iascsecretaria@gmail.com
+55 (48) 3039-0059

Notícias

Artigos & Publicações periódicas

DIREITO BANCÁRIO E O NOVO OLHAR SOBRE O ENDIVIDAMENTO: DO MEDO À LEGÍTIMA DEFESA DO CONSUMIDOR.

Por Cinthia Naissara Magrini*- Membro Efetivo do IASC.

RESUMO: O presente artigo discute a transformação da percepção social sobre o ajuizamento de ações contra instituições bancárias, destacando o papel do Direito Bancário na defesa dos consumidores endividados. Analisa a função social do crédito, os abusos praticados pelas instituições financeiras e os instrumentos legais de proteção ao consumidor, com ênfase na Lei do Superendividamento e na revisão contratual. Conclui pela legitimidade da via judicial como ferramenta de reequilíbrio contratual e exercício de cidadania.

Palavras-chave: Direito Bancário. Superendividamento. Crédito. Consumidor. Ação Judicial.

1  INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, ajuizar uma ação contra instituições bancárias era visto com desconfiança, quase como um ato de ingratidão. Isso porque se propagou, cultural e socialmente, a ideia de que o banco prestava um favor ao conceder crédito — uma relação em que o consumidor deveria apenas agradecer e cumprir com rigor seus compromissos.

Contudo, a evolução do entendimento jurídico e o amadurecimento da cidadania financeira mostraram que o crédito, embora seja uma ferramenta essencial para a economia, não pode ser utilizado como instrumento de opressão e enriquecimento indevido. O aumento expressivo das ações bancárias nos últimos anos revela um fenômeno: os consumidores estão deixando de temer os bancos e começando a reivindicar seus direitos com coragem e amparo legal.

Este artigo tem por objetivo discutir os principais abusos enfrentados por consumidores endividados, os mecanismos jurídicos disponíveis para sua defesa, e a importância de desmistificar a ideia de que buscar o Judiciário é uma afronta, quando na verdade pode ser um ato legítimo de justiça.

2  A FUNÇÃO SOCIAL DO CRÉDITO E O DIREITO DO CONSUMIDOR

O Sistema Financeiro Nacional é regulado por normas que buscam o equilíbrio e a estabilidade econômica. No entanto, a relação entre bancos e consumidores é regida também pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que impõe limites à atuação das instituições financeiras e estabelece garantias para o contratante, especialmente quanto à transparência, à boa-fé e ao respeito à dignidade do consumidor.

A função social do crédito exige que sua concessão observe critérios técnicos, mas também ética e responsabilidade. O crédito deve servir ao desenvolvimento econômico e pessoal, e não à exploração de vulnerabilidades.

Fazendo uma analogia simples: quando um consumidor adquire um veículo novo na concessionária e percebe que ele apresenta um defeito de fábrica, é natural que retorne à loja para reivindicar seus direitos, exigir o reparo ou a substituição do bem. Da mesma forma, ao contratar um serviço bancário — seja um empréstimo, cartão de crédito ou financiamento — o consumidor está adquirindo um produto ou serviço no mercado de consumo. Se esse serviço apresentar vícios, abusividades ou for prestado de forma inadequada, o consumidor tem o direito de questionar judicialmente, amparado pelas normas do CDC.

3  SUPERENDIVIDAMENTO E AS NOVAS FERRAMENTAS LEGAIS

A Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, alterou o CDC para incluir mecanismos de proteção ao consumidor que contrai dívidas de boa-fé, mas se vê impossibilitado de quitá-las sem comprometer sua subsistência.

Dentre os instrumentos previstos está a repactuação judicial de dívidas, com audiências conciliatórias e plano de pagamento que preserve o mínimo existencial. Trata-se de um marco importante na desmistificação da inadimplência, reconhecendo-a como uma condição socioeconômica e não como falha de caráter.

4  JUROS ABUSIVOS E A REVISÃO CONTRATUAL

O Judiciário tem consolidado jurisprudência favorável à revisão de contratos bancários com juros exorbitantes ou cláusulas abusivas. Embora a livre iniciativa permita a negociação de taxas, o princípio da boa-fé objetiva e a função social do contrato impõem limites.

Tribunais têm reconhecido a necessidade de relativizar pactos que submetem o consumidor a encargos insustentáveis. A revisão judicial, portanto, é um instrumento de reequilíbrio contratual e de justiça social.

5  A IMPORTÂNCIA DA AÇÃO JUDICIAL COMO DEFESA LEGÍTIMA

Recorrer ao Poder Judiciário não deve ser visto como afronta à instituição financeira, mas como meio legítimo de proteção de direitos. O Estado Democrático de Direito garante a todos o acesso à Justiça, especialmente para coibir abusos de poder econômico.

Com o amadurecimento da consciência jurídica e financeira, consumidores passaram a entender que não devem ser subjugados por contratos unilaterais e que possuem voz ativa na defesa de seus interesses.

6  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação com os bancos não precisa ser pautada pelo medo ou submissão. Ao contrário, deve se basear em equilíbrio, transparência e respeito mútuo. O acesso à informação, o fortalecimento da educação financeira e a atuação jurídica consciente são ferramentas poderosas para transformar a experiência do crédito em algo positivo, sustentável e justo.

Assim, ajuizar ação contra o banco, quando necessário, não é afronta: é ato de coragem, consciência e cidadania.

* Advogada e contadora, especialista em Direito Bancário e Previdenciário. Pós- graduada em Direito Bancário, Pós-graduada em Direito Previdenciário. Atua na defesa de consumidores, segurados e empresários, auxiliando na prevenção e solução de crises financeiras e previdenciárias. Secretária Adjunta da Comissão Estadual de Direito Bancário da OAB/SC (gestão 2025/2026), entre outras atribuições institucionais.

Deixar uma Resposta