Reembolso dos planos de saúde ao SUS
Por Guilherme Back Koerich* – Presidente da Comissão de Direito do Consumidor do IASC.
As operadoras de planos de saúde são obrigadas a ressarcir o SUS quando seus clientes (beneficiários), que estejam acobertados pelo plano, utilizam serviços públicos de saúde. É isso que estabelece o art. 32 da Lei nº 9656/98.
Em outras palavras, quando o cidadão, que possui um plano de saúde, se dirige (ou é encaminhado por seu médico) ao Sistema Único de Saúde para tratar de uma doença cujo tratamento esteja previsto no seu contrato com o plano de saúde, o plano de saúde é obrigado a ressarcir os cofres público, por força da lei supracitada.
Mas o que isso significa? Como esse reembolso funciona na prática? E, principalmente, quais as consequências dessa lei aos consumidores e clínicas privadas?
Antes de adentrar no mérito da questão, é importante esclarecer alguns pontos.
A Lei nº 9656/98 dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. É uma das normas a que se vinculam os planos de saúde privados e que, de certa forma, protege os beneficiários, pois ela condicionará a atuação dos planos de saúde a algumas exigências, bem como prevê consequências às infrações. Essas penalidades vão desde advertência, multas, até cancelamento da autorização de funcionamento da operadora.
Essa lei foi amplamente contestada. Diversos artigos foram alvos de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 1931), proposta pela Confederação Nacional de Saúde. Neste artigo nos limitaremos a analisar tão somente o art. 32 da Lei nº 9656/98, que trata do reembolso dos planos de saúde ao SUS.
Os argumentos trazidos pela CNS foram, em síntese: a) a regra implicaria em uma nova fonte de receitas para seguridade social; b) a saúde é direito de todos e dever do Estado, conforme preceitua o art. 196 da Constituição Federal; c) a regra traz discriminação aos cidadãos que possuem e não possuem planos de saúde privados; entre outros.
Depois de décadas de discussão, o Supremo Tribunal Federal rechaçou o pedido da CNS, concluindo pela constitucionalidade do art. 32 e, portanto, declarando constitucional o reembolso dos planos de saúde ao SUS. Afirmou, em suma, que
- a) “a regra não implica a criação de nova fonte de receitas para a seguridade social, mas sim, consiste em desdobramento da relação contratual entabulada em ambiente regulado”,
- b) “o diploma não confere tratamento desigual entre cidadãos com e sem plano de saúde. A nenhuma pessoa será negado tratamento em hospital público, considerada a universalidade do sistema. Porém, se o Poder Público atende a particular em virtude de situação incluída na cobertura contratual, deve o Sistema Único de Saúde ser ressarcido, tal como faria o plano de saúde em se tratando de hospital privado”;
Após a declaração de constitucionalidade do referido dispositivo, as operadoras de saúde foram obrigadas a ressarcir ao SUS alguns bilhões de reais. Segundo informação exarada pela Agência Nacional de Saúde ao sítio eletrônico da BBC[1], entre 2000 até 2017 foram identificados 4,51 milhões de atendimentos no SUS de usuários de planos de saúde passíveis de ressarcimento, totalizando R$7,5 bilhões.
E isso afeta os clientes ou médicos? Quanto aos clientes (beneficiários) pode-se dizer que afeta de forma indireta. É claro que quanto mais passivo tiver o plano de saúde, a mensalidade deve aumentar, de modo a sempre permanecer o lucro da empresa.
Quanto aos médicos e clínicas médicas a consequência pode ser direta pelo seguinte motivo: os planos de saúde conveniados com os médicos e clínicas médicas se eximem de responsabilidade desse reembolso caso esses profissionais indiquem e encaminhem seus pacientes ao SUS, quando tiverem planos de saúde.
Isso quer dizer que as clínicas ou médicos conveniados devem, ao indicar ou encaminhar o paciente para o SUS, ter conhecimento se ele possui plano de saúde e se o tratamento indicado é acobertado pelo plano.
Essa forma de se eximir da responsabilidade se dá de forma contratual, onde os planos de saúde estabelecem nos contratos com médicos e clínicas conveniados que, havendo o desrespeito da regra do art. 32, eles deverão arcar com as consequências da multa.
Portanto, cabe aos profissionais de saúde conveniados com os planos privados se atentarem a essa nova regra e ao contrato entabulado entre as partes, de modo a antever os problemas e evitar processos judiciais.
[1] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-42176003
*Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), em regime de dupla titulação com a Delaware Law School. Especialista em Direito Administrativo pela Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade do Vale do Itajai (UNIVALI), advogado. E-mail: guilherme@koadvocacia.com.