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AUDIÊNCIAS DE INSTRUÇÃO TELEPRESENCIAIS E A COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL

O mais importante na comunicação é “escutar” o que não foi dito no comportamento não verbal.

Paulo Cesar Silveira

 

Há aproximadamente 350 mil anos, portanto desde os primórdios de sua existência, o ser humano (homo sapiens) se comunica com seus pares e com o meio onde habita de modo verbal[1] e não verbal[2]. Aliás, é a capacidade de se comunicar de forma tão complexa e diversa que possibilitou aos humanos, dotados de inteligência avançada, sobreviver e dominar as outras espécies do planeta.

A comunicação não verbal, diferentemente do que possamos pensar, é responsável por 55% da mensagem transmitida[3]. A linguagem corporal (cinésica), gestos, conexão visual, sinais, entonação, expressões faciais, códigos sonoros, respiração, reações do corpo contribuem fortemente para a credibilidade do que é dito pelo emissor e captado pelo receptor.

Quem não se recorda dos desenhos animados, palhaços circenses e filmes[4] cujos personagens, sem uma única palavra, cativaram públicos mundo afora?

Comunicar-se de modo não verbal nos é cotidiano, familiar e de inegável eficácia. A partir desta constatação, passamos a analisar consequências de novos regramentos judiciais que o isolamento compulsório trazido pela pandemia causada pelo coronavírus trouxe para o exercício da Advocacia.

As audiências de instrução telepresenciais – sem regramentos próprios em nossa legislação processual, impostas por meio de Portarias e Resoluções de cada egrégio Tribunal – desconsideram totalmente a comunicação não verbal, validando tão somente a comunicação verbal, a qual representa apenas 45% do que é comunicado.

Assim, numa audiência de instrução telepresencial – a partir do que está posto atualmente – os diferentes tipos de comunicação não verbal são ignorados: paralinguagem, proxêmica, cinésica, cronêmica e características físicas não são percebidas com eficiência pelo receptor distante, acostumado a presença física dos envolvidos.

Lembremo-nos que as cartas precatórias são produzidas obrigatoriamente perante (em frente) um servidor público, inadmitindo-se sua colheita/produção por terceiros que não pertençam ao Poder Judiciário.

Neste sentido, Policiais e Magistrados, além de outros agentes públicos, são convidados a participar de diversos cursos relativos à linguagem não verbal, tamanha sua importância e credibilidade ao longo de depoimentos e testemunhos presenciais. Muitas sentenças, confirmadas por acórdãos, creditam à linguagem não verbal o convencimento dos julgadores.

Nos detalhes “não verbais” as verdades se apresentam desnudas. O semblante do emissor revela seu estado interior; os músculos zigótico e orbicular, por exemplo, são ativados quando produzidos sentimentos verdadeiros[5].

Insta registrar que a comunicação só é efetiva quando o receptor entender a mensagem que o emissor quis transmitir[6]. Assim, é possível e, de fato, ocorre com frequência, que uma ata de audiência telepresencial transcreva o que foi ouvido, ipsis verbis, e que não represente, em sua plenitude, o que foi dito pelo emissor. Logo, houve uma falha na comunicação, tornando-a precária, razão mais que suficiente para que, em se mantendo as audiências telepresenciais, a gravação integral em vídeo seja medida que se impõe, dela não se podendo abrir mão. O contrário ensejaria nulidade processual, tornando o processo ainda mais lento, exatamente o que se pretende evitar com o uso da tecnologia.

Diante da pandemia humanitária, vivemos um pandemônio processual com desrespeito à Constituição Federal – aquela Carta que todos os operadores do direito juraram respeitar-, ao direito da ampla defesa, da produção segura da prova, da comunicação reservada entre Advogado e cliente, da incomunicabilidade dos atos e do isolamento seguro das partes durante a solenidade. Dura lex, sed lex[7].

Destaca-se que consoante § 3º da Resolução n. 314 do CNJ e o § 2º do art. 15 do Ato Conjunto CSJT.GP.GVP.CGJT n. 6, é vedada a atribuição de responsabilidade aos advogados e procuradores em providenciarem o comparecimento de partes e testemunhas a qualquer localidade fora de prédios oficiais do Poder Judiciário para participação em atos virtuais.

Sem embargo ao já exposto, de acordo com o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br[8]), 1 em cada 4 brasileiros não tem internet; 39% dos brasileiros não têm acesso à internet pelo computador; apenas 58% dos brasileiros têm acesso à internet pelo celular; 1% da classe A não tem internet em casa; 5% da classe B não têm internet em casa; 20% da classe C não têm internet em casa; 50% da classe D e E não têm internet em casa.

Como bem asseverou a Desembargadora Federal do e. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (S.C.), Dra. Mari Eleda Migliorini, “não obstante a utilização das audiências telepresenciais possibilite continuidade na entrega da prestação jurisdicional, a partir do momento em que as partes requerem o adiamento da audiência, temendo que a prova possa não ser devidamente produzida ou mesmo apreciada, fica clara sua preferência por uma entrega não tão célere, mas efetiva e adequada. Na minha interpretação, esse requerimento, amparado nas normas que regulamentam a matéria, deve ser acolhido”[9].

Nas palavras do douto Professor e Processualista, Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Florianópolis, SC, Dr. Daniel Natividade Rodrigues de Oliveira:

o Estado brasileiro não disponibiliza tais meios a seus cidadãos, o que impede o Estado-juiz de impor sanções processuais a quem não os detém (…); porque exigir que a conexão de partes e testemunhas seja feita a partir dos meios técnicos de seus advogados, em seus escritórios, importaria em deslocamentos e aglomerações de pessoas naqueles locais, aumentando os riscos de contaminação; e porque a exposição a esses riscos contraria as recomendações das autoridades sanitárias, não sendo possível o expediente presencial nas dependências do fórum trabalhista; e, por fim, porque malgrado o esforço do juízo em dar cumprimento ao contido na Portaria CR n.1. de 07.05.2020, pautando o presente processo em estrita observância ao ali contido, prevalece o impedimento físico à realização do ato instrutório”.

Lançada em 1980, a obra “O corpo fala – A linguagem silenciosa da comunicação não-verbal” está em sua 74ª edição. Há 40 anos, portanto, os autores Pierre Weil e Roland Tumpakov[10] já nos traziam a certeza de que o gesto, a respiração, o olhar, têm intenso valor na comunicação. Eles dizem:

“Alguém à sua frente cruza ou descruza os braços, muda a posição do pé esquerdo ou vira as palmas das mãos para cima. Tudo isso são gestos inconscientes e que, por isso mesmo, se relacionam com o que se passa no íntimo das pessoas.”

Uma sutil mudança na respiração – se estamos dispostos a lê-la – muda o curso de um depoimento. Estão aí, para ensinar-nos, a Arte e a Ciência.

Cabe, portanto, este alerta: as audiências de instrução telepresenciais são medidas impositivas e arbitrárias do Estado-Juiz, mitigando, mais uma vez, direitos dos jurisdicionados e da própria Advocacia, vez que consideram apenas a comunicação verbal que, desprovida da comunicação não verbal, é precária forma de aferir o dizer humano.

 

Por Gilberto Lopes Teixeira[11]

Presidente do IASC

 

[1] Abrange a comunicação escrita e a comunicação oral.

[2] Abrange a comunicação corporal, postural, gestual e visual realizada pelo corpo, sem o uso da palavra falada.

[3] Vide BIRDWHISTELL, R.L. Kinesics and context: essays on body motion communication. 4.ed. Philadelphia: University of Pensylvania Press, 1985.

[4] Charles Chaplin, Mr. Bean, Tom & Jerry, Papa-Léguas, Pantera Cor de Rosa dentre outros.

[5] MCNEILL, D. Hand and Mind: what gestures reveal about thought. Chicago: University Chicago Press, 1992.

[6] Indica-se a leitura de Pasold, Cesar Luiz. Personalidade e comunicação. Lisboa: Editora Chiado, 2017.

[7] Expressão em Latim: “Lei dura, porém lei”.

[8] https://www.cetic.br/, acessado em 01 de junho de 2020.

[9] Mandado de Segurança nº 0001055-30.2020.5.12.0000, de 09 de junho de 2020.

[10] Pierre Weil (doutor em Psicologia pela Universidade de Paris) e Roland Tompakow (professor de Comunicações na FGV-RJ).

[11] Vice-Presidente do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil, Presidente do IASC, Membro Honorário da OAB/SC, Advogado, Professor universitário, Coordenador do Curso de Direito da UNISOCIESC em Florianópolis, escritor, articulista, palestrante, bacharel em Letras Inglês e Português, linguista, Especialista em Direito do Trabalho e Mestre vertente análise crítica do discurso forense.

Fonte: artigo originalmente publicado em http://www.conversandocomoprofessor.com.br/ em 15/06/2020.

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