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ALONGAMENTO DA DÍVIDA RURAL: UM DIREITO DO PRODUTOR E DEVER DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.

Por Hélio Ricardo Diniz Krebs* Presidente da Comissão de Direito Bancário do Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC.

1 – BREVE INTRODUÇÃO

Há algumas décadas, o agronegócio tem se consolidado como um dos principais pilares da economia e do desenvolvimento do país, sendo responsável por aproximadamente 25% do PIB nacional e por colocar o Brasil entre os maiores produtores e exportadores de alimentos e fibras do mundo.

No entanto, trata-se de um setor bastante sujeito às intempéries climáticas, que incluem eventos como secas prolongadas, enchentes, granizos, geadas e tempestades, bem como a pragas e doenças, cujas consequências, não raras as vezes, é a perda total ou parcial da safra.

Tais circunstâncias acarretam enormes prejuízos ao agronegócio, atingindo desde grandes latifúndios a pequenos produtores rurais, que veem suas expectativas de lucro frustradas, ao mesmo tempo em que as dívidas e obrigações vão vencendo e se acumulando, em especial, os empréstimos bancários, que comumente são contratados para custear o plantio ou culturas.

Ocorre que, quando presentes tais circunstâncias e preenchidos certos requisitos legais, a prorrogação ou alongamento da dívida rural torna-se um direito do produtor rural e um dever da instituição financeira, sendo sobre tais questões que se ocupará este breve artigo.

2 – O ALONGAMENTO DA DÍVIDA RURAL

De acordo com as normas extraídas dos arts. 4º, IV e 14 da Lei 4.829/65, c/c o capitulo 2, seção 6, item 9 (atualmente item 4), do Manual de Crédito Rural (MCR), bem como da Súmula 298/STJ, conclui-se que o alongamento de dívida rural, mesmo após o vencimento original da operação, trata-se de um direito do produtor rural e um dever da instituição financeira, para viabilizar o pagamento dos débitos decorrentes do crédito rural.

Pois bem. O Manual de Crédito Rural (MCR), como é cediço, codifica as normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e aquelas divulgadas pelo Banco Central do Brasil (BACEN) relativas ao crédito rural. Assim, de acordo com os arts. 4º, IV e 14 da Lei 4.829/65, tem-se entendido que o Manual de Crédito Rural (MCR) deve ser interpretado como se possuísse força de lei.

Com efeito, a redação original do MCR 2.6.9 (com vigência de 27/04/2014 a 06/05/2021) dispunha que “Independentemente de consulta ao Banco Central do Brasil, é devida a prorrogação da dívida, aos mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito, desde que se comprove incapacidade de pagamento do mutuário, em consequência de: (Circ 1.536) a) dificuldade de comercialização dos produtos; (Circ 1.536) b) frustração de safras, por fatores adversos; (Circ 1.536) c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações. (Circ 1.536)”.

Recentemente, a norma equivalente passou a constar no MCR 2.6.4, com a seguinte redação: “Fica a instituição financeira autorizada a prorrogar a dívida, aos mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, desde que o mutuário comprove a dificuldade temporária para reembolso do crédito em razão de uma ou mais entre as situações abaixo, e que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação e demonstre a capacidade de pagamento do mutuário: a) dificuldade de comercialização dos produtos; b) frustração de safras, por fatores adversos; c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações”.

A despeito da pequena alteração observada na redação da referida norma e tendo em vista que o direito à alimentação é um direito fundamental social, previsto no art. 6º da Constituição Federal, conclui-se que ainda persiste a premissa de que o alongamento da dívida é um direito do produtor rural e um dever da instituição financeira, desde que preenchidos os requisitos legais. Diz-se isso, inclusive, porque dentre os objetivos do crédito rural traçados pelos art. 3º da Lei nº 8.29/65[1] e art. 48 da Lei nº 8.171/91[2], não se encontra nenhum benefício voltado a quem concede o crédito (vez que sua fonte de lucro decorre de uma ampla gama de outras operações), mas sim uma ampla diretriz voltada ao estímulo de investimentos e favorecimento para o custeio da produção rural e ao fortalecimento econômico do produtor rural. A importância da atividade realizada pelo produtor rural também está prevista entre os princípios fundamentais da política agrícola, previstos no art. 2º da Lei nº 8.171/91, dentre os quais destacam-se os dos incisos III e IV, que dispõem, respectivamente: como atividade econômica, a agricultura deve proporcionar, aos que a ela se dediquem, rentabilidade compatível com a de outros setores da economia”; “o adequado abastecimento alimentar é condição básica para garantir a tranquilidade social, a ordem pública e o processo de desenvolvimento econômico-social”.

Outrossim, os arts. 13 e 62 do Decreto-Lei nº 167/67 deixam clara a possibilidade de prorrogação da dívida rural até mesmo quando já estiver vencida a operação original.

Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento consolidado na Súmula 298/STJ, que dispõe: “O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei”.

Com efeito, embora o enunciado da referida Súmula pareça garantir o direito ao alongamento da dívida de forma incondicionada, o trecho que menciona tratar-se de um direito do devedor “nos termos da lei”, abre uma grande margem de discricionariedade ao magistrado que irá decidir sobre o pedido. Isso porque, a análise da presença (ou não) dos requisitos legais para a concessão do alongamento/prorrogação é impregnada por forte carga de subjetivismo, o que muitas vezes pode fazer com que o deferimento ou indeferimento do pedido seja um questão de loteria, sorte ou azar, donde ressai a importância de o produtor rural contar com uma assessoria jurídica especializada no assunto.

De todo modo, quando respeitados os trâmites e o pedido é bem formulado e instruído documentalmente, a tendência é de que seja prorrogada a dívida rural. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça da Bahia recentemente decidiu que, De acordo com a súmula 298 do Superior Tribunal de Justiça, o alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, sim, direito do devedor, nos termos da lei, mormente quando comprovada a existência de estiagem na região da produção rural em que desenvolvida a atividade subsidiada. Tendo o autor comprovado os requisitos legais para a obtenção do alongamento de dívida rural, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, deve-lhe ser deferido o benefício”.[3]

Ressalta-se, ainda, que a prorrogação pode ser deferida até mesmo mediante decisão liminar, conforme também decidiu recentemente o Tribunal de Justiça da Bahia, ao determinar que “No caso em estudo foi devidamente demonstrada a plausibilidade do direito do autor/agravado, que demonstrou o preenchimento dos requisitos para o alongamento da dívida, em razão do reconhecimento do estado de severa estiagem do Município de Nova Redenção, conforme Decreto Municipal e Portaria 157/2016 do Ministério da Integração Nacional e também pela incidência do parágrafo único do art. 4º da Lei Federal nº 7.843/89.

Nos termos do Enunciado 298 da Súmula do STJ ‘O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.’. Verificado o perigo da demora em razão da possibilidade de restrições de crédito na eventualidade de vencimento das operações de financiamento rural celebradas, em razão do inadimplemento gerado pelas condições extremas verificadas.

Ausente o perigo da irreversibilidade, haja vista que não houve perdão da dívida, mas apenas prolongamento do contrato. se a avença for considerada válida, caberá sua execução. Por fim, desnecessária a caução, pois verificada a hipossuficiente do autor, bem como tendo em consideração que os contratos possuem garantia pignoratícia. No caso, se o agravado se tornar inadimplente, haverá como o recorrente executar as garantias dadas”.

Por fim, observa-se que, não raras as vezes, as dívidas do produtor rural, decorrentes de crédito rural, tornam-se impagáveis também por práticas abusivas das instituições financeiras, tais como a cobrança de: capitalização de juros em hipóteses não autorizadas pela legislação; seguro penhor sobre bens que não comportam esse tipo de seguro; seguro de vida ou prestamista, impostos mediante venda casada; tarifas por supostas assessorias ou pela simples concessão do financiamento; juros abusivos ou acima do contratado, entre outros encargos ilegais.

Desse modo, em sendo verificadas abusividades e cobranças indevidas no contrato, nada impede que o pedido de alongamento da dívida seja formulado não apenas no sentido de prorrogar o vencimento original, mas também com a revisão e afastamento dos valores que estão sendo cobrados a maior, o que pode trazer relevantíssimo proveito econômico ao produtor rural.

Hélio Ricardo Diniz Krebs é advogado, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Presidente da Comissão de Direito Bancário do Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC, Secretário da Comissão de Processo Civil da OAB/SC e fundador do Diniz Krebs Advocacia e Consultoria.

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[1] Art. 3º São objetivos específicos do crédito rural:

I – estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural;

II – favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários;

III – possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios;

IV – incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo;

[2] Art. 48. O crédito rural, instrumento de financiamento da atividade rural, será suprido por todos os agentes financeiros sem discriminação entre eles, mediante aplicação compulsória, recursos próprios livres, dotações das operações oficiais de crédito, fundos e quaisquer outros recursos, com os seguintes objetivos:

I – estimular os investimentos rurais para produção, extrativismo não predatório, armazenamento, beneficiamento e instalação de agroindústria, sendo esta quando realizada por produtor rural ou suas formas associativas;

II – favorecer o custeio oportuno e adequado da produção, do extrativismo não predatório e da comercialização de produtos agropecuários;

III – incentivar a introdução de métodos racionais no sistema de produção, visando ao aumento da produtividade, à melhoria do padrão de vida das populações rurais e à adequada conservação do solo e preservação do meio ambiente;

IV – (Vetado).

V – propiciar, através de modalidade de crédito fundiário, a aquisição e regularização de terras pelos pequenos produtores, posseiros e arrendatários e trabalhadores rurais;

VI – desenvolver atividades florestais e pesqueiras.

VII – apoiar a substituição do sistema de pecuária extensivo pelo sistema de pecuária intensivo;

VIII – estimular o desenvolvimento do sistema orgânico de produção agropecuária.

[3] TJBA, Classe: Apelação/Reexame Necessário, Número do Processo: 8000079-29.2018.8.05.0022, Relator(a): Marta Moreira Santana, Publicado em: 11/05/2022.

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