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Helio Diniz

Breves considerações sobre a limitação da taxa de juros do cheque especial. Por Hélio Ricardo Diniz Krebs*.

Muito se viu e ouviu falar, nas últimas semanas, sobre a limitação da taxa de juros do cheque especial em 8% a.m. (equivalente a 151,8% a.a.), imposta pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) às instituições financeiras, por meio da Resolução nº 4.765, de 27 de outubro de 2019.

Primeiramente, deve-se esclarecer que, ao contrário do que se observa em diversos veículos de comunicação e nas mídias sociais, a limitação é imposta, de fato, pelo CMN, e não pelo Banco Central do Brasil (Bacen), este que tem a função de dar publicidade e fazer cumprir a resolução editada por aquele, nos termos do art. 9º da Lei nº 4.595/64, que regula o Sistema Financeiro Nacional.

Outra questão pouco esclarecida, diz respeito ao fato de que a referida limitação da taxa de juros incide apenas sobre as operações firmadas com pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEI), conforme disposto no preâmbulo e no art. 1º da Resolução CMN nº 4.765/19. Sendo assim, continua sem limite legal a taxa de juros do cheque especial (e de diversas outras operações) pactuada com as demais pessoas jurídicas, de modo que a necessária limitação deve ser pleiteada pelo interessado perante o Poder Judiciário, que decidirá caso a caso.

Do Voto 246/2019 do Bacen, que compõe a exposição de motivos da Resolução CMN nº 4.765/19, observa-se que, entre as principais razões que levaram o CMN a impor essa limitação estão, em síntese: a) o fato de que essa linha de crédito é mais utilizada por pessoas de baixa renda e escolaridade, o que vem colaborando para o superendividamento das famílias com essas características; b) o alto índice de inadimplemento das operações com o cheque especial; c) dificuldades com relação à execução e cobrança dos créditos advindos dessa espécie de contrato; e d) os altos custos decorrentes da alocação de capital que os bancos devem realizar para disponibilizar limites de crédito geralmente maiores, para pessoas de maior renda, mas que utilizam menos essa linha de crédito e acabam onerando aqueles de baixa renda, consumidores mais assíduos do cheque especial.

Das entrelinhas da mencionada exposição de motivos, somadas à certa dose de ceticismo deste subscritor, pode-se extrair outro motivo não expressamente especificado pela autoridade monetária, qual seja, o de que a limitação da taxa de juros do cheque especial visa não apenas a manter as pessoas de baixa renda e escolaridade utilizando o cheque especial (agora mais atraente, mas ainda com juros estratosféricos), como também a estimular o uso dessa linha de crédito pelas pessoas de maior renda e escolaridade, sobre as quais recaem maiores chances de recuperação do crédito, em caso de inadimplência.

Ademais, em que pese nota oficial da Federação Brasileira de Bancos – Febraban demonstrando preocupação em relação à “adoção de limites oficiais e tabelamentos de preços de qualquer espécie”, o fato é que a própria Resolução CMN nº 4.765/19 traz consigo medida que visa a equacionar possíveis prejuízos que as instituições financeiras sofreriam com a limitação da taxa de juros do cheque especial.

Trata-se da cobrança de tarifa pela mera disponibilização de limite de crédito decorrente do cheque especial, que será de 0,25% para limites de crédito acima de R$ 500,00 e poderá ser cobrada no máximo uma vez por mês, conforme dispõe o art. 2º, § 1º, II e § 2º da Resolução CMN nº 4.765/19. Aqueles consumidores cujo limite de crédito disponibilizado pelo banco não ultrapasse R$ 500,00 estarão isentos dessa tarifa (art. 2º, § 1º, I da Res. CMN nº 4.765/19). Por outro lado, segundo os incisos I e II do parágrafo único do art. 3º da Resolução CMN nº 4.765/19, a cobrança de juros remuneratórios relativa à utilização do cheque especial, deve descontar o valor da tarifa de que trata o art. 2º cobrada no mês, quando os juros apresentarem valor superior ao da referida tarifa; e ser igual a zero, quando os juros apresentarem valor igual ou inferior ao da tarifa de que trata o art. 2º.”

A cobrança da referida tarifa entrará em vigor imediatamente, para os contratos firmados a partir de 06/01/2020 e, a partir de 01/06/2020, para os contratos firmados até 06/01/2020.

De acordo, com a nova norma, portanto, aquele consumidor que tiver limite de crédito de, por exemplo, R$ 20.000,00 no cheque especial, deverá pagar mensalmente (ou em periodicidade superior, na remota hipótese de que assim venha a ser pactuado com a instituição financeira) a quantia de R$ 50,00, mesmo que não utilize o referido limite.

Segundo informações do Bacen, “Os bancos têm hoje aproximadamente R$350 bilhões disponibilizados para seus clientes como limite de crédito no cheque especial. Desse total, R$26 bilhões foram concedidos em operações de crédito […][1], donde se pode observar, ainda que de forma abstrata, que a tarifa de 0,25% incidirá mensalmente sobre R$ 324 bilhões.

Pois bem. Embora aqueles que defendam a liberdade exacerbada e sem freios do setor bancário critiquem esta intervenção pontual do CMN na taxa de juros, o fato é que a própria Lei nº 4.595/64, há muito, já prevê, em seu art. 4º, VI e IX[2], a possibilidade de o CMN intervir quando necessário.

Sobre tal necessidade, não bastassem as razões expostas pelo próprio Bacen na exposição de motivos da Resolução CMN nº 4.765/19, ainda há outros fortes fundamentos para a intervenção do CMN na limitação das taxas de juros, os quais decorrem simplesmente da evidente e incontestável cobrança de juros estratosféricos que se vê no Brasil e cuja principal justificativa dos bancos estaria na inadimplência.

Tal justificativa, no entanto, não se sustenta e não é necessário um estudo aprofundado para corroborar essa afirmação. Basta verificar que, na última década, em que boa parte o país esteve mergulhado na pior crise econômica da história, o lucro dos bancos aumentou de forma aberrante, graças a liberdade excessiva que lhes é concedida pelo Estado (aqui entendido como os 3 Poderes da República), o que demonstra a diminuta relevância da limitação da taxa de juros tão somente do cheque especial e apenas para pessoas físicas e MEI.

Cita-se, como mero exemplo, o caso do Itaú Unibanco. Em 2008, ano em que o STJ decidiu, por meio do Recurso Especial Repetitivo nº 1.061.530/RS[3]  (temas 24 a 36), que não cabe ao Poder Judiciário realizar qualquer espécie de tabelamento de juros, nem mesmo com base na taxa média de mercado – tal como vinha se consolidando a jurisprudência à época – o lucro líquido do banco foi de R$ 7,8 bilhões; em 2013, bateu o recorde histórico e obteve lucro de R$ 15,696 bilhões; em 2014, R$ 20,242 bilhões; entre 2015 e 2017 o lucro foi subindo gradativamente até alcançar, em 2018, R$ 24,977 bilhões, maior lucro líquido de um banco na história do país.

Não é à toa que, um artigo publicado em 2014, no site do jornal New York Times inicia com a assertiva de que os juros praticados no Brasil fariam um agiota americano sentir vergonha”. [4]

Em contrapartida a esses lucros estratosféricos, causa perplexidade o fato de que, justamente nos anos em que uma gravíssima crise econômica atingiu o país (2012 até os dias atuais), causando o fechamento de no mínimo 1,8 milhões de empresas, só no ano de 2015[5], e deixando mais de 14 milhões de brasileiros desempregados, os lucros dos bancos tiveram as maiores altas e bateram todos os recordes históricos.

Não bastasse isso, seja com a taxa Selic em torno de 14% – como era em 2015 – ou em 5% como nos tempos atuais (dezembro de 2019), o Brasil mantém uma das taxas de juros mais alta do mundo, não se verificando queda significativa nem mesmo com a Selic “despencando” mais da metade.

E mais. Veja-se que, a taxa média do cheque especial, divulgada pelo Bacen, em out/2008 era de 170,30% a.a.. Em out/2015 chegou a 259,13% a.a. e em jan/2019 chegou a 349,21% a.a. Simplesmente não existe razão alguma que justifique os Poderes da República permitirem que um setor da economia tenha lucros multibilionários e cada vez maiores, em detrimento do restante da sociedade, que necessita de crédito para contribuir com o desenvolvimento do país, assim como ocorre na maioria dos países desenvolvidos.

Feitas essas breves considerações, resta torcer pela aprovação da PEC nº 79/2019, que inclui o § 4º ao art. 192 da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte: “As taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras em suas operações de crédito de qualquer natureza ou finalidade não poderão exceder ao limite de três vezes a taxa básica de juros estabelecida pelo Banco Central do Brasil.” Sendo aprovada essa PEC, espera-se que a sociedade brasileira deixe de sonhar e, de fato, passe a ter esperanças concretas de que o tão almejado crescimento econômico do país se torne realidade, colocando-nos lado a lado com as grandes potências mundiais, lugar ao qual, indubitavelmente, o Brasil pertence.

[1] Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/390/noticia> acesso em: 08.12.2019.

[2] Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:  […]

VI – Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras; […]

IX – Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover:

[3] A tese fixada no referido precedente será tratada com maior profundidade em artigo a ser publicado futuramente.

[4] Disponível em: <https://dealbook.nytimes.com/2014/12/03/for-brazilians-pawnshops-are-the-antidote-to-soaring-interest-rates/> Acesso em: 08.12.2019.

[5] Disponível em: <http://fenacon.org.br/noticias/18-milhao-de-empresas-fecharam-em-2015-622/> Acesso em 25.04.2018.  Segundo consta na notícia: “’O dado é preocupante: a mortalidade das empresas aumentou mais de 300% entre 2014 e 2015’, afirma Jaime de Paula, presidente da consultoria e responsável pelas estatísticas. Ele observa que a marca de 1,8 milhão de empresas desativadas em 2015 é a maior dos últimos cinco anos.

O executivo pondera que essa marca pode estar subestimada, já que existe um custo para encerrar a atividade na junta comercial e há empresários que, acuados pela crise, não têm recursos disponíveis para isso”.  

 

*Presidente da Comissão de Direito Bancário do IASC.

 

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