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O Decreto n. 10.502/2020 e seu retrocesso: uma absoluta violação à prioridade absoluta constitucional.

Por Carlos Alberto Crispim* e Josiane Rose Petry Veronese**.

Com a edição do Decreto 10.502, no dia 30 de setembro de 2020, pela Presidência da República, mais um capítulo difícil se apresenta às pessoas com deficiência, uma vez que o objeto da referida norma, ao contrário do que possa parecer (já que traz termos como singularidades, especificidades, aspectos locais e culturais), representa um retrocesso no âmbito da inclusão escolar.

A inclusão em todos os seus níveis e sem ressalvas é fruto de uma árdua mobilização e que traz em sua trajetória histórica violações, discriminação, preconceito, rejeição.

A Declaração de Salamanca representou grande marco nesse processo de inclusão ao reconhecer “aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades”, congregando a todos os governantes que “adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma”. [1]

A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, em seu artigo 24 reconhecem do direito à educação para as pessoas com deficiência “sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades”.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) – Lei n. 13.146, de julho de 2015, em seu artigo 28, incisos I e II, estabelece que incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: “I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida; II – aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena.”

Não há porque retrocedermos a uma educação segregacionista, posto que todos os alunos, com e sem deficiência, se beneficiam diretamente da educação inclusiva, uma vez que as diferenças nos assemelham como seres humanos, pois cada um de nós possui suas especificidades, independentemente de ser ou não uma pessoa com deficiência e são essas particularidades que nos fazem crescer em humanidade.

Precisamos de maiores investimentos na rede de ensino, com capacitação de professores, adequação de ambientes, novas formas de avaliação e de pensar a educação e não, simplesmente, separarmos os alunos por sua característica pessoal. A deficiência não pode ser motivo para a exclusão, pois sabemos que muitos estudantes que não possuem qualquer deficiência, muitas vezes também não conseguem acompanhar a classe regular.

O Decreto n. 10.502/2020, além de representar um grande retrocesso com relação à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, descaracteriza o sentido da inclusão e viola a amplitude dos ordenamentos jurídicos relativos à matéria, contrariando “todos os esforços empreendidos por diversos grupos de pessoas com deficiência e suas famílias, bem como o de organizações de pessoas com deficiência, a fim de que em nosso país, os estudantes público alvo da Educação Especial não sofressem discriminação e violação de seus direitos¹”.

Assim, importante que toda a sociedade conheça o retrocesso que este Decreto representa, para evitar que ações que privilegiem outros interesses que não verdadeiramente a inclusão, possam vir a fragilizar e eliminar as conquistas alcançadas pelas pessoas com deficiência em relação ao direito à educação. Celebramos em 5 de outubro, o advento da Constituição Cidadã, sede da prioridade absoluta de toda criança e adolescente[2], desse modo entendemos que o Decreto 10.502/2020  é em sua essência inconstitucional.

 

[1] DECLARAÇÃO DE SALAMANCA Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf Acesso em: 5 out. 2020.

¹    Instituto JÔ Clemente. Posicionamento sobre o decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020 que institui a nova Política Nacional de Educação Especial. Disponível em: https://www.ijc.org.br/pt-br/noticias/Paginas/posicionamento-sobre-o-decreto-da-politica-nacional-de-educacao-especial.aspx. Acesso em: 5 out. 2020.

[2] A Emenda Constitucional n. 65, de 2010, acrescentou a categoria “jovem” ao art. 227 da Constitução Federal.

*Carlos Alberto Crispim. Mestre em Direito – UFSC ; Membro do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente – NEJUSCA/UFSC;  Analista Judiciário – TRT/SC. Professor Universitário da UNISOCIESC.; * Membro do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente no Trabalho de Santa Catarina; * Membro do Comitê Gestor Regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do Tribunal Regional do Trabalho – SC; * Professor Universitário (Direito Constitucional; Direito do Trabalho e Processo do Trabalho); * Membro do Grupo de Pesquisa Direito e Fraternidade – UFSC; Membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC; Membro da Academia de Letras de Imbituba e da Academia Literária de Imbituba.

**Professora Titular da Disciplina de Direito da Criança e do Adolescente da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Mestre e Doutora em Direito pela UFSC, com pós-doutorado pela PUC Serviço Social/RS e pós-doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, sob a supervisão do Prof. Dr. Airton Cerqueira-Leite Seelaender. Professora dos Programas de Mestrado e Doutorado do Curso de Pós-Graduação em Direito/UFSC. Coordenadora do NEJUSCA – Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente/CCJ/UFSC e colíder do Núcleo de Pesquisa Direito e Fraternidade. Dezenas de obras, capítulos de livros e artigos que versem sobre o Direito da Criança e do Adolescente. Integra a Academia de Letras de Biguaçu/SC, com a Cadeira n° 1.

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