Envelhecimento populacional: uma realidade (des)percebida por todos.
Por Ariane Angioletti – Membro Efetivo do IASC.
Em 2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas[1] lançou a projeção populacional brasileira para os próximos cinquenta anos e os números confirmaram uma realidade que todos nós sabemos: o Brasil está envelhecendo. Acontece que este envelhecimento brasileiro está muito acelerado e vindo como uma grande tsunami nos discursos políticos.
A “virada populacional” que se inicia em 2030, traz o início do declínio de nascimento com relação aos óbitos de idosos no país. E para esta mesma década, o IBGE prevê que haverá a proporção de uma criança para um idoso no Brasil. Já em 2060, será um idoso para cada meia criança. São dados que demonstram que a longevidade populacional e o decréscimo nos nascimentos, causará uma verdadeira revolução nas proporções populacionais no Brasil.
E o que isso significa de fato?
Boa parte das pessoas, ao analisar esses números, imediatamente preocupa-se com a previdência social e a sustentabilidade deste sistema nacional, para a garantia dos direitos de aposentados, pensionistas e outros beneficiários.
Contudo, é necessário imaginar para além deste quadro.
Sabe-se por qual caminho vamos andar, como população brasileira. Sabe-se que vamos viver mais – ou sobreviver, dependendo do caso. Sabe-se que a população capaz de produzir riquezas será cada vez menor. Sabe-se que não existe uma cultura de envelhecimento no Brasil, pois simplesmente cultua-se o jovem, o “belo”, o eterno e para evitar qualquer assimilação com a velhice, esta temática é evitada sobremaneira, como se isto bastasse para frear a ação do tempo.
A Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC realizou uma pesquisa com os catarinenses centenários, também em 2018[2]. Encontrou senhores e senhoras lúcidos, vivendo com apoio de familiares e amigos, tendo suas necessidades atendidas, com suas dignidades preservadas. Contudo, a pesquisa apontou que 75% dos centenários não tem qualquer interesse em viver mais. Eles querem morrer.
Desejam a morte por diversos motivos e não somente pela depressão, problemas de saúde ou de locomoção. A questão inicial é se acharem um fardo para os familiares, pois percebem que as famílias precisam desdobrar-se para dar os cuidados necessários. Alguém precisa estar ao lado destes idosos durante todo o período e a família não se preparou para isso, em especial financeiramente. Então passam a ter de cuidar eles mesmos. O idoso presencia as discussões, percebe o desgaste, o cansaço e até a contrariedade de parte dos familiares e prefere, de fato, morrer.
Outra questão que impacta na falta de vontade de permanecer vivo, é a falta de estrutura pública para que esses centenários possam frequentar a cidade, seguindo com suas relações sociais. Estes idosos envelheceram, alcançaram a idade que dobrou a expectativa de vida que tinham ao nascer e tornaram-se prisioneiros. A cidade é um perigo constante com suas calçadas esburacadas, repletas de desníveis e com inúmeros obstáculos. O transporte público não é acessível, os ônibus e seus motoristas não possuem qualquer capacidade de ofertar um embarque, desembarque e viagem seguros a estes centenários. E, além disso, todos os serviços não estão preparados para a população longeva. Até mesmo ir ao médico e “escalar” uma maca para um exame de rotina torna-se uma aventura bastante árdua e perigosa. Este é o nosso quadro hoje. Aqui sem entrar no mérito da automação dos atendimentos, das prestações de serviços através de máquinas ou com tempo cronometrado.
Temos a previsão de que até 2060 a população catarinense com 70 anos ou mais irá quadruplicar, passando de 5,8% para 20,3% da população. Contabilizando somente os idosos com 90 anos ou mais, partimos de 23,2 mil em 2018 para 252,2 mil em 2060.
A grande questão é: o que a sociedade e o poder público estão fazendo diante destes dados? Além de o envelhecimento populacional ser um argumento inquestionável com relação à política de previdência social, esta temática deveria estar em todas as esferas e poderes do governo. Deveria estar nos meios de comunicação, nas escolas, nas universidades.
Santa Catarina é o estado que mais terá idosos longevos – esses com mais de 80 anos – no Brasil e ainda conservará um aumento de nascimentos, pois recebemos imigrantes nacionais e estrangeiros em grande número. Muitos deles, já na terceira idade.
Tendo esta projeção sobre o envelhecimento, defendo que o envelhecimento deva tornar-se pauta prioritária em todas as frentes possíveis. Temos 40 anos para preparar essa população que vai tornar a projeção realidade. Pode parecer um tempo razoável, para é curto demais quando temos como desafio a mudança cultural da população e a efetivação de políticas públicas que não existem.
Esta preparação deveria passar pela autorresponsabilização do indivíduo pelo próprio envelhecimento, através de ações de prevenção de saúde, na construção de relações afetivas sólidas e na preparação financeira e patrimonial. Por óbvio que muitos brasileiros dependem dos serviços públicos e não conseguirão construir um patrimônio mínimo para ofertar dignidade na velhice. E por estes, é preciso ampliar a discussão sobre o envelhecimento nas políticas públicas, com a importância que o tema efetivamente tem.
Especialmente aos advogados, reafirma-se a necessidade de que abram seus olhares para a população idosa, para suas especificidades e, essencialmente, para formas de ofertar atendimento diferenciado e personalizado a estes idosos. Temos, também, muito que aprender e debater sobre o envelhecimento e seus impactos jurídicos na vida social e privada dos cidadãos.
Ariane Angioletti, Advogada, pós graduanda em Direito aplicado à saúde pela Estácio de Sá, membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina, membro da Comissão Estadual do Direito da Pessoa Idosa da OAB/SC, presidente da Comissão do Direito da Pessoa Idosa da Subseção de São José e Conselheira Titular do Conselho Estadual do Idoso de Santa Catarina.
[1] IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Rio de Janeiro (RJ). Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao>. Acesso em: 10 de março de 2019.
[2] TORRES, Aline. Estudo da UDESC mostra que população centenária não quer mais viver. Notícias do Dia online, Florianópolis(SC), 25 de agosto de 2018. Seção Cidade. Disponível em: <https://ndonline.com.br/noticias/estudo-da-udesc-mostra-que-populacao-centenaria-de-florianopolis-nao-quer-mais-viver/>. Acesso em: 10 de março de 2019.
Excelente texto com foco numa realidade na qual a maioria das pessoas e poder público pensam que isso não é nossa responsabilidade. O que afasta os idosos saudáveis da vida social são as dificuldades de deslocamento em transportes públicos, acessos seguros e a compaixão dos mais jovens em ajudá-los.
Parabéns !