Homem vulnerável?
Por Grace Costa* – Presidente da Comissão de Direito de Família e das Sucessões do Instituto dos Advogados de Santa Catarina IASC e Advogada.
A vulnerabilidade da mulher em diversas situações da vida é inquestionável. Entretanto, será que a maneira como esse estado de fragilidade tem sido generalizado e considerado absoluto não coloca o homem também na condição de vulnerabilidade?
No âmbito das relações familiares, especialmente na dissolução de vínculos afetivos discutidos em juízo, esse é um assunto sobre o qual precisamos refletir.
Como profissional da advocacia há 24 anos, atuando especificamente no direito de família, período que contempla estudos em nível de especialização, e, ainda, no período da faculdade, nos estágios realizados no Tribunal de Justiça e no Ministério Público do estado catarinense, sempre me dediquei a esse ramo tão sensível do direito.
Ao refletir sobre mudanças, posicionamentos da doutrina e decisões judiciais durante todos esses anos, hoje percebo nos processos judiciais uma maior desigualdade de gênero e isso revela, para além das fragilidades femininas tão conhecidas, que há homens sendo rotulados de maneira negativa, enquanto suas esposas/companheiras são consideradas vítimas e, por conseguinte, favorecidas nas decisões judiciais.
A Lei Maria da Penha é importantíssima e necessária, pois é assustador o número de mulheres vítimas das mais diversas violências, físicas, psicológicas, patrimoniais, entre outras. Contudo, essa mesma lei, de algum modo, tornou-se uma arma poderosa na mão de mulheres de má-fé, que se utilizam indevidamente da proteção que a lei lhes confere para afastar maridos e companheiros do lar comum, enquanto muitas vezes ainda estão em processo de negociação de acordo de divórcio ou de dissolução de união estável. A intenção da mulher, nesses casos, é penalizar, vingar-se do cônjuge varão ou companheiro e mesmo sabendo que o risco é inexistente requer medidas protetivas com o intuito de afastar os filhos do genitor.
A propósito, não são poucos os pais que chegam ao meu escritório desesperados em razão de seus filhos terem sido levados por suas mães para outra cidade, outro estado da federação, sem autorização prévia do genitor ou autorização judicial para tanto, como determina a lei. Mas não é só. Nas ações de alimentos em favor dos filhos, os valores são fixados tendo o genitor como único responsável por tal obrigação, desconsiderando o fato de que ambos os genitores devem contribuir na proporção de seus recursos, também como determina a lei. Outra constatação; na fixação dos alimentos, desconsidera-se que o homem, em regra, é quem sai de casa e quem precisa reestruturar-se. A nova condição envolve, não raro, gastos com aluguel de imóvel, compra de mobília para a nova casa, sem falar que os dispêndios estarão em duplicidade, ou seja, a sua moradia precisa ser adequada para receber os filhos, o mesmo ocorrendo com a moradia do ex-cônjuge/companheira, cujas despesas são computadas em desfavor do genitor, muitas vezes em sua integralidade, o que é indevido.
Recentemente, há decisões judiciais que fixam os alimentos considerando o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Referido protocolo, regulado pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução nº 492/2023, é o documento de orientação da atuação jurisdicional nos casos em que se evidencia a presença de uma desigualdade estrutural entre as partes, colocando a mulher em posição de inferioridade. Serve o Protocolo como uma orientação aos julgadores para que o processo não seja palco de manutenção desta desigualdade.
Com base nesse Protocolo, o valor dos alimentos tem sido fixado considerando que a mulher é responsável pelo trabalho doméstico e é quem exerce os cuidados do filho. Todavia, o protocolo tem sido aplicado mesmo nos casos de guarda compartilhada, isto é, quando o exercício da guarda é conjunto com o genitor, e nos casos de crianças saudáveis que estão em escolas em período integral e não necessitam que a mãe se ausente do trabalho para o seu cuidado.
Na concessão da guarda compartilhada, embora a lei não faça essa exigência, é padrão nas decisões judiciais a fixação da base de moradia da criança a residência da genitora, quando o lar da criança é a casa de seu pai e a de sua mãe.
Como mencionado no início deste texto, não se questiona a vulnerabilidade e a posição frágil das mulheres em muitas situações da vida cotidiana, familiar, social. Porém não se pode tomar essa realidade como verdade absoluta, sem considerar que o papel do homem na sociedade e na família também mudou, que muitos homens hoje participam e contribuem efetivamente para a educação e o cuidado dos filhos, e para a manutenção da casa onde estão abrigados. Situações como essas colocam o genitor no mesmo patamar de equidade com suas ex-esposas ou ex-companheiras, e decisões judiciais que não levem essa realidade em consideração tenderão a perpetuar a desigualdade entre os gêneros e a rotular homens bons e responsáveis como perversos, tornando-os também vulneráveis.
* Grace Costa – Advogada. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Pós-graduada em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra. Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí/ Santa Catarina (UNIVALI). Presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC). Vice-Presidente da Seção Estadual de Santa Catarina da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Diretora da Caixa de Assistência dos Advogados de Santa Catarina (CAASC) no triênio de 2016/2018. Vice-Presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil, Santa Catarina (OAB/SC) no triênio de 2016/2018. Secretária-Adjunta da Comissão de Direito de Família e Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil, Santa Catarina (OAB/SC) no triênio de 2013/2015. Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil, Santa Catarina (OAB/SC) no triênio de 2012/2014. Autora da obra “Abandono Afetivo: Indenização por Dano Moral”.