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O Futuro pede passagem pelo mar em Santa Catarina: relevância da regulação setorial para a sustentabilidade da logística brasileira

Por   Maykon Fagundes Machado[1] Sabine Mara Muller Souto[2] Osvaldo Agripino de Castro Junior[3] –Membros Efetivos do IASC

 

Recentemente fora noticiado pela Prefeitura de Florianópolis (SC), a retomada da ligação aquaviária entre o Centrinho da Lagoa da Conceição e a Barra da Lagoa. Tal projeto surge como uma alternativa para a diminuição considerável das filas pela cidade, desafogando o tráfego terrestre e o levando para o aquaviário[1].

A possibilidade de uso do enorme, contudo, há séculos desperdiçado potencial do modal aquaviário para a mobilidade de pessoas e coisas na região, surge em bom momento, considerando-se o cenário político nacional, notadamente após a edição da Lei nº 14.301/2022, que institui o programa de estímulo ao transporte por cabotagem[2] – BR do Mar.

Referido cenário demonstra exatamente o que se encontra predito no título dessa reflexão, com duplo sentido: “o futuro pede passagem pelo mar’’, que denota passagem para o usuário, como pagamento pelo transporte, e forma de abrir novos caminhos, ironicamente abertos há séculos em outros países.

A matriz doméstica de transportes brasileira, com mais de 65% da carga executada pelo modal rodoviário, exige uma inovação disruptiva e instituições que regulem o futuro. O uso do modal aquaviário é relevante não somente no que se refere à melhoria da qualidade de vida, reduzindo o tempo de deslocamento, mas também na sua vertente ambiental, pela necessidade urgente de “limpar” a matriz de transporte de pessoas e coisas.

Ademais, é importante mencionar a relevância e curva de aprendizado da regulação setorial independente, através da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), competente para regular o transporte aquaviário e a atividade portuária; e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela regulação do transporte rodoviário e ferroviário, tendo em vista o potencial multimodal que podem advir do modal aquaviário.

Deve-se mencionar que Santa Catarina conta com a Agência de Regulação de Serviços Públicos, a ARESC, criada pela Lei nº 16.673/2015, de modo que é importante fazer uma discussão para que essa autarquia seja dotada de competência para cooperar com a regulação do transporte aquaviário no Estado de Santa Catarina. Outra possibilidade, no caso da Grande Florianópolis, pelo impacto de mobilidade nos municípios próximos, é implementar um debate sobre a criação de uma agência regional para regular os vários modais de transporte.

A regulação setorial independente pode ser útil, mas não pode sofrer a captura pelo governo, dos prestadores de serviços e dos usuários, e deve buscar o interesse público. Regulation é um conceito da física, que depois foi usado pela economia, e apropriado pelo direito. Significa uma forma de intervenção do Estado na atividade econômica, para garantir serviço adequado os usuários do transporte aquaviário, de um lado, e o retorno do investidor privado, de outro lado.

Ela expressa a necessidade de criação e de manutenção de políticas de Estado, de longo prazo, como exigem o transporte aquaviário e a atividade portuária dela decorrente.

Vale destacar que a opção do transporte aquaviário, via Lagoa da Conceição (Florianópolis/SC), pode evoluir para uma opção turística reduzindo, consideravelmente, a utilização do asfalto, justamente enquanto não se desenvolve o hábito de redução dos veículos automotores por pessoa, nos moldes de uma sustentabilidade atrelada à mobilidade urbana[3].

Nessa seara, fora igualmente apresentada recentemente, a concessão do Transporte Aquaviário na Grande Florianópolis[4]. O referido projeto é pauta há quatro décadas e, de acordo, com o ex-Secretário de Estado da Infraestrutura e Mobilidade de Santa Catarina[5]: “Estamos cercados de mar. Por isso, o tema foi uma das nossas prioridades na Infraestrutura. É inacreditável que as únicas ligações com o continente sejam rodoviárias: três pontes por onde passam 170 mil veículos diariamente, sendo 75% das viagens motivados pelo trabalho”.

Ainda, segundo a ex-Secretária Adjunta da Fazenda (SEF-SC), Michele Roncálio[6]: “Este é um grande passo para melhorar a mobilidade na Grande Florianópolis, um projeto há muito tempo aguardado. Vale frisar que essa é uma das etapas que antecede o edital de licitação, não estamos lançando a licitação neste momento, e sim, todos os documentos que serão para a audiência e a consulta pública. Posteriormente, haverá a análise do Tribunal de Contas do Estado, assim como em todos os projetos de PPI que estão avançando em Santa Catarina”.

Nesse cenário, é possível perceber que a utilização do modal aquaviário é vital  para reduzir o tráfego terrestre, notadamente em Florianópolis e no seu entorno, com viabilidade para duas rotas, e tarifas de, no máximo R$ 6,50, com trajetos de até 30 minutos de duração, reduzindo proporcionalmente o trajeto usual realizado pela via terrestre, em barcas com capacidade de até 140 passageiros[7].

Em Florianópolis há a discussão sobre a continuidade do projeto da esperada Marina da Beira-Mar Norte, com previsão do início das obras para fevereiro de 2023. Com a Licença Ambiental Prévia emitida, os próximos passos são: a) finalizar processo no TCE-SC; b) autorização da Marinha do Brasil; c) autorização da SPU; d) pedido do Licenciamento Ambiental de Instalação (LAI); e) emissão da LAI e, por fim, f) emissão do Termo de Início da Obra pela Prefeitura de Florianópolis[8].

A relevância de tal projeto é indiscutível, pois a utilização dos espaços aquaviários,[9] para fomento da mobilidade urbana e atração de investimentos privados e turismo. Além disso, é uma excelente ideia de gestão pública municipal que, se for bem executada em regime de cooperação com os governos do Estado e federal, via regulação, poderá ser replicada, com os devidos ajustes em função das particularidades regionais, pelos bons gestores públicos e privados em todo o país.

[1] SILVA. Anderson. Florianópolis mostra que pode andar pela água para fugir da fila do asfalto. NSC Total. Disponível em:<https://www.nsctotal.com.br/colunistas/anderson-silva/florianopolis-mostra-que-pode-andar-pela-agua-para-fugir-de-fila-do-asfalto?amp=1>. Acesso em: 07 jan. 2023.

[2] “A cabotagem é a navegação que utiliza vias interiores e costeiras entre portos dentro do território nacional, sem perder a costa de vista, sendo que o Brasil demonstra grande potencial de desenvolvimento nas operações portuárias, mesmo tendo pouca representatividade no mercado, em razão da burocratização das atividades de fiscalização de mercadorias, ausência de infraestrutura logística e engarrafamento dos portos”. Conforme: SOUTO, Sabine Mara Muller Souto; MACHADO, Maykon Fagundes. A BR do Mar como incentivo à economia nacional pela navegação de cabotagem. CONJUR. Disponível em:<https://www.conjur.com.br/2021-jan-07/souto-machado-br-mar-navegacao-cabotagem>. Acesso em: 07 jan. 2023.

[3] SILVA. Anderson. Florianópolis mostra que pode andar pela água para fugir da fila do asfalto.

[4] Para visualização da Audiência Pública referente ao Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da concessão, ver:<https://www.youtube.com/watch?v=1acMw-GL3Hg>.

[5] PARAÍSO, Prisco. Redação. Apresentada concessão do Transporte Aquaviário na Grande Florianópolis. Blog do Prisco. Disponível em:<https://www.blogdoprisco.com.br/apresentada-concessao-do-transporte-aquaviario-na-grande-florianopolis/>. Acesso em: 07 jan. 2023.

[6] PARAÍSO, Prisco. Apresentada concessão do Transporte Aquaviário na Grande Florianópolis.

[7] Idem.

[8] IGOR, Renato. Marina da Beira-Mar Norte em Florianópolis recebe licença ambiental prévia. NSC Total. Disponível em:<https://www.nsctotal.com.br/colunistas/renato-igor/marina-da-beira-mar-norte-em-florianopolis-recebe-licenca-ambiental-previa?amp=1>. Acesso em: 07 jan. 2023

[9] Sobre a necessidade de desenvolver uma Política de Estado de Marinha Mercante, bem como sobre o papel da regulação setorial, ver: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino. Marinha Mercante brasileira – Longo curso, cabotagem e bandeira de (in)conveniência. São Paulo: Aduaneiras, 2014.

 

[1] Advogado e Professor no Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí. Especialista em Jurisdição Federal (ESMAFESC) e em Direito Ambiental – Faculdade CERS. Vice-presidente da Comissão de Direito Público do Instituto dos Advogados de SC (IASC). Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB Subseção de Itajaí. Membro da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC. Autor de obras jurídicas e artigos especializados.

[2] Advogada e Professora. Administradora de empresas. Sócia do Müller Advogados Associados. Mestre em Ciência Jurídica (Univali). Pós-graduada em Direito Processual Civil e Direito Digital e Compliance. Foi Conselheira Federal da OAB Nacional, representando SC. Membro da Comissão Nacional de Direito Marítimo e Portuário da OAB Nacional. Foi vice-presidente da Comissão de Transparência, membro da Comissão de Reformulação do Quinto Constitucional e da Comissão de Direito da Vítima, da OAB/SC. Membro efetivo do IASC. Autora do livro Cabotagem Brasileira: BR do Mar, Editora Fórum, 2022.

[3] Advogado (UERJ, 1991) e consultor em regulação, infraestrutura marítima, portuária e comércio exterior. Sócio do Agripino & Ferreira Advogados. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali, e convidado do International Maritime Law Institute, IMO, Malta, e do Mestrado em Engenharia de Transportes da UFSC (2014-21). Pós-Doutor em Regulação de Transportes e Portos, Kennedy School of Government, Harvard University. Membro das Comissões de Direito Marítimo e Portuário do Conselho Federal da OAB e de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário do Instituto dos Advogados do Brasil.

 

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