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Autonomia do Direito Portuário Trabalhista

Por Cesar de Oliveira, Advogado, Membro da Academia Brasileira de Direito Portuário e Marítimo, Presidente da Comissão de Direito Marítimo e Portuário do IASC.

 

Introdução

Durante o império foi publicado o Decreto nº 1.746, de 13/10/1869, autorizando o governo imperial a contratar a construção de docas e armazéns para carga, descarga, guarda e conservação das mercadorias importadas e para exportação nos portos brasileiros, bem como a permitir que as Companhias Docas realizassem os serviços de capatazia.

Mais de 60 anos depois, no início dos anos 1930, ou seja, já na República, o Governo Federal expediu alguns decretos, distribuindo pelos diversos ministérios, os serviços relativos à marinha mercante e às vias navegáveis federais, definindo suas respectivas atribuições.

Aproximadamente três anos após, considerando a necessidade de definir, também, pelos diversos ministérios, os serviços concernentes aos portos organizados, bem como harmonizar as leis e regulamentos relativos aos serviços mencionados, foram emitidos diversos decretos federais.

O primeiro deles – Decreto nº 24.447, de 22/6/1934 -, dispunha que a realização dos serviços portuários – entenda-se, capatazia – seriam realizados pela Administração do Porto, enquanto o trabalho de estiva seria feito por trabalhadores avulsos “devidamente matriculados nas capitanias dos portos”.

Ato contínuo, foi publicado o Decreto nº 24.508, de 29/6/1934, destinado a:

  1. a) unificar a diversidade na especificação dos serviços prestados pelas Administrações dos Portos Organizados;
  2. b) uniformizar a denominação das taxas, incidência e entidades responsáveis pelo pagamento;
  3. c) definir os serviços a cargo das Administrações dos Portos Organizados e as obrigações que a estas cabem quanto à realização dos aludidos serviços;
  4. d) a facilitar o comércio e a navegação, bem como a previsão das despesas portuárias a que estão sujeitos, pela simplificação de seu cálculo e determinação dos responsáveis pelo respectivo pagamento; e
  5. e) uniformizar em todos os portos organizados, as taxas portuárias, espécie, incidência e denominação.

No referido decreto foram definidos os serviços prestados pela Administração do Porto, destacando-se, os serviços de “Capatazias”, conceituado como “serviço de movimentação de mercadorias, realizados por pessoal da administração do porto”  e os serviços de “Estiva das embarcações” entendido como “o serviço de movimentação das mercadorias a bordo, em descarga ou carregamento ou por conveniencia do responsavel pela embarcação, comprehendendo a arrumação ou a retirada dessas mercadorias, no convés ou nos porões”.

No mesmo período ainda vieram à lume o Decreto nº 24.511, de 29/6/1934, e o Decreto 24.599, de 3/7/1934, tratando de assuntos portuários diversos.

Em 1939, o Decreto-lei nº 1371 (D.O.U de 31/12/1939) definiu e regulou o serviço de estiva, o qual poderia ser realizado por trabalhadores:

– vinculados à Administração dos Portos;

– integrantes dos Sindicatos dos Estivadores; e

– contratados pelos Armadores, diretamente.

Com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1/5/1943, as atividades de capatazia e estiva passaram a ser regulados nos arts. 254 a 292 da norma celetéria, podendo se destacar:

“Art. 254 – Estiva de embarcações é o serviço de movimentação das mercadorias a bordo, como carregamento ou descarga, ou outro de conveniência do responsável pelas embarcações, compreendendo esse serviço a arrumação e a retirada dessas     mercadorias no convés ou nos porões.

  • 1º Quando as operações do carregamento ou descarga forem feitas dos cais e pontos de cabotagem para bordo, ou de bordo para essas construções portuárias, e estiva começa, ou termina no convés da embarcação atracada, onde termina ou se inicia o serviço de capatazia.

[…]

Art. 285 – omissis.

Parágrafo único. Considera-se serviço de capatazias nos portos o realizado com a movimentação de mercadorias por pessoal da administração do porto”.

Posteriormente, tivemos a edição de diversas normas legais, sendo os mais importantes:

– o Decreto-lei nº 3/66, que disciplinou as relações jurídicas do pessoal que integra o sistema de atividades portuárias e alterou disposições da CLT;

– o Decreto-lei nº 127/67, que dispôs “sôbre operação de carga e descarga de mercadorias nos portos organizados”. Esse Decreto tem uma peculiaridade no sentido de que constituiu categoria profissional única denominada “operador de carga e descarga” os trabalhadores de Estiva e Capatazia, unidade essa que nunca ocorreu;

– a Lei nº 5.385/68, que regulamentou o “Trabalho de Bloco”;

– o Decreto nº 63.912/68, que “regula o pagamento da gratificação de Natal ao trabalhador avulso e dá outras providências”;

– Decreto nº 90.927/85, que “regulamenta a assiduidade profissional dos trabalhadores avulsos que menciona e dá outras providências”.

Não se pode olvidar, ainda, a miríade de normas emanadas das extintas Superintendência Nacional da Marinha Mercante – SUNAMAN, Portos Brasileiros S/A – PORTOBRÁS, Delegacias do Trabalho Marítimo – DTM, Conselho Regional do Trabalho Marítimo – CRTM e do Conselho Superior do Trabalho Marítimo – CSTM, que regulavam a relação capital/trabalho nos portos.

 

Lei de Modernização dos Portos

Para dar fim ao caótico arcabouço legal envolvendo as atividades portuárias, foi promulgada em 25/2/1993, a Lei nº 8.630, denominada Lei de Modernização dos Portos, revogatória da quase totalidade da legislação portuária anterior.

Referido diploma legal retirou dos Sindicatos Laborais a competência para administrar o trabalho avulso portuário, o qual passou a ser feito por um órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho portuário, tendo por finalidade, dentre outras atribuições:

– administrar o fornecimento de mão-de-obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso (art. 18, inciso I); e

– manter, com exclusividade, o cadastro do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso (art. 18, inciso II).

Além disso, a lei trouxe diversas outras novidades, tais como a realização das operações portuárias por pessoas jurídicas de direito privado denominadas Operadores Portuários, a criação do Conselho de Autoridade Portuária, bem como do Conselho de Supervisão e da Comissão Paritária, esses dois últimos como órgãos componentes da estrutura do órgão de gestão de mão de obra do trabalho portuário.

 

Autonomia do Direito Portuário

A partir do advento da Lei de Modernização dos Portos, o insigne jurista Cesar Luiz Pasold passou a defender a autonomia do Direito Portuário em relação aos demais ramos do Direito, culminando na publicação de sua obra icônica, “Lições Preliminares de Direito Portuário” (2002).

No referido livro, Pasold (2002) demonstra que o Direito Portuário possui unidade temática, uma legislação básica que se relaciona com outros ramos do Direito e, por fim, Fontes do Direito específicas na forma de leis, jurisprudências e doutrinas, elementos necessários para o reconhecimento de sua singularidade como ramo autônomo do Direito, ao lado do Direito Civil, Direito Comercial, Direito do Trabalho, Direito Marítimo, Direito Administrativo, apenas para citar alguns.

Para ele, o Direito Portuário seria:

“o ramo do Direito que tem por objeto o disciplinamento da Exploração de Portos, das Operações Portuárias e dos Operadores Portuários, das instalações portuárias, da Gestão de Mão-de-Obra do Trabalho Portuário Avulso, do Trabalho Portuário, e da Administração do Porto Organizado”.

A unidade temática giraria em torno do Porto Organizado e dos diversos tipos de Instalações Portuárias, abrangendo os aspectos operacionais e administrativos pertinentes.

A legislação básica[1] seria composta pelos seguintes diplomas legais:

– Lei nº 12.815, de 5/6/2013, que “Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários; altera as Leis nºs 5.025, de 10 de junho de 1966, 10.233, de 5 de junho de 2001, 10.683, de 28 de maio de 2003, 9.719, de 27 de novembro de 1998, e 8.213, de 24 de julho de 1991; revoga as Leis nºs 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e 11.610, de 12 de dezembro de 2007, e dispositivos das Leis nºs 11.314, de 3 de julho de 2006, e 11.518, de 5 de setembro de 2007; e dá outras providências”;

Lei nº 4.860, de 26/11/1965, que “Dispõe sôbre o regime de trabalho nos portos organizados, e dá outras providências”;

– Convenção nº 137 da Organização Internacional do Trabalho[2], “CONVENÇÃO REFERENTE ÀS REPERCUSSÕES SOCIAIS DOS NOVOS MÉTODOS DE PROCESSAMENTO DE CARGA NOS PORTOS”, (adotada em 25 de junho de 1973 e assinada em 27 de junho de 1973, em Genebra);

– Convenção nº 152 da Organização Internacional do Trabalho, “SEGURANÇA E HIGIENE (TRABALHO PORTUÁRIO)”;

– Conferência Internacional do Trabalho – Recomendação 145, “RECOMENDAÇÕES SOBRE AS REPERCUSSÕES SOCIAIS DOS NOVOS MÉTODOS DE PROCESSAMENTOS DE CARGA NOS PORTOS”;

– NR 29 – Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho Portuário[3];

Lei nº 9.719, de 27/11/98, que “Dispõe sobre normas e condições gerais de proteção ao trabalho portuário, institui multas pela inobservância de seus preceitos, e dá outras providências”.

Embora ainda conste como vigente, entendemos que a Lei nº 5.385, de 16/2/68, que “Regulamenta o ‘Trabalho de bloco'” foi tacitamente revogada pela Lei nº 8.630/93.

O Direito Portuário se relaciona, inquestionavelmente, com o Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Comercial, Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito Ambiental, Direito Sanitário, Direito Marítimo, Direito Aduaneiro e Direito do Consumidor, dentre outros.

Finalmente, o Direito Portuário tem suas fontes específicas, notadamente a lei e a doutrina, que geram suas normas e dão contorno aos institutos que lhe são característicos.

De se notar que a autonomia do Direito Portuário encontra eco em Denise Schmittt Siqueira Garcia[4], Miriam Ramoniga[5] e Marcio Ricardo Staffen[6].

Deste último autor citado, destacamos por pertinente:

“A lenta e esmigalhada difusão do Direito Portuário resulta do impulso exclusivo dos visionários doutrinadores, que, por sua função instigam o pensar alheio.

[…]

Nesta seara, é impensado alardear a não existência de um Direito Portuário. Difundir a afirmativa de inexistência é digladiar com o movimento socioeconômico mundial, haja vista, a transcendência da relação jurídica clássica com o Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Comercial, Direito Marítimo, Direito Internacional Público e Privado, Direito Econômico, Direito Civil, Direito Tributário, e Aduaneiro”.

 

Direito Portuário Trabalhista

No âmbito do Direito Portuário se destaca sua vertente trabalhista, fundamentada em 13 artigos de sua lei nuclear – Lei nº 12.815/2013 – bem como em diversos diplomas já especificados na legislação básica retromencionada, sem olvidar dos diplomas legais correlatos (1) e conexos (2).

Com efeito, a legislação correlata[7] ao Direito Portuário Trabalhista é composta pelas seguintes leis:

– Lei nº 8.212, de 24/7/91, “Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências”;

– Lei nº 8.213, de 24/7/91, “Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências”;

Decreto n° 3.048, de 6/5/99, “Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências”.

No rol da legislação conexa[8] ao Direito Portuário Trabalhista podem ser incluídas:

– a Constituição Federal, de 1988;

– o Decreto-Lei nº 5.452, de 1/5/43 (Consolidação das Leis do Trabalho);

– a Lei n° 4.090, de 13/7/62, que “Institui a Gratificação de Natal para os Trabalhadores”;

– a Lei n° 4.749, de 12/8/65, que “Dispõe sobre o Pagamento da Gratificação Prevista na Lei n º 4.090, de 13 de julho de 1962”;

– o Decreto-lei nº 828, de 5/9/69, que “Institui o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo”;

– a Lei nº 5.764, de 16/12/71, que “Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências”;

– o Decreto n° 968, de 29/10/93, que “Regulamenta o Decreto-Lei nº 828, de 5 de setembro de 1969, que instituiu o Fundo de Desenvolvimento Profissional Marítimo”;

– o Decreto nº 1.572, de 28/7/95, que ”Regulamenta a mediação na negociação coletiva de natureza trabalhista e dá outras providências”.

 

Conclusão

Em que pese estar próxima de completar três décadas da entrada em vigor da denominada Lei de Modernização dos Portos (Lei nº 8.630/93), depois revogada e substituída pela Lei nº 12.815/13, o Direito Portuário e, principalmente, o Direito Portuário Trabalhista continuam ilustres desconhecidos do Poder Judiciário do Trabalho, que não reconhecem suas peculiaridades quando da aplicação do direito aos casos concretos.

Agrava, ainda, mais a situação o fato de que a atividade portuária pode ser executada tanto por trabalhadores avulsos portuários quanto por trabalhadores portuários com vínculo de emprego a prazo indeterminado, os quais tem suas relações com os operadores portuários regidas pelas normas celetistas, com aplicação supletiva ou subsidiária do arcabouço legal do Direito Portuário Trabalhista.  Como exemplo, citamos a questão envolvendo o adicional de riscos portuário, o qual pode ser pago tanto ao trabalhador avulso quanto ao trabalhador com vínculo empregatício, atendidos os requisitos legais, sendo a matéria regulada fora da CLT, com a aplicação subsidiária da Lei nº 4.860/65.

Como resultado, verificamos diuturnamente decisões teratológicas, conflitantes, causadoras de insegurança jurídica e prejudiciais às relações de trabalho no âmbito portuário, tantos nos portos organizados quanto nas instalações portuárias de uso privado, razões importantes que exigem o indispensável e urgente o reconhecimento do Direito Portuário, inclusive em sua dimensão trabalhista, como ramo distinto do Direito.

 

 

 

[1] “é a legislação que trata exclusivamente da matéria que caracteriza aquele ramo do Direito” (PASOLD, Cesar Luiz. Lições preliminares de direito portuário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 39).

[2] aprovada pelo Decreto Legislativo n° 29, de 22/12/1993, do Congresso Nacional, e promulgada pelo Decreto nº 1.574, de 31/7/1995.

[3] aprovada pela Portaria SSST/MTb n° 53, de 17/12/1997.

[4] Autonomia e importância do direito portuário, https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/autonomia-e-importancia-do-direito-portuario/ acesso em 25/3/2022.

[5] Direito Portuário, no Brasil: Conceito e caracterização, https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/direito-portuario-no-brasil-conceito-e-caracterizacao/ acesso em 25/3/2022.

[6] Direito Portuário: breve evolução histórica e aspectos comprobatórios da necessidade da adjetivação como ramo autônomo do Direito, https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3715/Direito-Portuario-breve-evolucao-historica-e-aspectos-comprobatorios-da-necessidade-da-adjetivacao-como-ramo-autonomo-do-Direito acesso em 25/3/2022.

[7] Legislação correlata é “aquela que trata de forma parcial da matéria de Direito Portuário, isto é, disciplina não apenas os temas pertinentes às atividades portuárias sujeitas ao regime específico instituído pela Lei 8630/93 [atualmente Lei nº 12.815/2013], mas também outros assuntos de outros ramos do Direito” (PASOLD, op. cit., p. 39).

[8] Legislação conexa é aquela que não trata do Direito Portuário, mas que “disciplina questões que atingem as relações normatizadas” pelo mesmo (PASOLD, Cesar Luiz. op. cit., p. 42).

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