Novas nomenclaturas, práticas antigas. Por Tammy Fortunato*
A violência contra a mulher, cometida por homens, tem sido bastante combatida nos últimos anos e, principalmente, após a aplicação da Lei do Feminicídio[i], nos casos em que mulheres são assassinadas por essa razão.
Violências são cometidas em vários ambientes, não somente no doméstico, mas no dia a dia. Nossa sociedade é machista, e ainda tem a visão da soberania do masculino sobre o feminino, embora a Constituição Federal[ii], em seu artigo 5º, traga a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres.
O movimento feminista teve grande importância na conquista das mulheres pela igualdade de direitos e obrigações, mas ainda há muito o que ser conquistado, e nesse diapasão, menciona-se a mudança cultural e da sociedade em que vivemos.
Mulheres lutam diuturnamente pelo fim do machismo, e mais do que tudo, lutam pelo fim da violência a que são submetidas a cada segundo e, infelizmente, não se menciona uma metáfora, mas uma triste realidade.
Novas nomenclaturas surgem para antigas práticas de violência psicológica, moral e sexual contra as mulheres, dentre elas: mansplaining, manterrupting, bropriating, gaslighting, cyberstalking, revenge porn.
O mansplaining, ou a explicação do homem, acontece quando um homem explica coisas óbvias a uma mulher, menosprezando sua inteligência. Manterrupting, ocorre todas às vezes em que uma mulher é interrompida desnecessariamente por um homem, durante a sua fala, para que perca ou tenha seu raciocínio prejudicado. O bropriating ocorre quando uma mulher tem suas ideias e projetos apropriados por um homem, e pode ser percebido quando uma mulher expõem suas ideias, conhecimentos e projetos, que são ignorados por homens, até que outro diga exatamente a mesma coisa, e colha os aplausos. Gaslighting é um tipo de violência praticado contra as mulheres quando se quer fazer uma manipulação psicológica, fazendo com que a mulher não acredite em si própria. Cyberstalking, é uma caçada virtual, ambiente no qual a mulher é perseguida, cujo perigo é que ela pode se tornar real, sofre violenta pressão psicológica e moral. Revenge porn, também conhecida como pornografia da vingança, é o compartilhamento virtual de fotos e vídeos íntimos, sem a autorização da mulher.
No entanto, pouco se fala na violência praticada por mulheres, contra mulheres. Um exemplo é o slut shame. O termo inglês significa vergonha de puta. Tal nomenclatura é utilizada para pejorar mulheres e meninas que não se vestem e se comportam como deseja a sociedade. Nas entrelinhas, leia-se, como desejam outras mulheres.
Termos como “mulher decente” e a atual expressão “bela, recatada e do lar” conceituam a mulher que atende aparentemente as expectativas da sociedade, o que, em pleno século XXI, conflita com mulheres que lutam por sua independência, causando repulsa tais expressões.
Outro exemplo bem simples: a sociedade aceita que homens tenham relações sexuais com parceiras aleatórias no decorrer de sua vida, mas não aceitam o mesmo de uma mulher. Quando uma mulher decide usufruir livremente de sua vida sexual, logo é taxada de promíscua entre outros termos pejorativos.
A violência do slut shame que atinge a moral e o psicológico da vítima, é, em grande maioria praticada por mulheres. Mulheres sendo algozes das próprias mulheres, julgando-as e, condenando-as, por não atenderem aos padrões “pré-determinados”.
Mulheres também são julgadas e condenadas por outras mulheres quando são vítimas de violência praticada por homens, como em casos de violência física e sexual, com frases como “bem feito”, “mereceu”, “com aquela roupa, estava pedindo”.
A Constituição Federal roga que todos sejam iguais perante a lei, mas a sociedade faz questão de trazer e manter as diferenças entre os gêneros. É preciso que as mulheres tenham maior sororidade entre si e menos julgamentos.
A sororidade é um dos grandes alicerces do feminismo que busca a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, não somente na lei, mas na sociedade de um modo geral.
Precisamos na sociedade de mulheres que respeitem e apoiem outras mulheres, não de mulheres que julguem, e pior, condenem outras mulheres pelo modo como agem e como se vestem.
[i]Lei 13.104/2015, alterou o Código Penal que passou a vigorar com a seguinte redação:
art.121:“(…)
Homicídio qualificado
- 2° Se o homicídio é cometido:
(…)
VI- contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
(…)
- 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II- menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.
[ii] Constituição Federal/1988,
art. 5º:“(…)
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
*Dra Tammy Fortunato é Presidente da Comissão de Combate às Violências Contra a Mulher do IASC, especialista em Direito e Negócios Internacionais pela UFSC.