A (IN)CESSÁVEL BUSCA PELA VERDADE REAL NO PROCESSO PENAL
Por Bruna dos Anjos – Membro Efetivo do IASC.
Na necessidade de intervenção estatal nos direitos de primeira dimensão, ou seja, naqueles em que, via de regra, o Estado não deve intervir, esse por impulso das partes, observados os princípios da inércia somado ao da inafastabilidade do poder jurisdicional, o faz por meio do processo, que é o instrumento de análise de acontecimentos relativos ao passado, dado que o crime é sempre um fato histórico, logo, ao submete-las ao processo penal é preciso garantir as formas processuais, pois forma é garantia.
Soma-se a isso, o princípio reitor do processo penal é a presunção de inocência, que se subdivide em regra de tratamento e julgamento, vista como uma barreira de contenção, que somente após superada poderá legitimar uma condenação.
Sucede que, com efeito, comumente, denota-se o oposto, o Réu já inicia a fase cognitiva visto como culpado, razão pela qual se realça a importância de se ter um juiz ignorante na instrução processual, isso porque ele deve desconhecer a existência do fato que ensejou a tutela jurisdicional vindo a conhece-lo por meio das provas, essas que devem ser trazidas aos autos, salvo as exceções, pelo órgão acusador, e capazes de superar a resistência natural de quem tem (ao menos deveria ter) um convencimento (inocência).
Nesse sentido, é imprescindível que o julgador seja imparcial, mais, que este juiz entenda a sua posição no “jogo’’, no qual lhe é o espectador, o coadjuvante e não o ator.
De modo contínuo, a vital garantia que temos é a da jurisdição e, como consectário lógico dela, a de ser julgado assente na prova produzida dentro do processo, sendo substancial distinguir os atos de prova daqueles produzidos na fase pré-processual.
Assim, consoante leciona Aury Lopes Jr. são atos de provas aqueles que (1) estão dirigidos a convencer o juiz de uma afirmação (2) estão a serviço do processo e integram o processo penal (3) dirigem-se a formar a convicção do juiz para o julgamento final – tutela de segurança (4) servem a sentença (5) exigem estrita observância da publicidade, contradição e imediação (6) são praticados ante o juiz que julgará o processo. Substancialmente distintos, os atos de investigação (1) não se referem a uma afirmação, mas a uma hipótese (2) estão a serviço da investigação preliminar, isto é, da fase pré-processual e para o cumprimento de seus objetivos (3) servem para formar um juízo de probabilidade, e não a convicção do juiz para o julgamento (4) não exigem estrita observância da publicidade, contradição e imediação, pois devem ser restringidas (5) servem para a formação da opinio delicti do acusador (6) não estão destinados a sentença, mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo ou o não processo (7) também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação e adoção de medidas cautelares pessoais, reais ou restrições de caráter provisório (8) podem ser praticadas pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária.
Partindo dessas distinções, infere-se que o inquérito policial (inquisitorial) tão somente produz atos de investigação, e como tais, de restrito valor probante. É paradoxal conferir grandeza a uma atividade realizada por um órgão administrativo, que não contempla o contraditório e a ampla defesa e ainda admite a obscuridade de suas ações.
Nesse sentido, só são considerados atos de prova e, consequentemente, próprios fundamentos para a sentença, aqueles praticados dentro do processo, à luz da garantia da jurisdição e demais regras do devido processo penal.
Por sua vez, a história delineia que o processo penal sempre buscou uma verdade mais material e menos formal – processualista – indo, de modo antagônico ao papel do Estado, que atua politicamente, por meio do processo, conforme acima explanado.
De modo exemplificativo, segue uma célebre frase de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista: uma boa mentira, repetida centena de vezes, acaba se tornando uma verdade e, no caso do processo penal, uma verdade substancial.
Este juízo advém do sistema inquisitório, ainda utilizado por muitos incautos. Explico: não basta a prova no processo penal, há uma incessável busca por uma verdade, haja vista que, o instrumento processual é construído com base na convicção do juiz.
Assim, na medida em que o Estado ignora o devido processo legal e, pauta-se no interesse público, aliado a pressão midiática (4º poder), eclode o autoritarismo político, acrescido da figura do juiz-ator (inquisidor), o que não admite que um resultado (condenação ou absolvição) equivale ao outro, sentindo a necessidade de ir em busca de elementos probantes que subsidiem o seu anseio por punir, uma legítima “caça às bruxas”.
Por conseguinte, aniquila-se o sistema acusatório, que só se efetiva quando o magistrado respeita os limites de sua atuação e as partes possuem uma paridade de armas.
Destarte, resta necessário superar esta ideia de que o processo requer uma verdade, que visa satisfazer sentimentos pessoais de justiça, e compreender que sua finalidade é alcançar um fim através do respeito ao procedimento e garantias da defesa.
A cena do filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin em que o personagem Carlitos, como morador de rua, apanha uma bandeira vermelha sinalizadora de perigo no trânsito, que acabou de cair de um caminhão e ao se deslocar para devolve-la se vê na frente de uma manifestação de trabalhadores que protestavam por liberdades onde é perseguido e preso como líder da manifestação evidencia que a busca por uma verdade oportuna a introdução de verdades significativamente arbitrárias ou incontroláveis.
Por fim, a verdade real se confunde com o que se imagina – posto que o crime sempre é algo pretérito –, consequentemente, todo o narrado são memórias (falsas memórias), histórias contadas de pontos de vistas, fantasias das percepções oculares.