A Resolução do CNJ nº 487/2023 e a Política Antimanicomial: avanços e desafios na efetivação dos Direitos Humanos.
Por Larissa Kretzer Leonel* – Advogada e Membro Suplente pela OAB/SC do Comitê Estadual Interinstitucional de Monitoramento da Política Antimanicomial no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina – Ceimpa/SC.
A política antimanicomial em nosso país reflete um pacto com a dignidade humana e a superação de práticas violadoras de direitos historicamente perpetradas contra pessoas com transtornos mentais. A Resolução do Conselho Nacional de Justiça – CNJ nº 487/2023 dispõe um novo marco para o tratamento dessas pessoas no âmbito do Poder Judiciário, assegurando que as medidas de segurança sejam aplicadas de forma excepcional e com respeito aos princípios da Lei nº 10.216/2001, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental para uma abordagem comunitária e de desinstitucionalização. A normativa alinha-se aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil que adota o modelo biopsicossocial e reforça a necessidade de garantir a autonomia e a inclusão social desse grupo.
Para possibilitar a implementação efetiva dessa política, a Resolução instituiu mecanismos de fiscalização e monitoramento, destacando-se o Comitê Nacional Interinstitucional de Implementação e Monitoramento da Política Antimanicomial – CONIMPA e os Comitês Estaduais Interinstitucionais de Monitoramento da Política Antimanicomial – CEIMPAs. Os comitês exercem papel primordial na articulação entre os sistemas de Justiça, Segurança Pública, Saúde e Assistência Social, afiançando que as diretrizes da desinstitucionalização sejam cumpridas e que medidas paleativas à internação sejam priorizadas. No âmbito estadual, os CEIMPAs atuam na supervisão dos casos locais, promovendo a revisão periódica das medidas de segurança e incentivando o desenvolvimento de Projetos Terapêuticos Singulares -PTS que possibilitem o acolhimento em meio comunitário.
Apesar dos avanços normativos, a implementação da política antimanicomial enfrenta desafios consideráveis. A persistência de um viés manicomial no Judiciário ainda resulta na manutenção desnecessária de internações, por vezes sem avaliação individualizada da possibilidade de reintegração na sociedade. A ausência de estrutura da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS em algumas regiões do país compromete a oferta de alternativas eficazes, levando à transinstitucionalização, na qual pessoas desinstitucionalizadas acabam sendo direcionadas para outras formas de privação de liberdade. Além disso, a ausência de capacitação técnica sobre a política antimanicomial dificulta a aplicação adequada das diretrizes da Resolução.
Para garantir a efetivação da Resolução CNJ nº 487/2023, torna-se imprescindível a capacitação continuada dos operadores do direito, da segurança pública, da saúde e a ampliação da infraestrutura da RAPS, permitindo que as medidas de desinstitucionalização sejam implementadas de maneira segura e eficaz. Os CEIMPAs devem ser fortalecidos para garantir a supervisão e o monitoramento das ações nos estados, promovendo uma atuação integrada entre Judiciário e políticas públicas. Além disso, é primordial o investimento em programas de reinserção social, como acesso à moradia assistida, inclusão no mercado de trabalho e suporte psicossocial contínuo.
A política antimanicomial não pode ser minimizada a um conjunto de normas; trata-se de uma transformação estrutural e cultural no modo como o Estado trata as pessoas com transtornos mentais. A Resolução CNJ nº 487/2023 representa um marco nessa mudança, mas sua efetividade dependerá da atuação ativa dos Comitês Nacionais e Estaduais, da articulação interinstitucional e da superação de barreiras históricas que ainda perpetuam a segregação e o tratamento degradante desse grupo. O compromisso do Poder Judiciário e dos demais atores envolvidos deve ser contínuo, garantindo que a justiça seja não apenas punitiva, mas também restaurativa e inclusiva, reafirmando a dignidade e os direitos humanos das pessoas em sofrimento psíquico.
Em Santa Catarina, os trabalhos para a implementação da Resolução CNJ nº 487/2023 já foram iniciados. O Poder Judiciário catarinense estruturou um Comitê Estadual Interinstitucional de Monitoramento da Política Antimanicomial – CEIMPA/SC, visando garantir a operacionalização das diretrizes estabelecidas pelo CNJ. A Defensoria Pública do Estado, o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Santa Catarina, o Tribunal de Contas do Estado, a Secretaria de Saúde e outras instituições já manifestaram anuência ao Termo de Cooperação, estabelecendo uma rede interinstitucional para fortalecer a articulação entre os diferentes órgãos e promover a transição da internação compulsória para abordagens comunitárias de cuidado. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC, por meio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo – GMF, tem desempenhado um papel ativo na construção dessa política, garantindo a efetividade das medidas dispostas.
*Larissa Kretzer Leonel – Advogada e Membro Suplente pela OAB/SC do Comitê Estadual Interinstitucional de Monitoramento da Política Antimanicomial no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (Ceimpa/SC). Advogada Criminalista, Pós graduada na Escola do MPSC, ex-Presidente da Comissão de Direito Penal do CEPREV, Secretaria da Comissão de Investigação Defensiva e Justiça Penal Negociada da OAB/SC e Secretaria Substituta da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB/SC.