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Introdução aos Princípios Fundamentais do Direito Portuário Trabalhista.

Por César de Oliveira Advogado, Membro do IASC, Membro da Academia Brasileira de Direito Portuário e Marítima, e Presidente da Comissão de Direito Marítimo e Portuário do Instituto.

Este artigo tem por escopo tecer breves considerações sobre quais princípios regem o Direito Portuário em sua vertente trabalhista, bem como delinear alguns dos princípios que entendemos possam fundamentar e influenciar na aplicação de seus preceitos.

Em sua icônica obra Lições Preliminares de Direito Portuário, lançado em 2007 pela Conceito Editorial, o professor Dr. Cesar Luiz Pasold, lança os fundamentos de sua tese, inédita, da autonomia do Direito Portuário frente aos demais ramos do Direito.

Para o insigne jurista, o Direito Portuário pode ser conceituado como:

o ramo do Direito que tem por objeto o disciplinamento da Exploração de Portos, das Operações Portuárias e dos Operadores Portuários, das Instalações Portuárias, da Gestão da Mão-de-Obra de Trabalho Portuário Avulso, do Trabalho Portuário. e da Administração do Porto Organizado” (não grifamos)[1].

Pelas grandes discussões que tem acarretado, especialmente no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista, o Direito Portuário em sua vertente Trabalhista vem ganhando, a cada dia, mais importância. Como exemplo, destacamos: a questão da contratação de trabalhadores portuários com vínculo de emprego a prazo indeterminado não registrados ou cadastrados no Órgão de Gestão de Mão de Obra do Trabalho Portuário Avulso, vulgarmente conhecido como OGMO, e a extensão aos trabalhadores portuários avulsos do direito ao adicional de riscos portuário, previsto na Lei nº 4.860/65, originalmente destinado exclusivamente aos empregados das Administrações Portuárias.

Concomitante, aqueles que militam nas Varas do Trabalho e nos Tribunais Trabalhistas percebem a grande dificuldade que encontram em demonstrar para os magistrados as peculiaridades e as diferenças existentes entre o empregado regido pela CLT e os trabalhadores portuários avulsos, cuja mão de obra é administrada pelo OGMO. Como resultado, não são incomuns decisões proferidas sem considerar tais aspectos diferenciadores.

Grande contribuição para tal estado de coisas se encontra no disposto no art. 7º, inciso XXXIV, que iguala em direitos o trabalhador com vínculo de emprego permanente e o trabalhador avulso, nele incluído o portuário, haja vista que nem todos os direitos aplicáveis ao primeiro podem ser estendidos ao segundo. Tal entendimento encontra respaldo na doutrina de Orlando Gomes e Elson Gottschalk[2], bem como no entendimento de Márcio Túlio Vianna.

Por tudo isso, é imperiosa a necessidade de debates acerca dos princípios que regem o Direito Portuário Trabalhista, com o objetivo de definir os alicerces, os pontos básicos, os elementos vitais dessa área específica do Direito Portuário, proporcionando elementos que permitam aos operadores do direito e ao Poder Judiciário o melhor equacionamento das questões que lhes são submetidas.

Para a abordagem do tema principal, indispensável se faz determinar o que são princípios e quais suas funções.

Segundo o professor Dr. Sérgio Pinto Martins,

“princípio é onde começa algo. É o início, a origem, o começo, a causa. O princípio de uma estrada seria seu ponto de partida. É o momento em que algo tem origem. Todavia, não é esse conceito geral de princípio que é preciso conhecer, mas seu significado perante o Direito”[3].

E, complementa:

“São os princípios as proposições básicas que fundamentam as ciências. Para o Direito, o princípio é seu fundamento, a base, a estrutura, o fundamento que informar e inspirar as normas jurídicas.

São os princípios como as vigas ou alicerces que dão sustentação ao edifício. Este é o ordenamento jurídico, que é subdividido em tantos andares quantos são seus ramos”[4].

Convém, ainda, destacar que os princípios têm diversas funções, dentre as quais salientamos a função informadora, a qual orienta o legislador na criação dos preceitos legais. Temos, ainda, a função normativa, que supre as omissões e lacunas da lei que não possam ser resolvidas pelo uso da analogia. Por fim, existe a função interpretativa, que servirá de critério para a aplicação da norma jurídica no caso concreto.

Comungando do entendimento de que o Direito Portuário é um ramo independente do Direito, o professor Dr. Márcio Ricardo Staffen escreveu artigo[5] elencando alguns princípios que informariam o Direito Portuário, dividindo-os em princípios constitucionais, administrativos e específicos da lei básica nuclear à época em que foi escrito – Lei nº 8.630/93 – substituída pela Lei nº 12.815/2013, atualmente em vigor.

Avançando um pouco nesse assunto e apenas para início de discussão, pois o Direito é dinâmico e sofre mutações diárias, apresentaremos alguns princípios que julgamos suficientemente delineados na legislação que rege o Direito Portuário, mas no âmbito de sua aplicação na seara trabalhista:

– Princípio da Igualdade de Direitos: encontra amparo no art. 7º, inciso XXXIV, da Constituição Federal vigente, assegurando aos trabalhadores avulsos – neles incluídos os portuários – os mesmos direitos dos trabalhadores com vínculo de emprego a prazo indeterminado. Tal igualdade, entretanto, é relativa, consoante bem explica o ilustrativo aresto abaixo, oriundo do Tribunal Regional do Trabalho Barriga Verde[6]:

“Em outras palavras, adotar plenamente a igualdade de direitos entre trabalhadores com vínculo de emprego e trabalhadores avulsos, sem qualquer outra reflexão, é negar as realidades fática e jurídica que diferenciam, e muito, a relação existente entre aqueles dois tipos de trabalhadores.

Frise-se que o trabalhador portuário avulso não detém relação de emprego com o OGMO, nem é o sujeito de um contrato de trabalho por prazo determinado ou indeterminado com os operadores portuários.

Destaque-se, por exemplo, a desigualdade do avulso no que diz respeito à inexistência do contrato de emprego, de aviso prévio, de trabalho não eventual a tomador único de serviço e de subordinação jurídica com os tomadores do serviço e a obrigatoriedade dos avulsos comparecerem à “chamada” ou “escala” para serem engajados ao trabalho, fato totalmente diferenciado da relação de que partilha o trabalhador com vínculo de emprego.

Em vista de tais fatos, confirma-se que o trabalho com vínculo de emprego e o trabalho avulso detêm características próprias e inconciliáveis, o que inviabiliza a absoluta igualdade de direitos entre eles.

Vale aqui a máxima de que os iguais devem ser igualmente tratados e os desiguais, desigualmente. O princípio da isonomia não pode ignorar as diferenças inatas entre categorias diversas.

A isonomia formal assegurada pelo inc. XXXIV do art. 7º da CRFB não resulta, necessariamente, no reconhecimento da igualdade material, porquanto alguns dos direitos garantidos legalmente ao trabalhador com vínculo empregatício são incompatíveis com a figura do trabalhador avulso, diante das diferenças existentes entre eles”.

– Princípio Negocial: a Lei nº 12.815/2013, considerada a lei básica nuclear do Direito Portuário[7], prevê a negociação como modelo principal nas relações entre capital e trabalho, tanto que determina, expressamente, que na existência de instrumento coletivo, o OGMO será dispensado de intervir a respeito. Além disso, a lei determina que diversos aspectos do relacionamento entre os trabalhadores portuários avulsos e os operadores portuários – remuneração, definição das funções, composição dos ternos, multifuncionalidade, dentre outros – serão objeto de negociação entre os sindicatos laboral e patronal.

– Princípio da Multifuncionalidade: fez seu aparecimento na Lei nº 8.630/93, denominada de Lei de Modernização dos Portos, sendo mantido na lei que a revogou e sucedeu, Lei nº 12.815/2013. Para STAFFEN[8], é:

“instituto de inúmeras discussões, que busca com a devida instrução e treinamento, fazer com que o trabalhador não seja fragmentado pela sua função, que esta de caráter una se transfigure em múltiplas aptidões laborativas, eliminando a chance de paralisação do trabalho por vontade individual, ou de um grupo específico, ademais, com a sua implantação acertada traduz ao sistema portuário maior celeridade e excelência na prestação dos serviços inerentes”.

– Princípio da Especialidade: por esse princípio, a legislação que rege o trabalho portuário afasta a incidência das normas gerais que possam tratar do mesmo tema. Por exemplo, o trabalho portuário avulso é regido pela Lei nº 12.815/2013 e pela Lei nº 9.719/1998, não se aplicando os ditames da Lei nº 12.093/2009, que trata do trabalho avulso em geral. Também não se aplica ao trabalho portuário, os preceitos da legislação trabalhista que tratam do aviso prévio, da liberação da gratificação de natal e férias, dentre outros.

– Princípio da Equidade: todos os trabalhadores portuários avulsos devem ter o mesmo tratamento para fins de escalação, acesso ao registro, realização de cursos de formação e aperfeiçoamento, respeitadas as exigências acerca da escolaridade, da segurança e medicina do trabalho, dentre outras.

– Princípio da Modernização: é aquele que prevê o constante aprimoramento profissional, como forma de adequar o trabalhador portuário avulso aos modernos processos de movimentação de carga e de operação de aparelhos e equipamentos portuários[9].

– Princípio da Solidariedade: por esse princípio, o OGMO e os operadores portuários são solidários em relação ao adimplemento da remuneração devida ao trabalhador portuário avulso, ao pagamento dos encargos trabalhistas, bem como por eventuais indenizações decorrentes de acidente de trabalho.

– Princípio da Solução Extrajudicial de Litígios: pelo qual, questões envolvendo trabalhadores portuários avulsos, o OGMO e os operadores portuários podem ser submetidos à comissão formada por igual número de representantes dos trabalhadores e dos operadores portuários.

– Princípio Cooperativista: incentiva os trabalhadores portuários avulsos registrados a se congregar em cooperativa e, como tal, se qualificar como operador portuário.

-Princípio da Cooperação – encontra eco nas disposições da Lei nº 12.815/2013 que cria o Órgão de Gestão de Mão de Obra do Trabalho Portuário Avulso através da associação dos operadores portuários, que define os membros da Comissão Paritária e do Conselho de Supervisão, ambas possuindo representantes dos operadores portuários e dos trabalhadores portuários avulsos.

Como afirmado alhures, a questão dos princípios relacionados a qualquer ramo do Direito exige estudo, reflexão e amadurecimento constantes. Não obstante, um primeiro passo é indispensável para que se inicie a jornada.

Com essas breves anotações, esperamos ter alcançado tal propósito no tocante ao Direito Portuário, na sua ramificação trabalhista.

 

[1] PASOLD, Cesar Luiz. Lições preliminares de direito portuário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 23.

[2] SANTOS NETO, Arnaldo Bastos; VENTILARI, Paulo Sérgio Xavier. O trabalho portuário e a modernização dos portos. 1. ed., 3. tir. Curitiba: Juruá, 2004.

[3] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 64.

[4] MARTINS, op. cit, p. 65.

[5] STAFFEN, Márcio Ricardo. Princípios do Direito Portuário. in http://conversandocomoprofessor.com.br/artigos/arquivos/principios_do_direito_portuario.doc acesso em 30/8/2020.

[6] TRT – 12ª Região – 1ª Câmara – RO nº 0000226-85.2018.5.12.0043, Rel. Des. Roberto Luiz Guglielmetto, j. em 9/6/2020.

[7] PASOLD, op. cit, p. 37.

[8] STAFFEN, op. cit.

[9] Manual do trabalho portuário e ementário. Brasília: MTE, SIT, 2001.

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