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VIOLÊNCIA POLÍTICA CONTRA AS MULHERES E AS ELEIÇÕES DE 2022

Por Juliana Alice Fernandes Gonçalves, Doutoranda em Direitos Humanos e Democracia (UFPR),  Membra Associada do Instituto Política por.de.para Mulheres (Curitiba/PR),  Advogada OAB/SC – afgjuliana@gmail.com

 

O texto constitucional traz que a República se constitui em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Prevê que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.

O projeto e a promessa daquele período histórico esbarram em obstáculos estruturais que são delineados por questões de gênero, raça e etnia, classe, sexualidade, região e etc. Os espaços políticos e decisórios no Brasil continuam a refletir essas características: homens e mulheres nunca estiveram em condições de igualdade diante dos processos eleitorais.

Até o momento, tivemos apenas uma mulher eleita para o mais alto cargo executivo, a ex-presidenta Dilma Rousseff. No cenário geral atual do Congresso Nacional, o número de mulheres parlamentares está abaixo da média mundial de representação feminina no Parlamento ou da média regional americana[1]. Tanto no Senado Federal quanto na Câmara a porcentagem não chega a 16%.

Para superar o cenário de desigualdade há a alternativa da paridade nas cadeiras do Congresso, ou seja, que 50% dos assentos sejam ocupados por mulheres[2]. O objetivo é o de ir além do atual sistema de cotas de candidaturas nos partidos políticos e também da proposta que corre no Congresso de porcentagem escalonada de 30% até 2040[3].

Apesar do tímido número de mulheres que alcança o espaço nestes ambientes político-decisórios, as situações de violência são recorrentes, o que a literatura tem chamado de “violência política de gênero”. Elas chegam lá, mas não sem um alto custo pessoal. O tema tem sido amplamente debatido entre pesquisadoras especialistas em toda a América Latina.

A violência política contra mulheres se dá de diversas formas quando elas pretendem exercer seus direitos político-eleitorais e em sua pretensão são violentadas não apenas por suas ideias, propostas ou por pertencerem a determinado partido político, mas por serem mulheres, assim, é caracterizada a violência política de gênero. Trata-se de um problema estrutural das sociedades da região[4].

No Brasil, lamentavelmente, temos exemplos diários de violências praticadas contra lideranças e autoridades políticas mulheres e o debate alcançou a atuação legislativa. O Projeto de Lei nº 349 de 2015[5], de iniciativa da Deputada Federal Rosangela Gomes (REPUBLICANOS/RJ), dispunha sobre o combate à violência e à discriminação político-eleitorais contra a mulher e gerou a Lei Ordinária nº 14.192, publicada no Diário Oficial da União no dia 04 de agosto de 2021.

O dispositivo estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher; altera o Código Eleitoral, a Lei dos Partidos Políticos e a Lei das Eleições. A lei traz que a definição de violência política de gênero se fundamenta em “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher” e que igualmente constituem “atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo”[6].

Pensar a democracia pela ótica da representação e da representatividade das mulheres é refletir acerca da natureza do poder e sobre novas possibilidades de exercê-lo. Nunca o ponto de partida, em nenhum período histórico do país, foi igualitário ou minimamente equivalente. O fator da raça também expõe essa problemática. Isto quer dizer que a sociedade brasileira apenas conhece a realidade apresentada pela sub-representação e saberá como outros cenários podem se desenrolar na medida em que se desenrolam.

O ano de 2022 é decisivo: teremos eleições! A democracia brasileira e a lei que dispõe sobre violência política contra as mulheres serão colocadas à prova. A cidadania, as instituições e categorias de profissionais devem permanecer vigilantes. Neste cenário, a advocacia também ganha destaque para atuação na defesa de direitos: especificamente, direitos e interesses de mulheres que se colocam no debate público através das disputas eleitorais. Todas e todos devemos garantir que elas possam disputar o espaço público e exercer suas funções em condições livres de violência. A paridade entre homens e mulheres fortalece o cenário democrático, e, quando a democracia sai fortalecida, ganha toda a cidadania.

[1] No cenário geral atual do Congresso Nacional, as mulheres representam 15,1% dos 594 parlamentares, isto é, abaixo da média mundial de 25,5% de representação feminina no Parlamento ou da média regional americana de 32.4% . No Senado Federal, a representação fica em 14,8% das mulheres contra 85,1% dos homens. Na Câmara, 15,2% são mulheres. INTER-PARLIAMENTARY UNION. Women in national parliaments: Situation as of 1st June 2021. Disponível em: https://data.ipu.org/women-ranking?month=6&year=2021 Acesso em: 05 fev. 2022.

[2] SALGADO, Eneida Desiree. O acesso das mulheres à representação política. Menos flores, mais direitos. JOTA: Opinião e análise. 18/03/2016 17:01. Atualizado em 22/11/2016 às 14:35. Disponível em:  https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/e-leitor-o-acesso-das-mulheres-a-representacao-politica-18032016 Acesso em: 05 fev. 2022.

[3] AGÊNCIA SENADO, 14/07/2021, 22h40. Aprovado projeto que estabelece cota para mulheres em eleições proporcionais. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/07/14/aprovado-projeto-que-estabelece-cota-para-mulheres-em-eleicoes-proporcionais Acesso em: 05 fev. 2022.

[4] FREIDENBERG, Flávia. La violencia política hacia las mujeres: el problema, los debates y las propuestas para América Latina. IN: Cuando hacer política te cuesta la vida. Estrategias contra la violencia política hacia las mujeres en América Latina. Editoras: Flavia Freidenberg e Gabriella Del Valle Pérez. Universidad Nacional Autonóma de México. Instituto de Investigaciones Juridicas. Tribunal Electoral de la Ciudad de México. México, 2017, p. 9-10.

[5] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n. 349/2015. Dispõe sobre o combate à violência e à discriminação político-eleitorais contra a mulher. Situação: Transformado na Lei Ordinária 14192/2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=946625 Acesso em: 05 fev. 2022.

[6] BRASIL. Lei nº 14.192, de 4 de agosto de 2021. Estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Lei/L14192.htm Acesso em: 05 fev. 2022.

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