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A reforma tributária e seus desafios.

Por Julio Cesar Marcellino Jr., Membro Efetivo do IASC, Advogado e Doutor em Direito.

Há trinta anos que discutíamos sobre a necessidade de uma reforma tributária no Brasil. Nosso sistema tributário sempre foi burocrático, ineficiente e injusto. Quanto a isso não há dúvidas. Sem querer “reinventar a roda”, buscou-se inspiração no modelo do Imposto de Valor Adicionado (IVA), um sistema testado com sucesso há muitas décadas por mais de 170 países, incluindo a Europa.

No final do ano passado o primeiro passo foi dado. A reforma tributária foi aprovada por meio da Emenda Constitucional n.º 132. Em linhas gerais, criamos para o Brasil o IVA Dual, ou seja, o imposto sobre valor adicionado que substituirá 5 impostos: o Pis, Cofins, IPI (em âmbito federal) e o ICMS e o ISS (em nível estadual e municipal). “Dual” porque o IVA se desdobrará em dois tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS (que unifica Cofins, Pis e IPI) e o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS (que unifica ICMS e ISS). Como se pode perceber, nessa primeira fase da reforma o alvo principal foi a tributação sobre consumo.

No que diz respeito à tributação sobre o patrimônio, também foram aprovadas mudanças em relação do ITCMD, IPVA e IPTU. Em resumo, entre outras alterações, o ITCMD deverá ter alíquotas progressivas; O IPVA poderá ter sua base de cobrança ampliada incluindo embarcações e aeronaves de alto padrão e o IPTU poderá ter sua base de cálculo ampliada por Decreto. Foi também criado um imposto seletivo para produtos que sejam nocivos à saúde e que possam impactar o meio ambiente. A tributação sobre a renda ficará para um segundo momento.

No que diz respeito a prazos, ficou da seguinte forma: em 2026 inicia o processo de unificação dos impostos como um período de testes. Em 2027 entra em vigor por completo a CBS, com a extinção do PIS e Cofins, zerando as alíquotas do IPI (excetuando-se a Zona Franca de Manaus). Em 2028 será o último ano de vigência do ICMS e ISS na sua integralidade antes de serem unificados definitivamente por meio do IBS. A partir de 2029 as alíquotas de ICMS e ISS passam a ser reduzidas gradativamente até 2033, quando o IBS estiver totalmente implementado.

Dentre os principais objetivos da reforma, o primeiro foi o da simplificação. No emaranhado complexo de legislações tributárias e na falta de padronização das normas que regem o ICMS nos Estados, simplificar é necessário e fundamental. Segundo estudos do Banco Mundial, o Brasil é campeão mundial em tempo gasto para cumprir as obrigações tributárias acessórias. De acordo com esse estudo os empresários brasileiros gastam aproximadamente 1.500 horas por ano de trabalho para cumprirem com essas obrigações.

O segundo objetivo é tornar a tributação menos injusta. Quem mais paga impostos no Brasil são as pessoas de baixa renda e a classe média. Pessoas de alta renda e grandes empresários normalmente são menos onerados pelo nosso sistema tributário. Isso ocorre porque a tributação brasileira foca no consumo e não na renda e no patrimônio. De regra, as pessoas mais humildes, mesmo com certo benefício no imposto de renda, gastam tudo que ganham com consumo, sendo duramente tributados.

O terceiro objetivo é acabar com a guerra fiscal. Nosso modelo tributário traz consigo a distorção de direcionar a tributação para o local de origem (de produção) e não para o local de destino (da comercialização) dos bens produzidos. Por conta disso, os Estados, cada qual ao seu modo, mergulharam em uma guerra interna em disputa por atração de empresas oferecendo forte redução de impostos.

Para se ter uma ideia, até 2017 essa guerra fiscal era absolutamente aberta e sem limites. Os Estados não poderiam oferecer benefícios de forma indiscriminada por força de lei, mas como não havia punições, essa prática era corriqueira. Com a Lei Complementar n.° 160 de 2017, houve convalidação dos benefícios já existentes, impedindo com que benefícios sejam concedidos sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), exigindo consenso de todos os Estados. Essa medida amenizou a guerra fiscal, mas não a extinguiu. Com a reforma tributária, há a previsão de vedação dos benefícios fiscais, pretendendo-se por fim definitivamente à essa dura disputa entre os Estados.

O quarto objetivo seria a redução da carga tributária que hoje alcança aproximadamente 34% do PIB. Segundo Bernard Appy, a reforma tributária cria mecanismos não somente para conter a alta de carga tributária como também para reduzi-la gradativamente. A expectativa é que em 10 ou 15 anos se possa reduzir a carga tributária brasileira em aproximadamente de 10% a 20% no médio e longo prazo. Mas não há consenso sobre essas expectativas.  Ponto positivo é que a simplificação da cobrança pelo IVA, que visa tributar tão somente o produto do “valor adicionado”, será mais fácil de compreender e de ser controlado pela sociedade.

A reforma aprovada implantou um novo modelo tributário, mas deixou muitas das definições para legislação infraconstitucional. Uma reforma desse porte é desafiadora quando imaginamos o tamanho do Brasil e as diferenças regionais. Com o modelo atual muitos Estados tinham um mecanismo para atrair empresas mesmo estando longe dos grandes centros econômicos. Estes mesmos Estados talvez se sintam prejudicados com o modelo de tributação no destino, que, por sua vez, oferecerá vantagens a Estados populosos e estruturados do Sudeste.

Precisamos avançar nessa reforma tributária pois ela é necessária para deixarmos para trás o “manicômio” tributário brasileiro. É inviável permanecermos num modelo onde a decisão de produção, local e classificação do que vai se produzir seja, em grande medida, pautado pela tributação. Sem benefícios fiscais, os Estados e municípios precisarão aperfeiçoar a gestão para se tornarem mais atraentes aos investimentos. Quem bem se estruturar com portos, rodovias e qualificação de sua mão de obra, certamente continuará – ou se tornará – ainda mais competitivo. O período de transição serve exatamente para que Estados e municípios se ajustem às novas regras e se preparem para um novo momento da economia brasileira. É possível. Que aproveitemos essa grande oportunidade.

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