a competência desta Justiça Especializada se limita à apuração dos créditos, sendo do Juízo Recuperando a competência para executar os valores apurados, inclusive aqueles relativos às contribuições previdenciárias e fiscais. Em que pese possa existir eventual margem de dúvida quanto a quais créditos se refere a aludida tese, certo é que sua edição é resultado do entendimento prevalecente de que a totalidade dos créditos deve ser executada pelo juízo falimentar, a teor dos termos do Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 0000501-03.2017.5.12.0000. (TRT12-AP – 0000374-06.2020.5.12.0018 , LIGIA MARIA TEIXEIRA GOUVEA, 5ª Câmara, Data de Assinatura: 02/06/2021)
EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS. RECUPERAÇÃO JUDICIAL/FALÊNCIA. COMPETÊNCIA. Nos casos de empresa em Recuperação Judicial/Falência, a competência desta Justiça Especializada limita-se à apuração dos créditos, sendo do Juízo Recuperando/Falimentar a competência para executar os valores apurados, inclusive aqueles relativos às contribuições previdenciárias e fiscais. (Tese Prevalecente nº 2 do TRT da 12ª Região). (TRT12 – AP – 0001510-81.2015.5.12.0028, ROBERTO LUIZ GUGLIELMETTO, 1ª Câmara, Data de Assinatura: 23/06/2021)
AGRAVO DE PETIÇÃO. EXECUÇÃO DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL NESTA ESPECIALIZADA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO CONSUBSTANCIADO NA TESE JURÍDICA N. 2 EM IUJ, DO TRT-SC. “EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA. Nos casos de empresa em Recuperação Judicial, a competência desta Justiça Especializada limita-se à apuração dos créditos, sendo do Juízo Recuperando a competência para executar os valores apurados, inclusive aqueles relativos às contribuições previdenciárias e fiscais. (TRT12 – AP – 0000988-14.2017.5.12.0051 , NIVALDO STANKIEWICZ , 3ª Câmara , Data de Assinatura: 24/06/2021)
A Tese Prevalecente n. 02, do e. Regional Catarinense, a que se reportam os arestos em tela[14], parece, data maxima venia, ter sido superada pelo artigo 6o., parágrafos 7o-B e 11, com a redação da Lei n. 14.112/20, que vedam, inclusive, a expedição de certidão de habilitação dos créditos previdenciários e fiscais.
O que pode ocorrer é que, vedado o prosseguimento da execução na esfera trabalhista após a apuração do crédito e, por outro lado, negado, pelo Juízo Recuperando ou Falimentar, o recebimento das certidões de habilitação dos créditos previdenciários e fiscais, tais créditos fiquem num limbo jurídico, mais um aspecto que demonstra a importância da cooperação judiciária.
Finalmente, um destaque importante e sempre alvo de controvérsias jurisprudenciais é o que envolve a liberação dos depósitos recursais, o que sempre foi alvo de discussão entre a Justiça Comum e a Justiça do Trabalho.
Por um lado, tem-se que o Juízo da recuperação exerce a “vis attractiva”, mesmo porque contempla créditos de diversas naturezas e finalidades.
Por outro, contudo, tem-se a natureza super-privilegiada dos créditos trabalhistas e a finalidade do depósito recursal de garantia do juízo, saindo, portanto, do patrimônio da executada, notadamente quando efetuado antes do pedido de recuperação judicial.
O Regional Catarinense já vem enfrentando essa questão, analisando o impacto da nova lei nesse particular, em recentes acórdãos, publicados após a entrada em vigor da Lei n. 14.112/20, sem uma unanimidade no tocante, dos quais se destaca o prolatado pela Exma. Desa. Lília Leonor Abreu, verbis:
“EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS. COMPETÊNCIA. Nos termos da Tese Prevalecente n. 2 deste Tribunal Regional, a Justiça do Trabalho não é competente para prosseguir na execução dos créditos contra empresa em recuperação judicial, os quais devem ser habilitados no Juízo da Recuperação Judicial. (TRT12 – AP – 0001216-65.2015.5.12.0016, LILIA LEONOR ABREU ,6ª Câmara , Data de Assinatura: 20/04/2021).”
Exsurge do acórdão destacado:
ACORDAM os membros da 6ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, por unanimidade, CONHECER DO AGRAVO DE PETIÇÃO DAS EXECUTADAS. No mérito, por igual votação, DAR-LHE PROVIMENTO para, reconhecendo a incompetência desta Justiça Especializada para a prática de atos expropriatórios, determinar que os valores referentes ao depósito recursal realizado nestes autos sejam transferidos ao Juízo universal, ainda que realizado antes do deferimento da recuperação judicial, indeferindo o pedido formulado na contraminuta de reversão de dos valores ao exequente (crédito quitado na presente execução). (grifei)
Em sentido inverso, acórdão do Des. José Ernesto Manzi:
AGRAVO DE PETIÇÃO. DEPÓSITO RECURSAL. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. No processo do trabalho, a natureza do depósito recursal é a garantia do Juízo, nos termos do artigo 899, § 1º, da CLT. Assim, quando realizado anteriormente ao processo de recuperação judicial, deixa de estar disponível à executada para satisfação de outros créditos que não os trabalhistas constituídos na ação em que realizado, diante da evidente mudança de titularidade. (TRT12 – AP – 0006033-04.2014.5.12.0051 , JOSE ERNESTO MANZI , 3ª Câmara , Data de Assinatura: 31/05/2021)
À vista dos recentes entendimentos jurisprudenciais, há que se adotar um critério objetivo para a análise do requerimento de liberação do depósito recursal ao exequente ou reversão ao Juízo da Recuperação, e nesse tocante, considero que a data de ajuizamento do pedido de recuperação judicial seja o melhor parâmetro.
Assim, se o depósito recursal tiver sido realizado anteriormente ao pedido de recuperação, a competência será da esfera trabalhista e, como tal, pode ser liberado ao exequente.
Se posterior ao pedido de recuperação, porém, não há dúvida de que deverá ser revertido ao Juízo da Recuperação ou falimentar.
Contudo, como visto, há controvérsias no particular e, mais uma vez, a solução seria adotar a cooperação judiciária.
- DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA/REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FRENTE A SÓCIOS, DEVEDORES SOLIDÁRIOS OU SUBSIDIÁRIOS
O advento da Lei 14.112/20 trouxe dúvidas em relação a assunto já há muito pacificado tanto na jurisprudência do STJ[15] quanto do TST[16] : o direcionamento da execução contra os sócios, mediante o manejo do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, fulcrando-se as decisões no princípio da autonomia patrimonial, já que os bens do sócio não se confundiriam com os bens da sociedade, de forma que remanesceria a competência da Justiça do Trabalho nesse particular.
Do mesmo modo, o direcionamento da execução contra os responsáveis solidários, tal como as empresas integrantes do mesmo grupo econômico, haja vista o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, pela Súmula n. 581, verbis:
“A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.”
Os dispositivos legais que estabeleceram a controvérsia neste tocante foram os artigos 6o.-C e 82-A, ambos incluídos pela Lei n. 14.112/20, que assim preveem:
Artigo 6o– C: É vedada atribuição de responsabilidade de terceiros em decorrência de mero inadimplemento de obrigações do devedor falido ou em recuperação judicial, ressalvadas as garantias reais e fidejussórias, bem como as demais hipóteses reguladas por esta Lei.
Artigo 82-A: É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica.
Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
O primeiro aspecto a ser observado é que o caput do art. 82-A admite, expressamente, a desconsideração da personalidade jurídica para o fim de alcançar o patrimônio dos sócios, controladores ou administradores da sociedade falida, o que deve ser interpretado em conjunto com o art. 6º-C.
Quanto aos demais aspectos, vale ressaltar a atecnia extraída do artigo 82-A, que apresenta redação dúbia, a qual tem dado ensejo a duas correntes, a saber[17]:
(i) apenas o juízo falimentar poderia realizar a desconsideração da personalidade jurídica;
(ii) não só o juízo falimentar, mas todo e qualquer órgão jurisdicional pode levar a efeito a desconsideração da personalidade jurídica. A restrição contida no parágrafo único do art. 82-A se refere à exigência de que, para o juízo falimentar, somente se admite a aplicação do art. 50 do Código Civil, ou seja, da chamada teoria maior da desconsideração, sendo inviável a aplicação da teoria menor fundada no art. 28, §5º, do Código de Defesa do Consumidor.
A primeira corrente, da qual participam a Desembargadora aposentada Vólia Bomfim Cassar e o juiz Iuri Pinheiro[18] defende que, “como a norma não excepcionou, não caberia ao intérprete fazê-lo, de modo que qualquer responsabilidade por meio de desconsideração da personalidade jurídica, ainda que na Justiça Laboral, ficaria ao crivo do Juízo Falimentar e sob os requisitos do art. 50 do CC”.
Já a segunda corrente, da qual fazem parte o advogado Raphael Miziara e os juízes Felipe Bernardes[19], Vinícius de Miranda Taveira, Ulisses de Miranda Taveira[20], Andrea Presas Rocha e Marcelo Barbosa Sacramone[21], entende que não se trata de norma de competência, e, como tal, as disposições ali estabelecidas se dirigem ao Juízo Falimentar, que fica adstrito, assim, à aplicação do disposto no artigo 50, do Código Civil, na desconsideração da personalidade jurídica, não vedando, contudo, a utilização do instituto na Justiça do Trabalho.
Filio-me à segunda corrente, por mais razoável à vista da interpretação sistemática que deve ser extraída do dispositivo, mesmo porque a competência da Justiça do Trabalho é de ordem constitucional, extraída do artigo 114, da Carta Magna, de sorte que uma lei ordinária não poderia derrogá-la.
Pelo que, resta passível de instauração o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito trabalhista, para redirecionamento da execução contra os sócios, como já decidido pelo e. Regional Catarinense[22] e, a meu ver, não estão os juízes do trabalho adstritos à aplicação do artigo 50, do Código Civil, podendo se valer do disposto no artigo 28, parágrafo quinto, do CDC, aplicável por força subsidiária (art. 769, CLT), que consagra a Teoria Menor.
Caso os sócios sejam incluídos no polo passivo e sua condenação seja objeto de sentença transitada em julgado, ademais, a recuperação judicial ou falência da sociedade não retirará da Justiça do Trabalho a possibilidade de executar diretamente o título contra os sócios – sendo esta, inclusive, a melhor opção em se tratando de prevenir eventuais conflitos de competência futuros no caso de a empresa ter decretada a sua recuperação judicial ou convolada esta em falência.
No que tange às empresas integrantes do mesmo grupo econômico ou responsáveis subsidiárias (em caso de contratos de prestação de serviços entre empresas, por exemplo), entendo que se aplica o mesmo raciocínio, na medida em que são patrimônios e empresas distintas da empresa recuperanda, não se valendo aquelas dos efeitos decorrentes do processo de recuperação judicial;
Nesse sentido, a já referida Súmula 581 do STJ.[23]
O disposto no artigo 6o-C da Lei n. 11.101/05, com a nova redação da Lei n. 14.112/20, ao vedar a atribuição de responsabilidade a terceiros em razão de “mero inadimplemento” da empresa devedora não altera o entendimento retro, na medida em que, como bem destacam os juízes Vinícius e Ulisses de Miranda Taveira[24], “…o devedor subsidiário não é terceiro na relação de direito material, nem mesmo na relação jurídico-processual trabalhista, mas sim parte.”
Ainda, segundo os mesmos autores, a responsabilidade dos devedores subsidiários não resulta de “mero inadimplemento”, “mas do fato de se beneficiar do trabalho alheio, o que se constituiu como fundamento lógico-jurídico dos artigos 5o.-A, parágrafo quinto, da Lei n. 6.019/74, ambos instituídos pela Lei n. 13.467/17”.[25]
Por fim, outra dúvida que remanesce do artigo 82-A referido é se ele se destina apenas à falência ou também aos casos de recuperação judicial, estando a doutrina dividida, igualmente, no particular.
Como o dispositivo em epígrafe está inserido no capítulo atribuído às falências, entendo que a interpretação tem que ser restritiva e se destinar apenas aos casos de situação falimentar – embora não houvesse qualquer prejuízo, na extensão dos seus efeitos, ao processo de recuperação judicial.
- ENCERRAMENTO DA FALÊNCIA/PRAZO
O artigo 158, V, da Lei n. 11.101/05, com a redação da Lei n. 14.112/20, passou a estabelecer que as obrigações do falido serão extintas no prazo de três anos a contar do início da decretação da falência, “…ressalvada a utilização dos bens arrecadados anteriormente, que serão destinados à liquidação para a satisfação dos credores habilitados ou com pedido de reserva realizado.”
Referido prazo é decadencial, uma vez que a lei não permite interrupções ou suspensões, fazendo com que os advogados tenham que ficar bastante atentos à extinção das obrigações, de forma a se acautelarem e solicitarem a habilitação imediata do crédito ou ,se anterior, a reserva, para impedir a perda do direito.
Vale observar que não existe crédito retardatário na falência, de modo que basta a passagem do tempo para fulminar os direitos dos credores, inclusive os trabalhistas, se não houver a reserva prévia ou habilitação.
CONCLUSÃO
Os impactos da Lei n. 14.112/20 sobre o crédito trabalhista foram imensos e, considerando que a lei entrou em vigor há pouco mais de cinco meses (a partir de 23/01/21), as consequências ainda serão sentidas ao longo dos próximos anos.
Fato é que a lei incorporou muitos dos entendimentos jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, do que resultou um elastecimento maior do “stay period” e um aumento maior para satisfação das dívidas, privilegiando-se a situação financeira das empresas recuperandas.
Igualmente, a manutenção na Justiça do Trabalho das execuções previdenciárias e fiscais , estas as decorrentes da cobrança de multas administrativas, representa um contrassenso quando se leva em consideração que o crédito trabalhista será habilitado no juízo falimentar ou da recuperação judicial.
Trata-se de afronta não só ao princípio da gravitação jurídica, mas também à própria preferência dos créditos trabalhistas, que acaba por ser vulnerada.
Da mesma forma, houve redução do prazo para extinção das obrigações do falido, e nesse particular, os advogados trabalhistas terão que atentar para não haver perda do direito, requerendo a prévia reserva de créditos no Juízo falimentar.
Tem-se, assim, que a maioria das alterações desprestigia o crédito trabalhista e afeta a efetividade da execução trabalhista, o que se mostra preocupante, dada a sua natureza alimentar.
Há aspectos importantes, contudo, como a valorização do princípio da cooperação judiciária, o que pode minimizar os impactos dos sucessivos conflitos de competência, que acabavam por alongar, ainda mais, os prazos de pagamento dos créditos trabalhistas.
Talvez esse seja o ponto mais positivo da lei, porque previne conflitos e faz com que juízes, de diferentes esferas, possam atuar de forma coordenada e em regime de cooperação.
De igual forma, o estímulo ao uso da mediação e conciliação é outro importante aspecto trazido pelas novas disposições legais, principalmente considerando que os juízes do trabalho são, naturalmente, conciliadores no seu ofício e podem, assim, talvez auxiliar na busca da efetividade da cobrança dos créditos trabalhistas.
No mais, somente o tempo dirá os impactos que a nova lei vai acarretar, havendo que se aguardar os posicionamentos dos Tribunais, para se verificar de que forma as mudanças serão recepcionadas.
[1]Súmula n. 581, STJ: “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”.
[2]AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/17. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. EXECUÇÃO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO TRABALHISTA CONTRA SÓCIOS DA RÉ. Insurgência recursal contra a decisão do Tribunal Regional do Trabalho que reformou a decisão originária, entendendo ser cabível o direcionamento da execução em face dos sócios da reclamada, empresa em recuperação judicial. O exame prévio dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. A par disso, irrelevante perquirir a respeito do acerto ou desacerto da decisão agravada, dada a inviabilidade de processamento, por motivo diverso, do apelo anteriormente obstaculizado. Agravo de instrumento não provido. (Proc. AIRR – 1000481-62.2015.5.02.0252, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cedar Leite de Carvalho, Julgamento: 30/06/2021. Publicação: 01/07/2021).
[3]In “Manual Estratégico de Recuperação Judicial: impactos no direito e no processo do trabalho”, Ed. VersoReverso, 1a. ed., 2021, Cuiabá, p. 33-34.
[4]TAVEIRA, Vinícius de Miranda et al, op. cit., p. 34.
[5]op. cit p. 34.
[6]Apud TAVEIRA, Ulisses de Miranda et al, op. cit., pg. 35: TEMA 1.051: Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador. (Leading cases REsp 1843332/RS, REsp 1842911/RS, REsp 1843382RS, REsp 1840812/RS, REsp 1840531/RS, Segunda Seção do STJ, Relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Julgamento em 09/12/20. Pub. 17/12/20).
[7] Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, estimulando o uso da mediação e da conciliação.
[8] “A cooperação jurisdicional na Recuperação Judicial”. Acesso em 27/06/21, disponível em: https://oabcampinas.org.br/a-cooperacao-jurisdicional-na-recuperacao-judicial/#:~:text=Notamos%20assim%2C%20que%20o%20Princ%C3%ADpio,processo%20da%20melhor%20forma%20poss%C3%ADvel.
[9]AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUSPENSÃO. PRAZO. PRORROGAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nos. 2 e 3/STJ). 2. A jurisprudência desta Corte entende que a suspensão das ações individuais movidas contra empresa em recuperação judicial pode extrapolar o prazo de 180 (cento e oitenta) dias caso as instâncias ordinárias considerem que tal prorrogação é necessária para não frustrar o plano de recuperação. 3. A suspensão da execução pode ocorrer no caso de falência (artigo 6o. Da Lei n. 11.101;05). 4. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no REsp 1717939 DF 2018/0003135-6, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento 28/08/2018, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação DJe 06/09/2018).
[10] Vide artigo “Aspectos Processuais Trabalhistas da Lei n. 14.112/20: a modificação do regime legal de recuperação judicial e falência”. Acesso em 14/06/21: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/05/12/aspectos-processuais-trabalhistas-da-lei-14-1122020-modificacao-regime-legal-de-recuperacao-judicial-e-falencia/.
[11]Como visto no acórdão prolatado na AIRR-10386-59.2016.5.15.0140, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 01/06/2020.
[12]Como destacado no artigo “Aspectos Processuais Trabalhistas da Lei n. 14.112/20: a modificação do regime legal de recuperação judicial e falência”. Acesso em 14/06/21: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/05/12/aspectos-processuais-trabalhistas-da-lei-14-1122020-modificacao-regime-legal-de-recuperacao-judicial-e-falencia/.
[13]Disponível em https://www.instagram.com/p/CMLP5ynpAcv/. Acesso em 10/06/21.
[14] TESE PREVALENCENTE 2. TRT/12: “EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA. Nos casos de empresa em Recuperação Judicial, a competência desta Justiça Especializada limita-se à apuração dos créditos, sendo do Juízo Recuperando a competência para executar os valores apurados, inclusive aqueles relativos às contribuições previdenciárias e fiscais.”
[15] AGRAVO REGIMENTAL EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – CONSTRIÇÃO DE BENS DOS SÓCIOS – RECURSO NÃO PROVIDO. I. Não configura conflito de competência a constrição de bens dos sócios da empresa em recuperação judicial, à qual foi aplicada, na Justiça Especializada, a desconsideração da personalidade jurídica. Precedentes. II Agravo Regimental a que se nega provimento. (STJ – AgReg no CC:121636 SP 2012/0058130-3, Relator Min MARCO AURÉLIO BUZZI, Data do julgamento: 27/06/2012, Segunda Seção, Pub. DJE 01/08/2012.
[16]RECURSO DE REVISTA DA EECUTADA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N. 13015/04. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA O SÓCIO. O redirecionamento da execução contra os sócios ou integrantes do mesmo grupo econômico da empresa falida ou em recuperação judicial não afasta a competência da Justiça do Trabalho e o prosseguimento dos atos executórios. Precedentes. Óbice da súmula 333 do TST. Recurso de revista não conhecido. (RR-129-74.2012.5.15.0120.2a. T, Rel. Ministra Maria Helena Malmann, DEJT 30/08/19).
[17]Apud BERNARDES, Felipe. Apud artigo citado, disponível no site https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/05/12/aspectos-processuais-trabalhistas-da-lei-14-1122020-modificacao-regime-legal-de-recuperacao-judicial-e-falencia/ . Acesso em 22/06/21.
[18]Apud CASSAR, Vólia B. E PINHEIRO, Iuri, no artigo citado, disponível no site: https://www.rotajuridica.com.br/rota-trabalhista/breves-comentarios-a-lei-14-112-20-e-seus-impactos-na-seara-trabalhista/#_ftn14 , Acesso em 22/06/21.
[19]Artigo citado, nota de rodapé 19. Acesso em 22/06/21.
[20]op. cit, p. 150/154.
[21]Extraído do evento realizado pelo CSJT, “ Recuperação Judicial e Falência: inovações e cooperação jurisdicional”, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=NIGHgbmncSQ&t=6189s . Acesso em 22/06/21.
[22] EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA OS SÓCIOS. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO. É cabível o redirecionamento da execução para os bens dos sócios da empresa executada, tendo em vista que tais bens não se confundem com os bens da empresa em recuperação judicial. (TRT12 – AP – 0001001-84.2015.5.12.0050 , MIRNA ULIANO BERTOLDI , 6ª Câmara , Data de Assinatura: 28/05/2021)
[23]SÚMULA 581, STJ: A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.”
[24]op. cit, p. 159.
[25]Op. cit., p. 160-160.
* Juíza do Trabalho Titular da 4a. Vara do Trabalho de Florianópolis. LLM em Direito Comparado pela Universidade de Miami. Professora de direito processual do trabalho de cursos de pós-graduação e conteudista de diversas Escolas Judiciais e do Serviço de Educação Corporativa do TRT/12. Conselheira Pedagógica da Escola Judicial do TRT/12, gestão 2019-2021. .E-mail: Maria.gubert@trt12.jus.br