Álcool e violência: uma combinação tóxica contra a mulher
Por Leandro Vendruscolo[1] e Tammy Fortunato[2]
A violência contra a mulher está presente em todo o mundo, abrangendo mulheres de todas as classes sócio econômicas, culturais raças e, em todos os níveis de escolaridade. Mulheres são vítimas de violência não só no âmbito doméstico, mas também no ambiente de trabalho ou social.
A violência praticada contra mulheres deixa de ficar restrita ao ambiente privado, ultrapassando os limites da questão moral, tornando-se, além de uma violação aos direitos fundamentais (direitos humanos inclusive), uma questão de saúde pública.
Segundo a Organização Mundial da Saúde,[3] a violência praticada contra as mulheres está entre as dez principais causas de morte em todo o mundo, um dado alarmante, considerando-se tantas doenças existentes.
Ao Estado cabe a atuação e a observância às normas internacionais, estabelecidas para prevenir, punir e erradicar[4] às violências praticadas contra as mulheres, não só no âmbito privado, mas no público também.
As formas de violência[5] são muitas, incluindo agressão psicológica, física e sexual e, envolvem desde uma piada (in)ofensiva até a ocorrência do feminicídio. Tem-se falado sobre meios de prevenção à violência contra a mulher, mas ainda pouco se fala sobre os motivos arguidos pelos homens como justificativa à prática da violência.
No âmbito doméstico, mulheres são mortas por aqueles que dizem amá-las. O amor, um sentimento tão nobre é utilizado como uma tentativa de justificar uma agressão covarde.
Outra justificativa bastante utilizada por homens autores de violência contra a mulher é o ciúme. A falsa sensação de posse do homem sobre a mulher. O medo da perda da mulher amada. Os homens precisam entender que mulheres não são objetos, muito menos propriedades. São seres livres, que não pertencem a ninguém, sendo donas da própria vida.
Além da utilização do amor e do ciúme para tentar justificar seus atos mais violentos, os homens autores de violência doméstica, também utilizam a justificativa da necessidade de aplicação da disciplina quando as mulheres não “obedecem” às regras impostas pelo marido.
A ingestão de bebidas alcoólicas também engloba uma gama de desculpas dadas pelos homens com o intuito de justificar seus atos, como se o consumo de bebida alcoólica isentasse o homem de suas responsabilidades. Em realidade, o consumo de álcool não muda a personalidade da pessoa e a tendência de comportamento agressivo; a culpa é da pessoa e não do álcool.
O álcool está presente em nossa sociedade desde os tempos mais remotos, sendo aceito seu consumo, mesmo em excesso, com naturalidade, principalmente pelo público masculino. Bebidas alcoólicas são ingeridas por prazer, como prêmio, para relaxar após um dia estressante de trabalho, ou mesmo, para alívio de mágoas e frustrações[6].
Propagandas de bebidas alcoólicas são veiculadas em canais abertos de televisão, acessíveis a todos os públicos, mostrando pessoas bonitas e felizes, voltadas ao público masculino que, identifica-se com o produto. No entanto, as propagandas não mencionam os males que a bebida alcoólica pode causar, não só à saúde de quem a ingere como também a saúde familiar e social.
Mulheres são agredidas física e psicologicamente por homens alcoolizados, que se sentem encorajados e desinibidos para descontar toda a sua frustração, raiva, insegurança e medo em pessoas fisicamente mais frágeis, como as mulheres e crianças. Ao consumir álcool os homens têm diminuído seu freio inibitório e agem sem pensar nas possíveis consequências negativas de seus atos.
Com a desinibição e a euforia provocada pelo consumido exagerado do álcool, os casos de violência praticados contra as mulheres aumentam, já que a impulsividade dos atos agressivos masculinos é majorada ao mesmo tempo que a capacidade de julgamento é reduzida. Isto, facilita o descontrole comportamental que leva a agressão, sem pensar nas consequências, incluindo consequências criminais.
A violência praticada contra as mulheres, em decorrência do consumo abusivo do álcool, destrói famílias e mulheres são agredidas sexual, física e verbalmente; objetos são quebrados em atos de fúria e mulheres são mortas por homens que não souberam controlar seus ímpetos passionais.
O lar[7], local que deveria ser o mais seguro para as mulheres, acaba sendo um local em que elas são submetidas ao controle e a disciplina masculina, principalmente após a ingestão de álcool por seus companheiros ou ex- companheiros.
Ao serem submetidas a violência doméstica, algumas mulheres deixam de registrar boletim de ocorrência ou de procurarem ajuda, sob a alegação de que o homem que a agrediu estava sob efeito do álcool, como se este fato fosse excludente de qualquer tipo de responsabilidade. Um fator complicante, mas que não isenta a responsabilidade do agressor, é o fato de que o consumo de álcool estar aumentando entre as mulheres, e as estatísticas indicam que a incidência de violência contra mulheres alcoolizadas é aumentada[8].
É comum que uma proporção de mulheres submetidas a atos de violência doméstica, aleguem que o autor da violência é uma boa pessoa, mas que o álcool modifica o seu comportamento, tornando-o mais agressivo, mas que assim que passar o efeito do álcool, ele volte a normalidade.
Presente neste fato, além do ciclo da violência, a incidência da chamada anestesia relacional. O ciclo da violência consiste na fase do aumento da tensão, da explosão e da lua de mel. A fase da lua de mel é quando ocorrem as promessas e reconciliações. A anestesia relacional[9] geralmente ocorre na fase da lua de mel, e consiste em esquecer as fases ruins do relacionamento, mantendo somente as lembranças das fases boas.
É importante que a mulher tenha ciência de que ela não foi submetida a violência doméstica em virtude da ingestão de álcool pelo companheiro ou ex -companheiro, mas que o álcool serviu apenas de gatilho para a prática da violência. A violência está intrínseca no homem autor da violência e, somente uma mudança em seus padrões morais será capaz de cessar as violências praticadas contra a mulher.
É preciso que o homem autor de violência doméstica seja submetido a programas de reeducação de agressores[10], assim como acompanhamento médico e psicológico para a identificação e tratamento das causas do seu comportamento agressivo.
Trabalhar com a igualdade de gênero numa forma de prevenção primária, não cultuar o mito do amor romântico[11] e, principalmente não achar normal ser submetida a situações de violência doméstica em virtude da ingestão de álcool pelo (ex)- parceiro, são formas de quebrar o ciclo da violência, e assim, libertar a mulher de agressões futuras, as quais são completamente injustificáveis.
[1] Formado em Farmácia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre e Doutor em farmacologia na UFSC e Université de Bordeaux, France. Post-doutorado em dependência de álcool e outras drogas na Université de Bordeaux e The Scripps Research Institute, California, EUA. Atualmente. é cientista e diretor do laboratório Neurobiologia da Dependência de Drogas no instituto nacional de drogas de abuso (NIDA) do instituto nacional de saúde (NIH) dos EUA.
[2] Advogada inscrita na OAB/SC sob o nº 17.987, é pós graduada em Direito e Negócios Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina e, presidente da Comissão de Combate às Violências Contra a Mulher do Instituto dos Advogados de Santa Catarina.
[3] Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/85239/9789241564625_eng.pdf;jsessionid=278EBBC9EE426D4CD998C975DD1896B5?sequence=1
[4] Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1973.htm
[5] Segundo o art.5º da Lei 11.340: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
[6] Schimidt, Bruno Borba Bins Lica. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/9781/1/2010_BrunoBorbaLinsBicaSchimdt.pdf
[7] Buraladi, Laura Augusta. “Do total de óbitos das mulheres, 15,9% tinham história prévia de violência de repetição, com destaque para as adultas (17,7%). O local onde, predominantemente, ocorreu a violência foi a residência (48,1%) para todos os grupos, seguido de vias públicas (25,2%)”. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2017.v22n9/2929-2938/
[8] Veloso C, Monteiro CFS. Consumo de álcool e tabaco por mulheres e a ocorrência de violência por parceiro íntimo. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2019 [acesso ANO MÊS DIA];28: e2017581. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2017-0581
[9] “O que simboliza uma forma de defesa para a vítima em que a mesma tira do seu consciente as agressões ocorridas e fica incapaz de percebê-la. De certa forma, seria essa uma possibilidade de manter a sobrevivência do relacionamento e, consequentemente, permanecer no mesmo, conforme o ciclo da violência”. Razera, Josiane e Falcke, Denise. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652017000300010
[9] Lei 11.340: art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
(…)
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação;
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
[10] Lei 11.340: art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
(…)
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação;
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
[11] Freitas, Ana: “Idealiza o outro e atribui a ele características inexistentes. O conceito segue que, se você se apaixona por alguém, essa é a pessoa que vai suprir todas as suas necessidades”. Disponível em : https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/06/12/Como-o-mito-do-amor-rom%C3%A2ntico-pode-arruinar-sua-vida-amorosa#:~:text=O%20mito%20do%20amor%20rom%C3%A2ntico%20idealiza%20o%20outro%20e%20atribui,suprir%20todas%20as%20suas%20necessidades.
Parabéns pela publicação, pelas informações e pelo trabalho. Tão relevante nos dias atuais!