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CARTA A NINGUÉM.

André Luís Vieira, Advogado. Membro do IASC, Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra.

 

“Por mais que você se importe, é bom resignar-se com o fato

de que sempre haverá aqueles que simplesmente não se importam,

seja por egoísmo, ignorância ou indolência.”

André Luís Vieira

 

Esta é uma carta a alguém, a todos, a qualquer um que possa nos ajudar, enquanto sociedade, a restabelecer a observância da Constituição e das liberdades públicas. Poderia ser uma carta endereçada à advocacia brasileira?

2022, o ano que cumpriu as previsões de ser um ano difícil para a ordem social e política, ainda não acabou. Talvez até, não acabe tão cedo. Porém, uma coisa é certa, foi o ano das cartas. Cartas sem carteiro. Todas simbólicas, midiáticas, e, por vezes, incoerentes.

Uma carta pela democracia, amplamente midiatizada, foi encabeçada pela USP e seguida por cursos de Direito de universidades de todo país. Assinaram magistrados, advogados, intelectuais, artistas, jornalistas e o público em geral. Perfeito! Quem em sã consciência de seu dever cívico, se recusaria a se tornar signatário de manifesto em defesa do maior valor moral de nossa república?

Agora, assistimos à proliferação de cartas e manifestos endereçados aos comandantes militares e aos presidentes das casas legislativas, assinadas por institutos, associações, cidadãos e, inclusive, por militares da ativa das forças armadas, fato que não acontecia desde os idos de 1954. Porém, inúmeros signatários da primeira missiva, condenam veementemente os congêneres destas últimas.

Ora, não estariam todos esses cidadãos brasileiros, valendo-se de seus direitos de livre manifestação e opinião, direito inalienável e constitucionalmente protegido, legitimados a expressar suas inquietações, preocupações, frustrações e decepções com o rumo de nosso combalido Estado Democrático de Direito e seu perverso estado de coisas?

Ao que tudo indica, não. O exercício da liberdade individual de expressão ou de manifestação, se tornou mera liberalidade unidirecional, sendo intolerável, quando dirigida contrariamente aos desígnios escolhidos pelo estamento burocrático e pelas oligarquias de ocasião. E o pior é que esse mesmo contexto institucional legitima o comportamento de pretensa superioridade moral dos signatários das primeiras missivas sobre a democracia, em relação aos subscritores dessas últimas manifestações.

Mas, alertarão os implacáveis moralistas que regulamentos militares, com força de lei, proíbem terminantemente, sob pena de punição disciplinar severa, a manifestação política de militares da ativa. Nada mais verdadeiro e historicamente justificável. Porém, ao invés de partimos para a análise das consequências, por que não esmiuçar a gravidade dos fatos, a partir dos aspectos e circunstâncias desencadeadoras? O que teria levado a parcela significativa da oficialidade, particularmente do Exército Brasileiro, a se indignar quase 7 décadas após a última manifestação?

Particularmente, cartas aos comandantes militares, foram tratadas pela vox midia, substituta da vox populi, em nossa civilização do espetáculo, como verdadeiros atentados ao Estado de Direito e às instituições. Pois bem. Surgem, neste tumultuado contexto, algumas dentre muitas perguntas inconvenientes. Que Estado de Direito é esse que trata as instituições que extrapolam todos os limites de suas competências constitucionais e legais, como agentes promotores da democracia, e classifica legítimas manifestações populares, pacíficas e ordeiras, como antidemocráticas? Resumindo, instituições são democráticas e o povo é antidemocrático? Retórica, hipocrisia ou apenas cinismo institucional?

No fundo, o que resta clarificado a qualquer cidadão minimamente consciente do nosso estado de coisas, é o fato de que nenhuma dessas cartas, sejam as consideradas “virtuosas” ou as repudiadas por serem “golpistas”, seriam necessárias se a única carta que verdadeiramente importa, a Carta Magna, a Carta Maior da República, a Carta Cidadã, tivesse sido respeitada, desde sempre.

Na lição sempre atual de Thomas Sowell, que aponta para a obrigação moral de sermos céticos e examinar o estado de coisas que nos rodeia, o questionamento será inevitavelmente direcionado aos ungidos que, sob pretexto de proteger a democracia, ferem de morte o espírito constitucional e o ordenamento legal, apenas para garantir seus caprichos político-ideológicos. Seria o mesmo tipo tentativa retórica que se impõe para justificar o ódio do bem?

Um dos maiores juristas brasileiros de todos os tempos, o imortal Heráclito Fontoura Sobral Pinto, em sua obra “Lições de liberdade: os direitos do homem no Brasil (Ed. Comunicação, BH, 1977), traz inúmeros relatos e documentos de imenso valor jurídico e histórico. Mostra a essência do advogado que se posicionou em prol da liberdade, em pleno período de exceção. Particularmente, presenciei inúmeros honrados advogados, militantes no exercício profissional já naquele tempo, pronunciarem orgulhosos o enfrentamento ao regime usurpador da liberdade.

O estarrecedor é acompanhar a manifestações desses mesmos causídicos hoje, aplaudindo o sequestro das liberdades de manifestação e opinião, como se tais ações não fossem tão ou ainda mais reprováveis do que outrora. Rica de sentidos é a frase de Léon Blum, advogado francês: “os Governos são as velas, o Povo é o vento, o Estado é o barco, e o Tempo é o mar”. Por isso, alerta-se àqueles que comemoram de forma esfuziante o fato do barco estar adernado à direita, que este quando afundar, será por um todo. Quem se salvará?

Por que, então, esta carta poderia ou, até mesmo, deveria ser dirigida à advocacia brasileira? Porque, extraindo-se pontuais e honrosas iniciativas, ainda estamos compassivos diante de tão elevado grau de achaque ao ordenamento jurídico e à subversão das instituições que deveriam zelar pela estabilidade social e política. Neste caso, os fins jamais justificarão os meios. Os fins só se tornarão democráticos, se os meios também se mantiverem formatados na mesma lógica. A legitimidade da democracia é a própria democracia! Afora disso, é só retórica!

Como advogados dotados de munus publico, por sermos essenciais ao exercício da justiça, como diz a Carta que deveria ser respeitada até o último esforço, não podemos consentir que liberdades públicas e individuais sejam cerceadas por mero juízo de conveniência arbitrária de matiz ideológico-partidário.

Liberdade, enquanto direito fundamental, enquanto conquista histórica do homem, enquanto preceito pré-jurídico de fundamento ético e de ordem moral, não pode ser reduzido às conveniências estipuladas como antidemocráticas pela superioridade moral dos autoproclamados ungidos.

Sejamos, portanto, respeitadores e merecedores legado recebido da geração de Sobral Pinto. Como mesmo ele dizia: “a advocacia não é para covardes”.

 

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