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O mais sério ataque contra a Advocacia em nossa República: as atrocidades inconstitucionais do PL 442/19

Por Ruy Samuel Espíndola – Membro Efetivo do IASC.

O Projeto de Lei 442/2019, reapresentado ao Congresso Nacional pelo ilustre deputado federal Rubens Bueno, PPS/PR, nesse início de legislatura, representa um dos mais sérios ataques à Advocacia já feito em solo pátrio, em toda a nossa história republicana; ataque às prerrogativas profissionais dos advogados, à liberdade de profissão, e a subversão, por completo, dos princípios da boa fé, da presunção de inocência e da culpabilidade penal, criando tipo criminal que, “de forma objetiva”, torna ilícito o percebimento de honorários – honorários que poderão ser inteligidos, discricionariamente, pelos órgãos de persecução penal, como de origem ilícita.

Tal proposta legislativa procura se imiscuir no sigilo profissional da advocacia, pelo qual o advogado protege os interesses defensórios de seu constituinte, presumido inocente até sentença penal condenatória transita em julgado – e até para além desse momento-, pois o dever de sigilo persistirá, independente da culpa de seu cliente.

Vejamos o teor da inaceitável proposição:

– Visa alterar a Lei 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;

– Sugere incluir inciso III, no atual § 2º (que só tem dois incisos atualmente), do artigo 1º, da Lei 9.613, que ficaria assim, com sua nova redação:

“Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

(…).

Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

(…).

I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei;

III – ´receba honorários advocatícios, tendo conhecimento ou sendo possível saber a origem ilícita dos recursos com os quais será remunerado´ (Redação sugerida pelo PL 442/19).”

– De sua justificativa, se extrai:

“O presente Projeto de Lei, apresentado na 54ª legislatura pelo ex-Deputado Chico Alencar, visa alterar a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, para que incorra na mesma pena fixada para o crime de lavagem de dinheiro o advogado que receba honorários advocatícios fruto da atividade criminosa do seu cliente.

Para tanto, será necessário que o advogado tenha conhecimento prévio dessa origem ilícita ou que lhe fosse possível ter esse conhecimento.

Na verdade, o pagamento de honorários advocatícios por criminoso, com recursos da atividade criminosa, tem o condão de lavar o dinheiro, que entra no mercado sem quaisquer vestígios de sua origem.

O Projeto ora apresentado não se debruça sobre a participação do advogado da quadrilha criminosa, ou sobre a possibilidade de ele ser um mero “laranja” para a lavagem do dinheiro, que constituem outros tipos penais.

A intenção é, de forma objetiva, punir o recebimento de honorários oriundos da atividade criminosa.”

O projeto beira o absurdo, não só por não se ater que o conceito atual de lavagem de dinheiro pressupõe qualquer atividade criminal, sem as limitações tipológicas de outrora. Ou seja, hoje, até mesmo a sonegação tributária pode ser considerada crime antecedente para a lavagem de dinheiro. Assim, todo e qualquer acusado de atividade criminosa – que possa ser entendida como propiciadora de lucro, de ganho patrimonial, independente de sua pertinência a crimes do sistema financeiro – ao pagar seu advogado, com seus justos honorários, poderá estar a envolver, o patrono que o aceitar, em ilícito penal de culpa “quase objetiva”.

Esse projeto pretende fazer do advogado, indevidamente, um fiscal do estado, um agente de polícia, que temerá exercer a sua profissão, se o cliente não lhe comprovar a origem lícita de seus honorários de modo cabal.

Dirá o causídico transmudado a agente de polícia: “senhor(a), se não me apresentares a prova (documental, pericial ou testemunhal) de que seu dinheiro tem origem lícita – pois não posso confiar apenas na sua palavra – não poderei lhe defender…”

Ora, imaginem advogados contratados para a defesa das mais fundadas ou infundadas acusações criminais ou de improbidade, ou de ilícitos eleitorais, ou disciplinares, ou quaisquer outras demandas não acusatórias, dizendo que só assumirá a causa do constituinte, se este provar, que o dinheiro que está a lhe trazer à paga de seus serviços, não guarda relação com a atividade criminosa de que está sendo acusado ou mesmo de outra, ainda desconhecida pelos órgãos de persecução penal?!

Assim, instituiremos verdadeira insegurança para o exercício da ampla defesa, do contraditório, do acesso à jurisdição e do devido processo legal. E a advocacia restará novo braço punitivo do estado, órgão burocrático no qual o cidadão não poderá mais confiar seus segredos, temores e interesses de defesa, sem que prove, primeiro, ao seu advogado, a inocência do que lhe acusam.

Não se iludam os advogados não criminalistas que essa norma afetará somente os profissionais com militância na justiça penal. Toda a advocacia será lesada! Principalmente a tributária e empresarial, e essas, conjuntamente com a criminal, correm sério risco às suas independências, se a proposição política regressiva virar norma de direito.

A advocacia não é órgão do estado e sim órgão moral da nacionalidade, em defesa das liberdades e direitos fundamentais. Nós, advogados, não estamos somente para defender a inocência de acusados. Estamos pugnando para que o direito à prova, que lhe é assegurado constitucionalmente, seja realizado com amplitude, segurança e haja justo duelo, em igualdade de armas, entre o pequeno cidadão acusado e o poderoso estado que o acusa. Postulamos para que as penas que lhe forem cominadas, caso firmada a sua culpa, sejam típicas, justas e razoáveis; esgrimamos para preservar, além de suas liberdades constitucionais, o seu patrimônio econômico e moral; somos espadachins a impedir que a força confiscatória do estado exceda seus limites constitucionais ou legais.

A proposição legislativa, por essas razões, será perversa se transformada em lei penal, pois o advogado, ao contratar a defesa e perceber seus honorários, poderá, ainda que tenha, perante si e em seu gabinete, conhecido a legalidade e honestidade da origem financeira do ganho, sofrer com inquérito policial, e mesmo ação penal, ao simples argumento indiciário ou acusatório de que se está a defender “criminoso”, e se este está enredado em atividades econômicas ilícitas, presumirão a Polícia, Ministério Público e Judiciário, que a paga de sua defesa tenha mesma origem…

Temos, diante de tal írrita proposta, se não um tipo penal que estabelece a culpa objetiva, mas um constructo penal que subverte a relação de confiança e boa-fé entre cliente e advogado, e que tornará a advocacia, nessas situações, atividade temerária, em que o ganho com os honorários jamais superará a ignominiosa situação de se ver o advogado perseguido, por órgãos de estado, apenas por ter cumprido seus deveres profissionais.

Essa proposta, se for transformada em lei, ferirá de morte os núcleos essenciais do direito fundamental à ampla defesa e ao devido processo legal. Isso derruirá, a mais não poder, a garantia institucional da indispensabilidade da advocacia. Isso fará profissionais liberais, homens livres, em fiscais de estado, nos quais o cidadão não poderá confiar seus segredos e angústias. Pois na própria lei que se quer emendar, se estabelece a hipótese de colaboração premiada, a ser feita agora pelo infeliz causídico, que, com a sua liberdade conspurcada, em operações policiais espetaculosas, tendo seus bens e conta bancária adstritos judicialmente, se verá compelido a abandonar seu dever de sigilo, e, assim, já não mais sendo o bastião da liberdade se verá transfigurado em verdugo do direito à ampla defesa.

Que a sociedade, armada da razão e da constitucionalidade, rejeite essa autoritária ideia; que o Congresso Nacional, cumprindo o dever de respeito à Constituição e tutela legiferante das liberdades, não lhe dê seguimento; e que a Advocacia, altaneira e vigilante, capitaneada pela Ordem dos Advogados do Brasil, se arme para dar, no debate público, a resposta que uma tão iníqua proposta merece.

Florianópolis, SC, Brasil, 24.02.19.

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