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PÁSCOA, PANDEMIA E CIDADANIA

Por Ricardo José da Rosa* – Presidente do Conselho Deliberativo do IASC.

 

Páscoa tem o significado de passagem, seja na tradição dos judeus, seja na dos cristãos. A palavra é de origem hebraica – Pesah, ou Passach – cujo significado é justamente Passagem. Em ambos os casos a Páscoa é comemorada para relembrar tanto momentos de sofrimento quando a passagem para a liberdade ou para a vida. Os judeus comemoram a saída do Egito, o fim da escravidão, a passagem para a liberdade. Os cristãos relembram a ressurreição de Cristo, após todo o sofrimento de sua Paixão, a vitória sobre a morte, a passagem para a vida em abundância. Atualmente, confinados em casa, vivenciamos o sofrimento, nosso e de nossos irmãos, em todo o mundo. Assistimos mortes em número recorde, sobretudo nos Estados Unidos da América do Norte e na Europa. No Brasil, tememos o que está por vir. Tudo passará, teremos nossa passagem para o retorno à normalidade, ao direito de ir e vir, de abraçar e demonstrar afeto aos nossos entes queridos. Teremos a nossa Páscoa. Enquanto a pandemia se espalha, temos assistido uma corrente de solidariedade surgindo de todas as formas, em diversos lugares. A “quarentena”, assim como o período da Páscoa para judeus e cristãos, é também um período de reflexão. Queremos crer que o mundo não será o mesmo após a passagem para o retorno à normalidade, que demorará muito mais do que a vitória sobre o novo  coronavirus, com os reflexos sobre a economia e a política, causando uma enorme elevação no número de desempregados; a necessidade de reestruturação familiar, em alguns casos; o surgimento de novas lideranças políticas e, esperamos, a rejeição àqueles que pretendem se aproveitar do triste momento para galgar postos mais elevados nas eleições seguintes. Tenhamos, pois, nosso momento de reflexão. Em uma de suas entrevistas, o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, nos faz importante alerta, nos oferecendo matéria para uma  oportuna reflexão. Diz o Ministro que, ao terminar a luta contra o novo coronavírus, não há mais como continuar não tendo saneamento, tendo favelas, com habitações inadequadas, achando que isso é cultural, é uma comunidade cultural, o que não é, mas que devem ser vistas como pessoas aqueles que lá moram; continua o ministro alertando que não há como manter sistemas de transporte superlotados e achar que também isso é cultural, que é assim mesmo, que é um jeitinho brasileiro. Sintetizo o que disse o Ministro Mandetta: temos a oportunidade e o dever de tornar o exercício da cidadania uma prática, aplicável a todo aquele detentor de direitos e deveres. Não dá mais para continuarmos ignorando as desigualdades sociais, a total subtração de direitos dos menos favorecidos economicamente ao custo do acúmulo de riquezas por uma minoria, muitas vezes adquiridas ilegalmente. Combatemos veementemente a corrupção e a elaboração de leis que se desviam da finalidade constitucional da busca do bem comum, beneficiando alguns poucos privilegiados, leis elaboradas visando exclusivamente o bem do próprio legislador. Não pregamos a igualdade econômica, por considerá-la impraticável e até prejudicial, na medida em que eliminaria a concorrência e se tornaria um entrave ao desenvolvimento, mas insistimos na necessidade de reconhecer a todos o que lhes assegura o exercício pleno da cidadania, assegurado na Constituição da República Federativa do Brasil ao estabelecer como fundamento da República a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Mais adiante, ao tratar dos Direitos Sociais, a Carta Magna vigente institui como direitos a educação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança… a assistência aos desamparados. Estabelece ainda a participação nos lucros ou resultados, desvinculada da remuneração. É constitucional, e não apenas um favor dos governantes, assegurar aos cidadãos brasileiros os direitos que lhes garantam uma vida digna. Aproveitando o período de sofrimento que estamos passando façamos a reflexão e busquemos o caminho para cumprir a Constituição, vendo no próximo desassistido um cidadão, portanto um detentor de direitos que devem ser respeitados. Sem uma mudança radical, e o momento para promovê-la se aproxima, o Estado não terá condições de cumprir sua missão de promover o bem comum. Não se culpe os empresários honestos, com os cabelos embranquecidos pela preocupação constante em cumprir seus deveres trabalhistas e fiscais, com a cobrança de impostos demasiadamente elevados; não se culpe os funcionários públicos zelosos de suas obrigações de dar andamento à máquina estatal; não se busque “bode expiatório” para encobrir os verdadeiros privilegiados, bem acomodados em confortáveis gabinetes dos três poderes, e os mega-empresários com eles mancomunados. Que se mantenha a Constituição Federativa, se assim entenderem conveniente, mas que seja aplicada correta e integralmente, subtraindo-lhe todos os mandamentos que apenas são usados para garantir a impunidade e assegurar a manutenção de privilégios descabidos em prejuízo dos direitos de cidadania. Temos vivido, independentemente do novo coronavírus, um tempo de intolerância e até de violência, justamente em razão do conflito entre os que desejam se manter no poder para locupletar-se e aqueles que já não aceitam esse tipo de tirania. Afastados do povo, como se fossem seres diferentes e especiais, “autoridades” já não conseguem se aproximar, sendo constantemente agredidos verbalmente quando se apresentam em restaurantes ou fazendo uso do transporte aéreo. O momento é de tristeza, como o foi o que antecedeu a Páscoa dos hebreus e dos cristãos. Confiemos no futuro, que nossa Páscoa há de chegar, trazendo-nos de volta o direito de ir e vir, de frequentar os lugares que nos fazem falta, de abraçarmos e demonstrarmos nosso afeto aos nossos entes queridos. Não percamos, enquanto aguardamos, a oportunidade para uma reflexão que nos proporcione as mudanças necessárias para que superemos não apenas o novo coronavírus, mas também seus reflexos e tenhamos não apenas um Brasil próspero, mas todo brasileiro respeitado em sua cidadania. Feliz Páscoa a todos, de todos os credos religiosos e uma Feliz Páscoa pós novo coronavírus.

Fonte: Texto originalmente publicado no site: conversacomoprofessor.com.br em 10/04/2020.

* Professor, Advogado, Comendador e Presidente do Conselho Deliberativo do IASC, Acadêmico e Diretor Financeiro da ACALEJ – Academia Catarinense de Letras Jurídicas.

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