BETS, BESTS ou BESTAS? As implicações Criminais do mercado de apostas no Brasil.
Por Thiago de Miranda Coutinho – Membro Efetivo do IASC.
Da Lavagem de Dinheiro ao Estelionato; uma interseção à Caetano Veloso
Nos últimos anos, o mercado de apostas esportivas e jogos de azar, amplamente conhecido como “BETS”, tem ganhado visibilidade no Brasil. Se por um lado, as apostas movimentam bilhões de reais, atraindo investimentos e um certo tipo de entretenimento (questionável) para milhões de brasileiros, por outro, o aumento das atividades nesse setor também levantam preocupações quanto às práticas criminosas que, eventualmente, circundam esse tipo de operação; como lavagem de dinheiro e estelionato.
Por isso, mais ofensivo do que o título deste artigo é o que vem ocorrendo com muitos brasileiros: a implosão patrimonial e familiar ocasionada pelas perdas financeiras provenientes de algum tipo de aposta.
É o que apontou o recente estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) ao revelar que, 60% dos brasileiros que já fizeram algum tipo de aposta esportiva perderam dinheiro e, com isso, houve comprometimento dos seus orçamentos pessoais.
Neste paralelo, o banco Itaú estimou que os brasileiros gastaram R$ 68,2 bilhões em apostas no ano de 2023 e, entre vitórias e derrotas, o saldo foi de R$ 23,9 bilhões de perdas. Perdas que só o cidadão absorve, pois o governo prevê arrecadar R$ 12 bilhões ao ano pois, de acordo com estudos da Fazenda, as apostas esportivas movimentaram R$ 120 bilhões em 2023; aumento de 71% se comparado a 2020.
No ponto, cumpre sopesar que a Lei nº 13.756/2018 legalizou as apostas esportivas de cota fixa no Brasil, permitindo que operadores estrangeiros atuem – desde que regulamentados, evidentemente –, no mercado nacional. Vejamos o texto legal:
“Art. 29. Fica criada a modalidade lotérica, sob a forma de serviço público exclusivo da União, denominada apostas de quota fixa, cuja exploração comercial ocorrerá em todo o território nacional.
- 1º A modalidade lotérica de que trata o caput deste artigo consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico.
- 2º A loteria de apostas de quota fixa será autorizada ou concedida pelo Ministério da Fazenda e será explorada, exclusivamente, em ambiente concorrencial, com possibilidade de ser comercializada em quaisquer canais de distribuição comercial, físicos e em meios virtuais.
- 3º O Ministério da Fazenda regulamentará no prazo de até 2 (dois) anos, prorrogável por até igual período, a contar da data de publicação desta Lei, o disposto neste artigo.”
Da mesma forma, em complemento ao regramento jurídico exposto acima, cita-se, também, a Lei nº 14.790/23, que dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa:
Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I – aposta: ato por meio do qual se coloca determinado valor em risco na expectativa de obtenção de um prêmio;
II – quota fixa: fator de multiplicação do valor apostado que define o montante a ser recebido pelo apostador, em caso de premiação, para cada unidade de moeda nacional apostada;
III – apostador: pessoa natural que realiza aposta;
IV – canal eletrônico: plataforma, que pode ser sítio eletrônico, aplicação de internet, ou ambas, de propriedade ou sob administração do agente operador de apostas, que viabiliza a realização de aposta por meio exclusivamente virtual;
V – aposta virtual: aquela realizada diretamente pelo apostador em canal eletrônico, antes ou durante a ocorrência do evento objeto da aposta;
VI – aposta física: aquela realizada presencialmente mediante a aquisição de bilhete em forma impressa, antes ou durante a ocorrência do evento objeto da aposta;
VII – evento real de temática esportiva: evento, competição ou ato que inclui competições desportivas, torneios, jogos ou provas, individuais ou coletivos, excluídos aqueles que envolvem exclusivamente a participação de menores de 18 (dezoito) anos de idade, cujo resultado é desconhecido no momento da aposta e que são promovidos ou organizados:
- a) de acordo com as regras estabelecidas pela organização nacional de administração do esporte, na forma prevista na Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023(Lei Geral do Esporte), ou por suas organizações afiliadas; ou
- b) por organizações de administração do esporte sediadas fora do País;
VIII – jogo on-line: canal eletrônico que viabiliza a aposta virtual em jogo no qual o resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras;
IX – evento virtual de jogo on-line: evento, competição ou ato de jogo on-line cujo resultado é desconhecido no momento da aposta;
X – agente operador de apostas: pessoa jurídica que recebe autorização do Ministério da Fazenda para explorar apostas de quota fixa; e
XI – aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.
Contudo, pode-se dizer que a regulamentação formal do setor ainda caminha a passos lentos no país e, devido à fragilidade da fiscalização e falta de transparência, percebe-se a existência de um ambiente propício para práticas ilícitas.
Além disso, a “cultura digital” – aliada ao crescente acesso às plataformas online e a falta de “cultura” de muitos –, facilita o fluxo de grandes quantias de dinheiro sem o devido controle, criando um manancial de oportunidades para criminosos utilizarem esse (eco)sistema como um mecanismo para disfarçar recursos provenientes de atividades ilícitas.
Nessa linha, sabidamente, a lavagem de dinheiro é uma das principais “sombras” envolvendo as apostas no Brasil. Prática que consiste em dar aparência de legalidade a recursos de origem criminosa, sendo as apostas, portanto, uma forma vista por muitos como conveniente de movimentar grandes somas de dinheiro.
Já no que tange ao modus operandi, alguns criminosos abrem contas em plataformas de apostas online utilizando dados falsos ou de “laranjas” e passam a realizar depósitos, seguidos de várias transações em diferentes eventos esportivos. Assim, independentemente de vencer ou perder, o montante depositado inicialmente pode ser “lavado” ao ser resgatado como ganhos de apostas, com a aparente origem lícita.
Não diferente disso, a criação das próprias plataformas online – com a conseguinte manipulação de resultados como forma de potencializar esses “ganhos” –, também não é descartada. Sem contar na utilização de “influencers digitais” para dar claridade à obscuridade deste “sol” fictício.
Uma dura realidade que faz muitos perderem mais que dinheiro; perdem a subsistência do salário, a paz e até a família. Afinal, no afã de atingir o “BEST”, miram nas BETS e viram “BESTAS” (sem ofensas pessoais, mas tão somente parafraseando o entendimento bíblico do livro do Apocalipse sobre o oferecimento de riqueza e glória pelo dito anticristo).
Ademais, a falta de monitoramento adequado das movimentações financeiras e o aceite de criptomoedas como forma de pagamento, dificultam o rastreamento das transações, favorecendo, assim, os criminosos. Notadamente, as criptomoedas se mostram atrativas porque, além de oferecerem anonimato, possuem pouca regulamentação no Brasil, sendo utilizadas em operações fraudulentas de apostas para movimentar e ocultar os ganhos ilícitos.
Outrossim, as chamadas BETS também se tornaram protagonistas de outras vertentes nocivas entre os brasileiros. Daí, a provocação contida já no título do presente texto faz emergir o sentimento de que, além da lavagem de dinheiro, o estelionato também figura entre os crimes comumente associados ao mercado de apostas.
Com a promessa de lucros rápidos e de baixo risco, muitas pessoas acabam sendo vítimas de fraudes elaboradas por operadores de sites falsos ou desonestos.
Na prática, plataformas fraudulentas podem atrair jogadores com promessas de altos retornos, mas em vez de oferecerem um serviço legítimo, acabam por apropriar-se dos valores apostados por resultados forjados.
Outro ponto de destaque é o uso de técnicas sofisticadas de engenharia social, onde os criminosos se passam por representantes de plataformas de apostas legítimas para enganar vítimas. Com a ampliação das apostas online, a coleta indevida de dados pessoais, utilizada para fraudes bancárias, também cresce e, neste caso, os apostadores – ao fornecerem seus dados –, passam a figurar como potenciais vítimas de crimes virtuais.
A saída jurídica para as BETS seria a regulamentação clara e rígida aliada a robustos mecanismos de compliance no setor, como ferramentas de controle, licenciamento para as operadoras e, ainda, a implementação de sistemas de monitoramento financeiro que permitam o rastreamento de movimentações suspeitas. Com isso, a responsabilização das plataformas que não adotarem tais práticas de prevenção pode vir a configurar alguma nuance de coautoria ou participação em crimes praticados por seus usuários; mas aí seria tema pra outro artigo.
Enquanto isso paira o convite à reflexão. Obviamente que não se pode generalizar o assunto. Aliás, como nada na vida. Também não se está aqui afirmando que tudo que envolve tal temática seja ilícita, pois seria mera leviandade, como àquela de acreditar que aposta seja a solução para atingir a independência financeira ou como dizem, “um lugar ao Sol”.
Sombras e nuvens que dão claridade à obscuridade deste “Sol” fictício, como já dito. “Sol” que sempre será “Sol” e que nos remete à música “Força Estranha”, composta por Caetano Veloso e eternizada na voz de Gal Costa:
“Aquele que conhece o jogo; o fogo das coisas que são.
É o sol, é a estrada, é o tempo, é o pé e é o chão;
Eu vi muitos homens brigando, ouvi seus gritos.
Estive no fundo de cada vontade encoberta.
E a coisa mais certa de todas as coisas, não vale um caminho sob o sol.
E o sol sobre a estrada, é o sol sobre a estrada… É o sol.”
Referências:
BRASIL. Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2023. Dispõe sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), sobre a destinação do produto da arrecadação das loterias e sobre a promoção comercial e a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 13 dez. 2023. Disponível em: < https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/54976993/do1-2018-12-13-lei-n-13-756-de-12-de-dezembro-de-2018-54976737>. Acesso em: 24 set. 2024.
BRASIL. Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023. Dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa; altera as Leis nºs 5.768, de 20 de dezembro de 1971, e 13.756, de 12 de dezembro de 2018, e a Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001; revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967; e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 30 dez. 2023. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm>. Acesso em: 24 set. 2024.
BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 4 mar. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613compilado.htm>. Acesso em: 01 set. 2024.
Revista Forbes. Bets lucram até R$ 20 bi, enquanto brasileiros perdem R$ 23 bi com apostas. Disponível em: <https://forbes.com.br/forbes-money/2024/08/bets-lucram-ate-r-20-bi-enquanto-brasileiros-perdem-r-23-bi-com-apostas/> Acesso em 24/09/24.
Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. 63% dos brasileiros que apostam online tiveram parte de sua renda comprometida. Disponível em: < https://sbvc.com.br/63-dos-brasileiros-que-apostam-online-tiveram-parte-de-sua-renda-comprometida/> Acesso em 24/09/24.
DATTLER, Frederico. O livro da Revelação – Comentário sobre o Apocalipse. Loyola, São Paulo 1977.
L’Apocalypse – État de la question, de A. Feuillett, Desclée, Paris 1963.
VELOSO, Caetano. Força Estranha; intérprete Gal Costa. Álbum Divino Maravilhoso. 1969.
* Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo, Direito e pós-graduado em Inteligência Criminal. Escritor e co-autor de livros é articulista nos principais veículos jurídicos do país, integrante do corpo docente de Academia da Polícia Civil de SC (Acadepol), palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc). No ano de 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz e, em 2023, recebeu Moção de Aplauso da Alesc. Recentemente, ganhou destaque nacional por ser o autor da sugestão legislativa de propositura de Projeto de Lei (apoiada pelo Conselho Federal da OAB em 2022), que visa incluir no Código Penal, qualificadoras a crimes praticados contra Advogados no exercício da função (PL 212/2024). Instagram: @miranda.coutinho_