Comentários ao trâmite da Medida Provisória n. 927 de 2020 na Câmara de Deputados
Por Marina Zipser Granzotto*, Diretora Tesoureira do Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC, advogada trabalhista e mãe da Ana Clara.
A Medida Provisória 927 de 2020 foi proposta pelo governo devido à pandemia do coronavírus para flexibilizar normas do Direito do Trabalho, possibilitando e regulamentando o teletrabalho, a antecipação do gozo de férias individuais, coletivas, feriados, a criação de um Banco de Horas especial, possibilitar que a jornada do setor de saúde fosse estendida, entre outras alterações legislativas.
O objetivo primeiro, segundo o governo, é a manutenção do emprego no país.
Ontem, dia 26.5.2020, o Relator da Medida Provisória 927, Deputado Federal Celso Maldaner, apresentou ao Plenário da Câmara do Deputados o seu Parecer Preliminar. A Medida Provisória será votada em regime de urgência na Câmara dos Deputados e depois segue para o Senado.
Aos desavisados parece não se estar diante de nenhuma novidade.
Porém, na realidade, o Relator está se utilizando de uma manobra legislativa, que consiste na apresentação de um Projeto de Lei de Conversão, através do qual o texto da Medida Provisória original sofre alterações na redação e acaba sendo votado sem muito alarde.
Na prática o que o Relator fez foi “incluir 8 ou 9 artigos” da revogada Medida Provisória n. 905, aquela do contrato verde e amarelo que o Senado não quis aprovar de um dia para o outro e o governo acabou por revogar.
Contudo estas alterações propostas pelo Projeto de Lei de Conversão impactam direta e sensivelmente as relações de trabalho, alterando dispositivos da CLT e de leis ordinárias.
Para apontar algumas alterações no texto da Medida Provisória, cita-se que a multa do FGTS para os contratos rescindidos durante a pandemia — que era de 40% –, passará a ser de 20%.
Se por outro lado durante a pandemia o Réu desejar recorrer de decisões trabalhistas, está desobrigado de recolher o depósito recursal, uma espécie de garantia de uma parte da condenação para inibir recursos meramente protelatórios contra decisões proferidas, aqueles típicos recursos que se destinam apenas a ganhar tempo. Deverá recolher apenas as custas processuais.
Já a correção dos débitos trabalhistas durante a pandemia deixa de ser o IPCA-E e passa a ser o INPC-IBGE, e os juros que antes eram de 1% ao mês passam a ser equivalentes à remuneração adicional dos depósitos de poupança, a incidir a partir do ajuizamento da ação.
Acordos extrajudiciais serão permitidos durante a pandemia, mesmo em ações judiciais em curso, e precisam unicamente ser firmados por escritura pública perante os advogados das partes para ter validade, não necessitando de homologação do Poder Judiciário, desrespeitando princípios constitucionais consagrados.
Mais uma novidade esdrúxula diz respeito às condenações trabalhistas em fase de execução, cujas alterações propostas são pra lá de polêmicas. Isso porque o devedor que for citado para pagamento durante a pandemia e num prazo de até 18 meses após o seu encerramento poderá pagar o débito em até 60 parcelas. Para isto basta não pagar parcela mensal inferior a um salário mínimo nacional, não atrasar o pagamento ou deixar de pagar três parcelas consecutivas da condenação, o que significa dizer que deixar de pagar de forma alternada não inviabiliza o parcelamento. Ou seja, zero de segurança jurídica para o credor e um prêmio sem precedentes para os devedores.
Em relação à jornada será permitido o trabalho aos sábados, domingos e feriados de forma permanente para diversas categorias, em especial para as atividades ligadas ao processo de automação bancária, teleatendimento, telemarketing, serviço de atendimento ao consumidor, ouvidoria, entre outros.
O setor do comércio passará a ter direito ao gozo do repouso semanal remunerado coincidente com no mínimo um domingo a cada 4 semanas e a indústria de um domingo a cada 7 semanas, sendo que os domingos trabalhados só serão remunerados em dobro se não for concedido pelo empregador outro dia de folga compensatória.
Com relação à contaminação pelo coronavírus durante a jornada, só haverá de ser reconhecido como acidente de trabalho de forma presumida para os protagonistas da área da saúde. Nos demais casos se o empregador demonstrar que adotou medidas de proteção e segurança em relação ao coronavírus não será reconhecido, como regra, o nexo causal da doença, cabendo ao empregado o ônus de provar o contrário. Nada mais cruel.
Outra alteração que novamente é ressuscitada diz respeito à insistência em flexibilizar normas de inspeção e fiscalização dos estabelecimentos em relação ao cumprimento das leis de proteção ao trabalho, suavizando prazos, multas e outras rotinas, representando um retrocesso censurável.
A análise, ainda que apontando alterações por amostragem, permite concluir que o Parecer Preliminar da Medida Provisória apresentado pelo Deputado Relator Celso Maldaner à Câmara do Deputados vai muito além da imagem que o governo quer vender aos trabalhadores de que se busca tão somente a manutenção do emprego em meio à crise instaurada pela pandemia. Isso também ocorre, é inegável, mas ao mesmo tempo estão sendo incluídas — de forma ardilosa — violações graves e sérias a direitos conquistados pelos trabalhadores há várias décadas com tanta luta, suor e lágrimas.