Democracia ou Farsa?
FELIZ ANO NOVO! Sim, como se costuma dizer, o ano começa “depois do carnaval”, então estamos começando (finalmente) um novo ano. 2018 será um ano repleto de “emoções” (Copa da Mundo, Eleições para o Executivo, Câmara Federal e Senado, OAB) e também de grandes embates entre forças ideológicas (ou fisiológicas) contrárias. Neste último tópico foco este artigo, em que arrisco-me a atrair a fúria dos que pensam em sentido contrário, também com sólidos argumentos, sobretudo acadêmicos. Socorro-me, por isso, dos ensinamentos do meu saudoso professor, na antiga Faculdade de Direito da Rua Esteves Júnior, Clóvis de Souto Goulart. Seu posicionamento firme, favorável ao parlamentarismo, foi abordado pelo renomado jurista Cesar Luiz Pasold, em artigo publicado na obra Reforma Política, “Reforma Política: Atualização do Elogio ao Parlamentarismo na Epistemologia de Clóvis de Souto Goulart” (Reforma Política, Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil, 1a. edição, 2017. Edição e Distribuição da Editora IASP). Apresento reflexões e minhas conclusões sobre a democracia e os valores republicanos que defendemos mas que, no meu entender, vivenciamos como farsa a defender e manter uma situação de fato insustentável. Democracia, singelamente apresentando, significa o governo do povo, isto é, a forma de governo em que a soberania é exercida pelo povo diretamente ou através de seus representantes legais. É, porém, mais que isso, nos diz Clóvis Goulart, nas palavras de César Pasold: “A partir de tal princípio, mas não confinada nele, a concepção de Democracia passa a extrapolar a ideia tradicional de (apenas) governo controlado pela maioria do povo, e alcança patamar mais elevado, e é compreendida como ‘muito mais a realização de uma filosofia de vida do que uma forma estereotipada de governo’, filosofia esta “indissoluvelmente ligada à consecução dos ideais de liberdade e igualdade’. (obra citada, pág. 399). Antes já nos alertava Clóvis que a Democracia submete-se a uma trilogia: legitimidade pela origem (os governantes devem assumir o “exercício do poder, mediante manifestação expressa de quem é realmente o titular da soberania – o povo”; legitimidade pelos meios (ilegítimo é o governo que se vale de meios arbitrários e tirânicos, e sua ação haverá de… estar calcada na legalidade que, por seu turno, haverá de respaldar-se numa ordem jurídica superior consubstanciada na Constituição, numa constituição que equivalha a um verdadeiro pacto sócio-político, elaborado e votado pelos representantes do povo’ (Goulart, Clóvis de Souto, Parlamentarismo – Regime Natural de Governo Democrático, in Reforma Política, pág. 398); legitimidade pelos fins, apontando o Bem Comum como “finalidade síntese do ente político”, na busca da qual serão utilizados meios intermediários que “não podem, sob pena do vício da legitimidade, ultrapassar os limites do humano, do sensato, do justo, do constitucional”(ob. Cit. Pág. 398). Faço uma pausa nos estudos para trazer para a atualidade os ensinamentos de Clóvis Goulart e indagar se, apoiados na trilogia construtora da democracia, podemos afirmar que vivemos num estado democrático, ou se vivenciamos uma farsa. A carência quase absoluta no atendimento às necessidades básicas, saúde, educação e segurança, confrontada com os notórios desvios de verbas públicas, em benefício de governantes, ex-governantes e seus apadrinhados embasa o entendimento de que o Bem Comum sustenta o exercício do Poder? Os inquéritos e as ações judiciais contra grande parte de Deputados Federais, Senadores nos deixam confortáveis para enfrentarmos a legitimidade dos meios como essencial à democracia? O descrédito quase absoluto nos três Poderes da República nos ajuda na conclusão de que o povo, titular absoluta da soberania, tem respeitada a sua vontade? A minha conclusão, reforçada nos ensinamentos de Clóvis, é que vivemos uma farsa, e não uma democracia. Resta buscar soluções, sendo a menos traumática a substituição nas próximas (felizmente bem próximas) eleições. Mas não basta, até porque as opções que nos estão sendo apresentadas e que serão impostas, não prometem uma mudança radical. Concluída a pausa, retorno ao artigo de Cesar Pasold sobre pensamentos de Clóvis Goulart: “Neste aspecto, na sua manifestação nuclear Goulart expõe a tese de que a concentração do poder nas mãos de um único Chefe manipula a vontade política dos seus adeptos embotando-lhes a criatividade, desfigurando-lhes a personalidade’… Par a passo, com isto há um enfraquecimento crescente do Poder Legislativo e mesmo do Judiciário por força da assunção progressiva do Poder Executivo que, ocupa paulatinamente, os espaços decisórios. O fenômeno provoca, entre tantas consequências, em muitos casos historicamente constatadas, um tipo de exercício político que concentra os três Poderes num só bloco, ‘colocado nas mãos de um único homem que dele se utiliza, ao sabor de seus apetites políticos’… Clóvis Goulart, pragmaticamente, arremata: Á realidade de nossos dias é pródiga em exemplos de Estados, cujos regimes, tipicamente ditatoriais, fundiram os três poderes em um só bloco, colocado nas mãos de um único homem que dele se utiliza, ao sabor de seus apetites políticos’…”(ob.cit.pág. 403). Não há como contestar a atualidade da visão de Clóvis Goulart. Tenho como fato, por consequência, que o necessário equilíbrio dos poderes, não subsiste a uma confrontação séria, visto que a maioria no Congresso, quando necessária ou conveniente ao Executivo, costuma ser obtida através de negociatas, nomeações para Ministérios e outros cargos importantes. Concluo: mais que o resultado das urnas, a retomada do equilíbrio entres os Poderes é essencial para o retorno à Democracia e isto só será obtido com o fortalecimento, principalmente, do Judiciário. Justifico a interferência cada vez mais frequente do Judiciário em questões pertinentes aos demais Poderes, retomando a busca do Bem Comum, como princípio constitucional. Um Judiciário forte, que afaste aquela impunidade que estimulou, durante tanto tempo, os desmandos praticados pelos detentores do Poder, representa a defesa da Constituição, como instrumento que é, fruto da soberania do povo. Este é o meu entendimento.