Cabotagem. Modal de transporte alternativo que começa a se destacar no Brasil.
Por Sabine Mara Müller Souto* – Membro Efetivo do IASC.
Conforme registrado no anuário/2019 do informativo dos Portos, é hora de unir forças e torcer para o melhor, pois quando temos um novo mandato na Presidência da República é comum provocar alvoroços em diversos setores da economia em razão da ruptura das gestões anteriores, mas quando o assunto se refere aos Portos Brasileiros, as expectativas com as possibilidades de mudança são consideráveis. Afinal, são novos atores e forças políticas no jogo.
É consenso que os complexos portuários brasileiros carecem de investimentos e inovações, mas apesar da ausência de dinheiro nos cofres do Governo Federal, o Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e o Secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni, têm sinalizado que vão seguir o caminho de consentir a autonomia das autoridades portuárias, o que soa como um fator essencial.
Considerando todo esse cenário que desponta no ramo, venho participando de palestras e seminários que envolvem o ramo do Direito Marítimo e Portuário, e constato que o tema em voga e que se refere ao setor apontado, é sobre os desafios e tendências para cabotagem no Brasil.
Já não é mais novidade o assunto de que em um país de grande extensão como o Brasil, a sujeição a um único modal de transporte para cargas, pode causar inúmeros e graves contratempos como aqueles ocorridos em 2018 com a greve dos caminhoneiros, que ao longo de alguns dias paralisou diferentes setores da economia nacional e ocasionou múltiplos prejuízos financeiros ao país, razão pela qual modais de transportes de cargas alternativos principiam certo destaque e a cabotagem é um deles.
Conhecida como a navegação entre portos marítimos de um mesmo país, contudo, sem perder a costa de vista, a cabotagem se contrapõe à navegação de longo curso, ou seja, aquela realizada entre portos de diferentes nações, tendo sido muito usado no Brasil na década de 1930 para transportar carga a granel.
Considerando a posição geografica do Brasil e todo o seu processo de colonização, que fez com que o comércio marítimo fosse uma das mais elementares atividades econômicas do Brasil, e protagonizasse o transporte de mercadorias desde o período da colonização até os dias atuais, deveria parecer natural que o maior emprego da navegação de cabotagem fosse relevante no país para o transporte de cargas, tanto pela conjuntura histórica, como pela centralização da atividade econômica contígua à costa, e ainda, porque a extensão do litoral brasileiro é de praticamente 8.000 quilômetros, então, uma “estrada natural”. Mas, infelizmente não é bem assim.
A verdade é que apenas 11% da carga realizada no Brasil ocorre por meio do transporte marítimo (cabotagem), ainda que considerado como a opção menos poluente e com a menor probabilidade de acidentes.
Vale relembrar que o processo histórico de colonização foi decisivo para a navegação de cabotagem ser praticada no Brasil desde a chegada dos portugueses. Entre os séculos XVI e XX, tempo durante o qual as vias aquaviárias era a exclusiva possibilidade de transporte de cargas a longas distâncias, a navegação de cabotagem exerceu um papel extremamente relevante e praticamente exclusivo na interligação entre os portos brasileiros e atividades comerciais.
No Brasil, até o limiar dos anos 1930, em virtude das precárias condições das nossas ferrovias e rodovias, além da limitada malha, a navegação de cabotagem era consideravelmente importante para o transporte de carga geral e a granel.
Essa condição, segundo dados obtidos pela FIESP, passou a mudar de forma rápida a partir do governo de Washington Luiz, entre 1926 e 1930, que tinha como slogan: “governar é construir estradas”, estreando, de tal modo, um momento de priorização do transporte rodoviário. Após, este cenário foi consolidado no fim dos anos 1950, com o aparecimento e a implantação da indústria automobilística no governo Juscelino Kubistchek (1956-1961).
Através de dados obtidos junto as empresas como Portogente, graças às políticas governamentais e às linhas de financiamento, sustentadas de forma constante a partir dos anos 1950, no fim da década de 1970 a indústria naval brasileira chegou no seu auge. O Brasil alcançou o posto de segunda potência na indústria naval do mundo, gerando mais de 39 mil empregos diretos em 1979.
O segundo choque do petróleo e o aumento da taxa de juros nos EUA refletiram-se em queda da demanda, pressionando o valor dos fretes, o que impactou o Fundo de Marinha Mercante, até hoje uma importante fonte de financiamento do setor. Observou-se uma deterioração da situação financeira dos armadores nacionais, acompanhada de drástica redução na atividade dos estaleiros instalados no Brasil.
Na década de 1990, marcada pela radical abertura econômica ao mercado internacional e pela larga política de privatizações, o setor aquaviário persistiu atenuado. Trata-se de período de descontinuidade de planejamento e de execução de atividades no setor.
Atualmente, o modal rodoviário brasileiro soma praticamente por 65% da carga transportada e ainda que, com o significativo crescimento que a navegação de cabotagem obteve nos últimos anos, esta atualmente detém uma participação de algo em torno de 11% do total das modalidades de transporte.
Não obstante de seu potencial, a navegação de cabotagem no Brasil, ainda é muito limitada à circulação de escassos produtos, mormente ao transporte de petróleo entre as plataformas marítimas e o continente.
Entre 2010 e 2016, explica a Portogente, em artigo especifico, que o petróleo significou 75% da carga total mobilizada. A movimentação de bauxita foi de 9,9% da carga total. Depois do petróleo e da bauxita, respondendo por 5,8% da carga movimentada, aparece o transporte de contêineres. Vale destacar que o transporte de carga em contêineres, já apresentou um crescimento de 203% chegando a 10,6 milhões de toneladas transportadas, só em 2016.
A navegação de cabotagem, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Governo Federal, se apresenta como grande capacidade operacional de movimentação de cargas da navegação que gera lucros de escala que resultam em vantagens econômicas, v.g., baixo consumo de combustível por tonelada transportada, menor custo por tonelada/quilômetro transportado e reduzido registro de acidentes.
Explica Cássio Adriano Nunes Teixeira que, para transportar a mesma quantidade de carga de uma embarcação de seis mil toneladas, seria necessário 172 carretas de 35 toneladas ou 86 vagões de setenta toneladas, portanto, além de ser considerado o menor consumo de combustível por tonelada/quilômetro transportado, teríamos como consequência menor emissão de poluentes, um benefício ambiental.
A navegação de cabotagem é uma atividade própria do Brasil e que fez parte da nossa história. Exerceu função relevante no transporte de mercadorias por décadas e é modal para movimentação de carga extremamente competitivo, além de ser menos poluente e ter baixo índice de acidentes.
Muito embora estejamos na era da busca pela energia renovável e da sustentabilidade e governança, e a cabotagem seja modal de transporte viável e completamente dentro dos parâmetros dessa busca, um dos grandes empecilhos ou desafios encontrados para o desenvolvimento do setor é a legislação trabalhista brasileira, que impõe excessivos limites para a contratação e manutenção da mão de obra necessárias, fazendo com que grandes empreendedores e investidores do setor recuem e passem a investir em outros países.
DT-TO), a isenção de tributos federais sobre a importação de navios Referências:
GIBERTONI, Carla Comitre Adriana. A lei de modernização dos portos. In: PASOLD, César Luiz. Lições preliminares de direito portuário. Florianópolis: Conceito, 2007.
MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 4o Edição. Volume I — Teoria Geral. São Paulo: Manole, 2013.
SCALASSARA, Lecir Maria. Poluição Marinha e proteção jurídica internacional. Curitiba: Juruá, 2008.
ANUÁRIO 2019 Informativo dos Portos. Itajaí/SC: Perfil Editora, 2019.
http://portogente.com.br/portopedia/a-historia-da-navegacao-de-cabotagem-78255
O Desenvolvimento da Navegação de Cabotagem no Brasil – FIESP, 6º Encontro de Logística e Transportes
Regulamento CCE nº3577/92 do Conselho
Artigo Navegação de Cabotagem Brasileira, dos autores Cássio Adriano Nunes Teixeira, Marco Aurélio Ramalho Rocio, André Pompeo do Amaral Mendes e Luís André Sá d’Oliveira, publicado no BNDES Setorial 47.
*Conselheira Federal da OAB e Membro da Comissão Especial Federal de Direito Marítimo e Portuário.