COMPETÊNCIA DA COMISSÃO PARITÁRIA NO ÂMBITO DO ÓRGÃO DE GESTÃO DE MÃO DE OBRA DO TRABALHO PORTUÁRIO AVULSO
Por Jeanne Santos – Secretária da Comissão de Direito Marítimo e Portuário do IASC
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Origem e Conceituação; 3. Da Competência da Comissão Paritária no âmbito do Órgão de Gestão de mão de obra do Trabalho Portuário Avulso; 4. Trabalhador Portuário Avulso e Arbitragem.
- INTRODUÇÃO
A Lei nº 8.630 de 23 de fevereiro de 1993 deu origem ao marco regulatório portuário brasileiro e, dentre outros assuntos, determinou a criação do Órgão de Gestão de mão de obra do Trabalho Portuário Avulso (OGMO), reputado de utilidade pública, obrigatório (art. 18 caput da Lei nº 8.630/93) em cada porto organizado.
Foi conferido ao OGMO mecanismos que viabilizassem o seu funcionamento, como a criação da Comissão Paritária destinada a solucionar litígios previstos na própria lei.
O novo marco regulatório do setor portuário, marcado pela promulgação da Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, que revogou a Lei nº 8.630/93, regulamentada pelo Decreto nº 8.033 de 27 de junho de 2013, manteve tanto a existência quanto a abrangência e particularidade da competência da Comissão Paritária.
Assim, ao OGMO, a lei confere, também, o poder disciplinar.
Outro ponto notado é a parca normatização quanto aos procedimentos dos recursos levados à Comissão Paritária em que havendo impasse na votação as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais.
Portanto, pretende-se por meio deste artigo, reforçar a compreensão da temática ora proposta no âmbito jurídico, por meio da apresentação de fatos pertinentes a debates, capazes de suscitar discussões futuras.
- ORIGEM E CONCEITUAÇÃO
A Lei nº 8.630/93, em seu artigo 23, estabelecia a obrigatoriedade da constituição de Comissões Paritárias, verbis:
Art. 23 – Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão-de-obra, Comissão Paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação das normas a que se referem os artigos 18, 19 e 21 desta Lei.
- 1º – Em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais
- 2º – Firmado o compromisso arbitral, não será admitida a desistência de qualquer das partes.
- 3º – Os árbitros devem ser escolhidos de comum acordo entre as partes e o laudo arbitral proferido para solução da pendência possui força normativa, independentemente de homologação judicial. Tal obrigatoriedade justifica-se pela essência do sistema de intermediação de mão-de-obra criada pela Lei, que revela um esquema sui generis de relação entre capital e trabalho.
A obrigatoriedade de disciplinar a relação trabalhista do trabalho portuário avulso foi imprescindível por decorrência da criação de um novo sistema de intermediação de mão de obra criada pela lei, antes conferida aos Sindicatos que representavam cada uma das categorias de trabalhadores portuários avulsos.
A Lei nº 12.815/13, em seu art. 37, reforçou o texto anteriormente vigente:
Art. 37. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão de obra, comissão paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação do disposto nos arts. 32, 33 e 35.
A Comissão Paritária, disciplinada pela lei portuária, é formada por membros de reprentatividade laboral e patronal, em igual número, cuja organização dos trabalhos pode ser regulamentada por regimento interno ou outro ato administrativo normativo emanado do colegiado.
- DA COMPETÊNCIA DA COMISSÃO PARITÁRIA NO ÂMBITO DO ÓRGÃO DE GESTÃO DE MÃO DE OBRA DO TRABALHO PORTUÁRIO AVULSO
A Comissão Paritária do OGMO tem competência específica de dirimir conflitos previstos nos arts. 32, 33 e 35, da Lei nº 12.815/13, que envolvam questões interpretativas quanto à(s):
- interpretação das regras estabelecidas para este fornecimento da mão de obra portuária e do trabalho portuário avulso (art. 32, I);
- manutenção do cadastro de trabalhadores portuários e do registro de trabalhadores portuários avulsos (art. 32, II);
- regras criadas para o treinamento e habilitação do trabalhador portuário e inscrição no cadastro (art. 32, III);
- regras de ascensão ao registro do trabalhador portuário (art. 32, IV);
- regras criadas para estabelecer o número de vagas, a forma e a periodicidade para acesso ao registro do trabalhador portuário avulso (art. 32, V);
- expedição de documentos de identificação (art. 32, VI);
- remuneração devida ao trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários (art. 32, VII);
- intervenção do OGMO nas relações capital e trabalho nos casos de ausência de instrumentos coletivos (art. 32, p.u.);
- aplicação de penalidade pelo OGMO, decorrente de infração disciplinar, ao trabalhador portuário e trabalhador portuário avulso (art. 33, I);
- promover formação profissional do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso, adequando-a aos modernos processos de movimentação de carga e de operação de aparelhos e equipamentos portuários (art. 33, II, a);
- promover o treinamento multifuncional do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso (art. 33, II, b);
- promover a criação de programas de realocação e de cancelamento do registro, sem ônus para o trabalhador (art. 33,II, c);
- dissídios decorrentes da necessidade de realocação e de criação de programas de incentivo ao cancelamento do registo (art. 33,lI, c);
- arrecadação e repasse aos beneficiários contribuições destinadas a incentivar o cancelamento do registro e a aposentadoria voluntária (art. 33, III);
- arrecadação das contribuições destinadas ao custeio do órgão (art. 33, IV);
- questões envolvendo conflitos existentes ao zelo quanto a aplicação das normas de saúde, higiene e segurança no trabalho portuário avulso (art. 33, V);
- questões em que tenha que submeter à administração do porto propostas para aprimoramento da operação portuária e valorização econômica do porto (art. 33, VI);
- conflitos sobre prejuízos causados pelos trabalhadores portuários aos operadores portuários, tomadores de serviços na realização dos seus serviços (art. 33, § 1°);
- conflitos envolvendo a solidariedade entre o OGMO e os operadores portuários, pela remuneração devida ao trabalhador portuário avulso e pelas indenizações decorrentes de acidente de trabalho (art. 33, § 2°);
- conflitos envolvendo o OGMO quanto à exigência de exigir dos operadores portuários garantia prévia dos respectivos pagamentos, para atender a requisição de trabalhadores portuários avulsos (art. 33, § 3°) e
- conflitos envolvendo questões relativas ao OGMOceder trabalhador portuário avulso, em caráter permanente, ao operador portuário. (art. 35).
A meu ver, é taxativo o rol inserido nos artigos 33, 32 e 35 da Lei nº 12.815/13, tendo o seu art. 37, restringido a esfera de competência da Comissão Paritária para julgar os recursos submetidos a sua jurisdição.
No entanto, a submissão prévia de demanda à Comissão Paritária, não é obrigatória como pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo judicial, ante a ausência de previsão em lei.
Como assim já decidiu Corte do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciada na Orientação Jurisprudencial nº 391 da SBDI-1, a SDI-I do TST:
“Orientação Jurisprudencial 391/TST-SDI-I – 11/06/2010 – Portuário. Submissão prévia de demanda a comissão paritária. Inexigibilidade. Lei 8.630/1993, art. 23. A submissão prévia de demanda a comissão paritária, constituída nos termos da Lei 8.630/1993, art. 23 (Lei dos Portos), não é pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, ante a ausência de previsão em lei”. Publicado no DJe 09, 10 e 11/06/2010.
E por trata-se de forma autônoma da solução do conflito que, se frustrada ou mesmo não utilizada, não impede a possibilidade de que seja buscada a solução do litígio ao Poder Judiciário, nos termos do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
- TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO E ARBITRAGEM
Diversos dispositivos normativos fazem referência expressa à possibilidade da incidência da arbitragem no Direito do Trabalho, todavia, não há uma lei específica da Arbitragem Trabalhista.
Além das previsões constitucionais do art. 7º, incisos VI, XIII e XIV (flexibilização de direitos trabalhistas com base na negociação coletiva), é possível buscar outras formas de solução extrajudicial de conflitos, e a arbitragem deve ser destacada.
De acordo com a previsão contida nos §§ 1º, 2º e 3º, do art. 37, da Lei nº 12.815/13, em caso de impasse na votação dos recursos submetidos à Comissão Paritária, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais. Vejamos:
Art. 37 (omissis)
- 1º Em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais.
- 2º Firmado o compromisso arbitral, não será admitida a desistência de qualquer das partes.
- 3º Os árbitros devem ser escolhidos de comum acordo entre as partes, e o laudo arbitral proferido para solução da pendência constitui título executivo extrajudicial.
As ofertas finais compreendem-se aquelas em que o árbitro deve restringir-se a optar pela proposta apresentada, em caráter definitivo, por uma das partes.
De acordo com o art. 9º, da Lei nº 9.307/96: “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial”.
Assim, as partes – recorrente e recorrido -, frente à Comissão Paritária celebrarão o compromisso arbitral extrajudicial por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público, seguindo as orientações previstas no § 2º, do art. 9º e artigos 10 e 11, da Lei nº 9.307/96.
Quanto à escolha dos árbitros, estes devem ser escolhidos de comum acordo entre as partes. O § 3º, do art. 37 não faz limitação da quantidade de árbitros, podendo ser um ou mais, o que nos remete mais uma vez à legislação específica da arbitragem onde dispõe todo regramento quanto processo de escolha dos mesmos.
Segundo dispõe a parte final do § 3º, a decisão do árbitro formará um título executivo extrajudicial, denominado laudo arbitral.
Imprescindível destacar que o termo “laudo arbitral” é anterior à Lei nº 9.307/96. Assim, a denominação do ato decisório do árbitro foi alterada para “sentença”, conforme disposto no seu art. 23[1].
Essa decisão proferida pelo árbitro, obedecida toda lisura do procedimento, quanto ao comprometimento arbitral e à escolha de árbitro(s), produzirá efeitos entre as partes equivalentes de uma sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constituirá título executivo extrajudicial.
De outro norte, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho tem se mostrado resistente à utilização da arbitragem como forma de resolução de conflito individual de trabalho.
Segundo entendimento da 3ª Turma do TST, em acórdão prolatado pelo Ministro Mauricio Godinho Delgado[2]: “A jurisprudência trabalhista consolidou o entendimento acerca da incompatibilidade da arbitragem no campo do Direito Individual do Trabalho, no qual vigora o princípio da indisponibilidade de direitos, que imanta de invalidade qualquer renúncia ou mesmo transação lesiva operada pelo empregado ao longo do contrato. No campo do Direito Coletivo do Trabalho, por outro lado, a arbitragem é admitida, na medida em que há significativo equilíbrio de poder entre os agentes participantes, envolvendo, ademais, direitos efetivamente disponíveis”.
Não obstante, percebe-se que a aplicação da Lei nº 9.307/96, de forma subsidiária aos recursos originários da Comissão Paritária, é implícita e notadamente, em específico, no tratamento a ser dado aos parágrafos do art. 37, da Lei nº 12.815/13 porque necessitam de conceituação e direcionamento.
[1] Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.
[2] PROCESSO Nº TST-RR-614- 45.2012.5.09.0022. 3ª. Turma. TST. Ministro Relator. MAURICIO GODINHO DELGADO. Publicado no DJT em 29/06/2015.
Olá, gostaria de parabenizar a equipe pela escrita desse texto.
Ajudou bastante em minhas pesquisas profissionais e acadêmicas.
Atenciosamente,
Samuel